segunda-feira, 3 de outubro de 2016

parte IV

Em 1336, um exército galego desceu até à cidade do Porto durante o conflito entre Castela e Portugal. Embora os portuenses tenham conseguido defender a cidade, reconheceu-se que as suas defesas eram muito frágeis. Essa lacuna comprovou-se, mais tarde, durante o conflito que opôs D. Pedro a seu pai, na sequência da morte de Dona Inês, que levou aquele a tentar invadir o Porto pela lealdade que a cidade sempre devotou a D. Afonso IV. Esta ameaça reforçou a necessidade de proteger a nova área da urbe, fazendo com que o rei D. Afonso IV canalizasse o dinheiro necessário para se erguer uma nova fortificação que começou a ser construída ainda no seu reinado e terminou no de D. Fernando, em 1370. A área amuralhada passou, então, a ter cerca de 45 hectares; a cerca tinha nove metros de altura e 2.600 metros de perímetro. O Muro, como lhe chama Rebello da Costa [1], envolvia a urbe assim vista por este autor: “firma-se sobre dois grandes e dilatados Montes, que são o da Sé e o de Vitória, ambos imediatos ao rio Douro. Entre estes dois montes medeia uma dilatada planície que se divide em três vales sobranceiros uns dos outros: o primeiro dilata-se desde o convento de São Bento das Freiras até São Domingos; o segundo continua por toda a Rua Nova de S. Nicolau; o terceiro abrange a Ribeira, Fonte Taurina e toda a Reboleira até à Porta Nova. Pouca ou nenhuma terra se verá em esta dilatada extensão que não seja povoada e coberta de edifícios. O prospeto da cidade observado da parte meridional do Rio Douro é bem semelhante a um grande anfiteatro”. A Muralha começou a ser derrubada no início do século XIX, acompanhando a expansão da cidade.
 
Muralha Afonsina junto à Ponte de D. Luís

António D’Andrade Júnior [2] dividiu, no seu estudo sobre águas potáveis, a cidade do Porto em duas áreas: a moderna e a antiga. Esta correspondia ao Porto antigo, limitada pelos muros afonsinos, dos quais apenas existiam, em 1895, segundo o autor, vestígios na Rua da Madeira, Convento de S. Bento da Avé Maria e Calçada da Esperança. Nos nossos dias, os restos da muralha afonsina, esquecidos por D’Andrade Júnior, estão nos Guindais e nas Escadas do Caminho Novo. Mas a divisão que ele considerava, justificava-se tendo em conta o objeto por ele estudado. As condições higiénicas em que viviam aqueles que habitavam as ilhas e a área antiga diferiam notavelmente dos felizardos que usufruíam de melhores ares e águas nas zonas afastadas e menos carregadas de população.

Trecho da Muralha Fernandina nas Escadas do Caminho Novo

A encosta poente do morro da Sé pode ter sido tão rica em água como o é a escarpa dos Guindais, levando a admitir, com elevado grau de certeza, que, no princípio da formação da urbe, a água aí usada era captada a partir de poços ou de minas. Algumas minas podiam abastecer chafarizes e fontes públicas, como são exemplo a Fonte do Almazém, o Chafariz da Rua Nova, a Fonte Taurina. Mas uma questão se colocava: que qualidade tinha a água que os vizinhos usavam? A resposta encontra-se em documentos diversos, particularmente nas atas das sessões camarárias, como a referência que fizemos anteriormente na qual se impunha a proibição de sujar as fontes e chafarizes e de nelas lavar panos e tripas. A falta de higiene não se manifestava apenas naquele mobiliário urbano; ela estendia-se a toda a urbe, como muito bem o descreve Maria Lúcia Afonso [3]: “Os animais - cães, galinhas e porcos - misturavam-se livremente com as pessoas que por elas deambulavam. Pelas janelas das casas eram lançados os dejectos e águas sujas sem qualquer cerimónia, contribuindo para que a imundície se acumulasse e o cheiro fosse nauseabundo. Apenas nas datas solenes, principalmente nos dias das grandes procissões, é que a Câmara mandava proceder à limpeza das ruas. Outras vezes eram os lavradores que, com o intuito de arranjar estrume para os seus campos dos arrabaldes, recolhiam por conta própria o lixo acumulado”. A inexistência de uma rede de saneamento e de serviços regulares de limpeza e recolha de resíduos destinavam todos os contaminantes para o rio da Vila ou para o subsolo e lençóis freáticos. Daqui resultava, no século XVI, uma cidade “suja, com cheiro nauseabundo”, com ruas “onde se acumulavam detritos, esterqueiras, escorriam líquidos suspeitos e viscosos onde se juntavam os dejectos dos bacios”, e onde “as fontes, as minas e os chafarizes eram focos de água imprópria onde se acumulava toda a espécie de imundícies. Daí a quantidade de epidemias e pestes que obrigavam a cercar as ruas para isolar os marginais e os suspeitos de portadores de peste” (Vasconcelos, 2001) [4].

É interessante verificar, e procurar reconhecer, o que descreve, em 1788, Agostinho Rebello da Costa: “atravessam esta cidade esta cidade muitos ribeiros de água, que servem uns para lhe levarem as imundícies, e tal é o chamado Rio da Vila, outros para neles se lavar roupa e moverem com as suas correntes várias rodas de moinhos e azenhas; há sobre eles algumas pontes de pedra, como a Ponte Nova, que está entre a Rua das Flores e Banharia, cercada de casas e balcões, a das Patas, Cedofeita, Massarelos e outras. É copiosíssimo o número das fontes, chafarizes e poços de água nativa e pura, que servem de uso e regalo a todas as famílias. Os poços excedem o número de 2000. Os chafarizes públicos são os seguintes, os da Ribeira, S. Domingos, Taipas, Porta do Olival, Fábrica, Rua Cham, Santo Ildefonso, Sé e o da Serra. Os particulares, são os do Terreiro de Santa Clara, Monchique, Franciscanos, Domínicos, Bentos, Loios, Congregados, Carmelitas, Agostinhos Descalços, Cruzios, Antoninhos de Vale Piedade, e Paços Episcopais. Muitos destes chafarizes, ainda que pertençam a conventos particulares, alguns servem igualmente ao uso público. Alguns há que formam profundos lagos em que nadam cardumes de peixes de cores e vistas diferentes. Todos os conventos de religiosas estão da mesma sorte providos de água perene, que se reparte pelas oficinas dos seus claustros. O número de fontes públicas passa de cem. Muitas arrojam duas telhas de água, e algumas se assemelham à fonte que está próxima da Igreja da Senhora da Hora, a qual ainda no árido outono, lança sete chorros, cada um de telha de água claríssima e bem gostosa”.

A leitura desta passagem do texto de Rebello da Costa, homem de Braga e vivendo no Porto há 20 anos quando publicou aquela histórica obra, revela-nos o seu caráter bondoso, reconhecidíssimo com a cidade que o acolheu. Para ele, na cidade havia bastante abundância de água, existiam muitas fontes e chafarizes de água puríssima, em que as fontes de Fradelos e das Fontainhas eram, de entre as boas águas, as melhores. Rebello da Costa chegou ao ponto de classificar a água de Paranhos como “pura, claríssima, muito leve e desobstruente”. Tinha razão quando afirmava que a água, naquele tempo, era abundante e que existiam bastantes chafarizes e fontes para uso público. Aliás, é antiga a preocupação do Município do Porto em dotar a cidade do mais importante meio de abastecimento público na época, e é notória a constante procura de conservar as fontes e chafarizes em perfeito estado de limpeza e higiene, embora a história nos mostre que foi uma árdua luta em vão. Mas já não a tinha quando há muito se clamava contra a inquinação das águas dos chafarizes e fontes.

Rebello da Costa considerou limites da cidade da cidade que há muito tinham ultrapassado a Muralha Fernandina. A identificação das fontes e chafarizes que existiram ou ainda existem dentro de muros é muito interessante porque permitem avaliar a intensa ocupação do solo da cidade, agravando as suas condições sanitárias e aumentando os níveis de contaminação da água. Por isso, cedo começou a luta para encontrar meios suficientes para satisfazer as necessidades do povo em água, quer em quantidade, quer em qualidade, recorrendo, numa primeira fase aos mananciais mais próximos, como os das Fontainhas, Mijavelhas ou Campo Grande, e Virtudes, e mais tarde aos de Paranhos e Salgueiros, mais afastados do centro histórico. Muitas das fontes e chafarizes eram particulares, algumas esquecidas e não referidas na história, outras em conventos e mosteiros, como as indicadas por Rebello da Costa. Outras eram públicas, construídas pela Câmara ou por iniciativa popular. As Ordens Religiosas tiveram notável importância no abastecimento de água à urbe, particularmente no desenvolvimento técnico que foram criando na arte de a conduzir. Alguns dos seus chafarizes são bem conhecidos e resistiram ao tempo, tendo sido colocados em locais com alguma nobreza. Dos chafarizes e fontes públicas muitos desapareceram esmagados pela pior face do progresso, alguns ainda resistem tristemente, mas o vandalismo vai-os atacando, temendo-se que o seu destino seja o pior: o seu desmantelamento.

O local da construção do Convento dos Frades Franciscanos, na margem direita do Rio da Vila, junto ao Douro, fez parte da contenda entre o Bispo D. Martinho Rodrigues e o Rei D. Sancho II sobre os limites do couto episcopal. O litígio continuou, mas o Convento cresceu e, na área hoje ocupada pelo Pátio das Nações do Palácio da Bolsa [5], foi instalado um chafariz que, segundo Rebello da Costa, 1788:112, “lança perennes chorros d’agoa, pública e patente a todos os que quiserem aproveitar-se della”. A água que abastecia o convento vinha do sítio do Laranjal (Amorim & Osswald, 1982) [6], na zona onde hoje se encontra a estação da Trindade, descia pelos terrenos ocupados pela Avenida dos Aliados, entrava no burgo pelo postigo de Santo Eloi, e seguia pela Rua das Flores e Largo de São Domingos até ao convento. A água terá chegado ao convento depois de 1544, ano em que a Câmara concedeu um subsídio para o seu encanamento, com a obrigação de ser cedida uma parte para o Chafariz do Largo de S. Domingos. Esta pretensão da Câmara não chegou a ser concretizada por falta de capacidade do “cano”. Em 1615, o Mosteiro de S. Francisco cedeu um anel de água aos Padres Dominicanos, a troco da permissão de passagem do encanamento através dos seus terrenos (Amorim & Osswald, 1982). O chafariz aí se manteve até pouco depois de 1832, data em que um incêndio ocorrido durante a ocupação do Convento pelo Batalhão de Caçadores das tropas de D. Pedro V. Das ruínas nasceu o Palácio da Bolsa e o chafariz foi transladado, em 1869, para o Jardim do Passeio Alegre [7], onde adotou o nome de Chafariz do Passeio Alegre. Foi classificado como Monumento Nacional pelo Decreto N.º DG. 136 de 16 de junho de 1910.

Chafariz do Passeio Alegre

Foi o Rei D. Manuel I que deu ordens para se construir o Convento das Freiras nos terrenos das Hortas do Bispo, numa área que compreendia a Rua dos Carros, Calçada da Teresa (atual Rua da Madeira), Rua do Faval (atual Rua do Loureiro), e Praça do Faval ou Terreiro de S. Bento, que mais tarde deu origem à Praça Almeida Garrett. A construção do Mosteiro iniciou-se em 1518 e concluído em 1528. Só em 1535 foi ocupado pelas freiras de S. Bento de Avé Maria [8]. O Chafariz do Convento de S. Bento de Avé Maria, construído, em 1518,  no centro do claustro do mosteiro, possuía bicas em três níveis que lançavam a água para duas taças e um tanque inferior. Depois da demolição do Mosteiro, em 1894, para dar lugar, lamentavelmente, à Estação de São Bento, foi colocado na entrada da rua da Madeira, donde passou para o Largo dos Loios e, mais tarde, para o Museu Municipal. Encontramo-lo, hoje, nos Jardins da Águas do Porto. No exterior do Mosteiro existiu a Fonte do Largo de S. Bento das Freiras, construída ao mesmo tempo daquele, no Terreiro de S. Bento no ângulo que aquele Largo fazia com a Rua do Loureiro [9]. Era abastecido pelo Manancial de Camões.

A construção da igreja e dos edifícios adjacentes para onde foi transferido o Colégio de S. Lourenço da Companhia de Jesus, fundado em 1561, teve início em 1574 e prolongou-se por alguns anos. Os jesuítas transferiram-se do “colégio” primitivo para o novo em 1577. Após a expulsão dos Jesuítas pelo Marquês de Pombal, em 1759, a Igreja e o Colégio da Companhia de Jesus, são entregues por carta régia de D. José, de 1774, à Universidade de Coimbra, que os vende, em 1780, aos Eremitas Descalços de Santo Agostinho, conhecidos por frades grilos, onde instalam o seu Convento. Em 1833, durante o Cerco do Porto, os frades abandonaram o convento e aí se instalou o Batalhão Académico, que incluía nas suas fileiras Almeida Garrett. No ano seguinte, D. Pedro V cede as instalações para o Seminário Diocesano do Porto. Hoje, aquele património pertence à diocese onde mantém um museu. O colégio de S. Lourenço era abastecido de água pelo Manancial das Fontainhas, cujo cano foi construído em 1588/89, devendo então existir um chafariz que terá sido reconstruído em 1785, passando a denominar-se como Chafariz dos Agostinhos Descalços. O chafariz mantém-se, nos nossos dias, num pátio interior do Seminário Maior do Porto (Santos et al., 2015:184).



LOCALIZAÇÃO DAS FONTES E CHAFARIZES INTRAMUROS DESAPARECIDOS
  


Legenda: A – Chafariz da Cividade; B – Fonte dos Canos; C – Fonte da Ponte Nova; D – Chafariz da Praça de S. Roque ou do Souto; E - Fonte da Biquinha; F – Fonte S. João Novo; G – Fonte do Largo de S. Bento das Freiras; H – Fonte de S. Domingos; I – Chafariz do Largo de S. Domingos; J – Fonte da Porta dos carros; K – Fonte dos Ferreiros; L – Fonte de D. Teresa; M – Fonte do Touro; N – Fonte dos Banhos ou do Sargento dos Banhos; O – Fonte Taurina, Aurina ou Tourina; P – Fonte de Congostas; Q – Fonte da Misericórdia; R – Fonte do Mercado Ferreira Borges; S – Chafariz do Anjo S. Miguel; T – Chafariz de S. Sebastião; Y – Chafariz da Lada.

Muitos dos chafarizes e fontes da urbe intramuros desapareceram. De alguns apenas se encontram referências com limitada informação, como Rebello da Costa, 1788, que indica os Chafarizes dos Cruzios, Bentos, Loios e Paços Episcopais, todos para uso particular. Velasques, 2001, dá nota da existência do Chafariz da Ermida e Hospital do Espírito Santo, que terá existido no séc. XV, do Chafariz dos Beneditinos, também para uso particular, e do Chafariz das Escadas da Sé, que teria apenas uma bica, Velasques diz que ela é referida em 1844, mas não indica por quem. Baltasar Guedes, transcrito por Teixeira, 2011, descreve o Chafariz da Sé, “cuja Arca é muito formosa; está na Póvoa de Cima, e como não pertence a este Senado, recuso tratar dela.”.... “há uma formosa fonte da Rua dos Mercadores, abaixo da boca da Rua Nova, que por algumas vezes tem este Senado intentado levá-la à Ribeira, cousa mais necessária; está esta fonte em uma Torre que foi dos Galegos, e fica para o rio da Vila, e suposto não será mais que um anel de água, é certo que ao passar do Cano de água, se acharia mais pelas fragas abaixo”. A Fonte do Largo de S. Bento das Freiras, que ficava no ângulo que este Largo fazia com a Rua do Loureiro. Esta fonte era alimentada pela água do Manancial de Camões (Bahia Júnior, 1909). Horácio Marçal, 1968, [10] , refere ainda a Fonte do Touro, junto à Porta Nobre. De outros são conhecidos dados mais concretos como os que se apresentam a seguir.

A Fonte Taurina, uma das mais antigas do Porto e há muito desaparecida, teve vários nomes: Aurina, D’Ourina ou Tourina. Ela terá existido na Rua Taurina, possivelmente no começo daquela rua a partir da Praça da Ribeira [11]. A fonte era abastecida com água de uma nascente própria. Documentalmente sabe-se que a fonte já existia em, pelo menos, em 1392 porque é referida na ata da sessão do município em 18 de julho daquele ano [12], e mais tarde na sessão de 21 de junho de 1411 [13].

O Chafariz da Cividade, identificado por Horácio Marçal, já existia no século XV e localizava-se na margem direita do Rio da Vila, no local onde, mais tarde, se abriu a rua das Flores. Próximo, no Terreiro de S. Bento das Freiras (Praça Almeida Garrett), havia a Fonte dos Canos do qual pouco se sabe; provavelmente terão existido duas fontes com este nome, em que a segunda terá aproveitado a água da mais antiga que, entretanto, desapareceu [14]. A pouco menos de uma centena de metros existiu a Fonte da Ponte Nova que ficava debaixo do arco desta ponte. Segundo Horácio Marçal, a água desta fonte era salobra e o povo acreditava que ela era “excelente para a moléstia dos olhos”. Esta autor descreve também a Fonte da Biquinha que ficava num dos muitos arcos (os Aloques da Biquinha) existentes sob os terrenos existentes nas traseiras das casas das Rua das Flores. Pelo menos na parte final da existência da fonte, a sua água apresentava-se muito inquinada.

A Fonte dos Canos, que se localizava no Terreiro ou Largo de S. Bento das Freiras, na esquina da rua do Corpo da Guarda e a um nível inferior ao pavimento. Era um “lugar imundo, indecente e sobremaneira escuro, e por isso proprio para imoralidades e prejudicial aos serventes das cazas” (Gomes Leite, 1838) [15]. Ela foi alterada em 1835, dando lugar à Fonte de S. Bento.

A Fonte dos Banhos ou do Sargento dos Banhos, do Reguinho, ou do Comércio, estava situada na desaparecida Rua do Reguinho, junto às Escadas do Forno Velho. O nome de Sargento dos Banhos teve como origem uma figura de pedra, imitando um sargento, localizada num nicho existente na parte superior do espaldar. A sua água provinha de mina própria situada em um armazém próximo. A qualidade da água foi-se deteriorando ao longo do tempo. A impureza da sua água levou ao seu encerramento em meados do século XIX.

Antes da abertura da Rua Mouzinho da Silveira, aquela área era servida pelo Chafariz da Praça de S. Roque, de Santa Ana, ou do Souto, situada perto da também desaparecida capela de S. Roque, construído em data desconhecida, mas, seguramente, anterior a 1594. Este chafariz era abastecido por água vinda da Arca das Hortas, na casa n.º 66 da Rua das Hortas (Gomes Leite, 1838), seguindo pela Rua dos Caldeireiros, onde se dividia uma pena de água para esta fonte e três penas para o Hospital de S. Francisco; atravessava a Rua das Flores e dirigia-se para a Praça de S. Roque (Gomes Leite, 1836).  A. Fontes, 1908, afirma que na sua época ela era abastecida com água do Campo do Meloal e, mais tarde, passou a ser abastecida, até à sua demolição, em 1877, pelo aqueduto de Paranhos.

A Fonte de Congostas, localizava-se, desde o período 1594 e 1604, no lado poente da rua das Congostas até à sua demolição entre 1882 e 1883, sensivelmente no canto sudeste do jardim do Infante D. Henrique. Diogo Teixeira, 2011 [16], denomina esta fonte de “Chafariz da Rua Nova”, e recorrendo a Horácio Marçal, diz que esta fonte substituiu outro cuja água vinha de mina própria e que ostentava no espaldar as Armas Reais de D. João II (1481-1495). Este adorno foi aproveitado para o novo chafariz. Diogo Teixeira cita Baltasar Guedes do qual, em nota de rodapé, transcreve: ““No meio da Rua Nova, ao pé da Rua das Congostas, está o formoso Chafariz com três Taças; de duas tenho dado noticia atrás, da ultima darei mais adiante; de quão é necessária para este povo, neste lugar; ele mesmo testifica. As vertentes vão à Casa da Moeda para o serviço dela, e quando lá não são necessárias, tem um Cano que vai pela ladeira da Alfândega abaixo sair a hum Postigo que está serrado de parede para o Rio [17].” No Livro de Vereações do Município do Porto [18], o Chafariz da Rua Nova é referido nas sessões de 5 de junho de 1405 e de 24 de Fevereiro de 1411. Das duas uma: ou a Fonte de Congostas e o Chafariz da Rua Nova são a mesma coisa, cometendo Baltasar Guedes um pequeno erro na sua localização, e a data da sua construção terá sido anterior a 1405, ou, então, terá existido um chafariz na Rua Nova (rua posteriormente apelidada dos Ingleses e hoje do Infante D. Henrique) que foi mais tarde (1594-1604) transferido ou reconstruído para a Rua das Congostas. O Chafariz da Rua Nova recebia água de mina própria, acontecendo o mesmo, nos primeiros tempos, na Fonte de Congostas, passando este, pouco depois de 1838, a ser abastecido pela água de Paranhos e Salgueiros, a partir da Arca do Anjo. A fonte de Congostas foi desmantelada para que o seu lugar fosse ocupado pela rua Mouzinho da Silveira, tendo sido substituída, em 1888, pelo Chafariz do Mercado Ferreira Borges.

 A água da Fonte de Congostas, que era jorrada por três golfinhos para três taças, tinha inicialmente origem, segundo Germano Silva [19], do campo do Meloal. Henrique Reis, citado por Diogo Teixeira, diz que “a fonte da rua das Congostas, que teve antigamente água própria para a alimentar; porém, sendo de péssima qualidade abandonou-se substituindo-se pela do mencionado manancial de Paranhos e Salgueiros.” A água daqueles mananciais vinha da Arca do Anjo.

A Fonte da Porta dos Carros, existente em 1630, localizava-se junto ao Convento de S. Bento da Avé Maria, no Centro do Largo entre a Igreja dos Congregados e a Porta dos Carros da Muralha Fernandina. Esta fonte recebia a água de uma nascente que havia na Calçada da Teresa e, segundo Leite Gomes, 1838, a sua água “era mais saborosa e abundante que na fonte, em consequência das ruínas do aqueduto”. A sua existência foi efémera: terá desaparecido quando, em 1827, aconteceu o mesmo à porta da muralha fernandina. A Fonte dos Carros, foi localizada, em 1894, na desaparecida Rua dos Carros que entroncava no Largo do Souto (Velasques, 2001).

A Fonte de D. Teresa ou, simplesmente, da Teresa, que estava situada na atual Rua da Madeira (Marçal, 1968), recebia a água que vinha de uma nascente localizada no cimo da Calçada de D. Teresa que subia da Porta dos Carros para a Senhora da Batalha. Era água ligeiramente salobra, sinal evidente da sua contaminação. As vertentes corriam para um tanque encostado à Muralha Fernandina, junto da Porta dos Carros e em frente da capela de Santo António (Igreja dos Congregados). Horácio Marçal transcreve o Padre Manuel Pereira de Novais, que indica a existência da Fonte de Dona Teresa e de uma outra fonte que apenas abastecia o Convento de S. Domingos.

Construída no pátio da Igreja da Santa Casa, a Fonte da Misericórdia era privada mas permitia-se o uso público. A sua água vinha de uma nascente existente no Quintal do lado de cima da Sacristia de que era dona a Irmandade da Misericórdia (Leite Gomes, 1838). A Fonte dos Ferreiros, segundo Velasques, terá existido na Travessa da Fonte dos Ferreiros que veio a dar origem à Rua da Ponte Nova.

O Chafariz do Largo de São Domingos foi construído no século XIV, pois no Livro das Vereaçoens – anos de 1401-1449 [20], pág. 186, exarou-se, na ata da sessão de 12 de setembro de 1403 da Câmara Municipal do Porto, que fosse reparado “este chafariz no centro do Largo do mesmo nome”. Tinha uma coluna central com duas taças, de quatro bicas cada, que lançavam a água para um tanque com formas curvilíneas. Foi desmantelado em 1845 quando a Câmara procedeu a um arranjo urbanístico do largo para lhe atribuir maior fluência viária, tendo sido substituído pela Fonte de São Domingos. Recebeu água do Laranjal e, mais tarde, dos mananciais de Paranhos e Salgueiros. Em 1853, aquele chafariz foi reconstruído na Praça da Trindade, onde se encontra atualmente. A Fonte de São Domingos, uma das mais caras da cidade, foi construída, em 1846/50, incrustada no edifício onde, em 1829, abrira a Papelaria Araújo & Sobrinho, hoje transformada em hotel e restaurante. Horácio Marçal, 1968, descreve a fonte como tendo duas bicas com a forma de golfinhos cobertos por uma concha de Santiago, e com um medalhão em granito com as armas da cidade, medalhão esse que se encontra nos jardins das Águas do Porto. A fonte começou, em 1848, a lançar água com origem nos mananciais de Paranhos e Salgueiros. A fonte foi desmantelada em 1922 para expansão e abertura de uma montra da papelaria. De acordo com a caracterização feita por Ferreira da Silva, em 1887, apresentada por Fontes, 1908, a água desta fonte apresentava elevada concentração de cloretos e de matéria orgânica e uma quantidade apreciável de nitratos, resultando esses valores da má qualidade da água de Salgueiros. Em 1905, Manoel Pinto, chefe do Laboratório Nobre da Escola Médico-Cirúrgica, demonstrou que a qualidade da água daquela fonte se tinha deteriorado, sendo bastante mais salina do que o era em 1887, e a concentração de nitratos atingia o valor de 430 mg/L NO3, 8,6 vezes mais do que o limite atual para a água destinada a consumo humano. Bacteriologicamente, a água também se apresentava bastante inquinada.

A fonte de São Domingos em 1908. Fonte: Adriano Fontes, 1908

O Medalhão da Fonte de S. Domingos, no seu estado atual, no jardim das Águas do Porto



A Fonte do Mercado Ferreira Borges, também conhecida como do Mercado do Azeite, posto em funcionamento em 1888 e localizada na atual Praça Infante D. Henrique. Era uma lindíssima fonte com duas figuras de mulher em “tamanho natural sobraçando dois canjirões tombados, por onde a água jorrava para um tanque” (Marçal, 1968). O elemento decorativo daquela fonte encontra-se no Palácio de Cristal, tendo-se construído uma subestação elétrica no local que ela ocupava. A água que brotava dos seus canjirões tinha origem nos mananciais de Paranhos e Salgueiros, chegando à fonte num cano de chumbo (Fontes, 1908). Adriano Fontes lamentava o desrespeito que a Câmara teve com aquela fonte “construindo latrinas publicas com entrada pelo alpendre que a cobre, o que legitima até certo ponto, dadas as péssimas condições de asseio das latrinas, que alguns indivíduos descarreguem o intestino no solo do alpendre”. A caracterização química da água feita, em 1905, por Manoel Pinto, mostrava que ela era equivalente à de todas as fontes servidas pela Arca do Anjo, ou seja, de muito má qualidade e imprópria para consumo humano. A caracterização microbiológica feita no mesmo laboratório reforçava a má classificação que a água tinha.

A Fonte que esteve no Mercado Ferreira Borges e agora se encontra nos Jardins do Palácio de Cristal

A Fonte que esteve no Mercado Ferreira Borges e agora se encontra nos Jardins do Palácio de Cristal

A Fonte de S. João Novo localizava-se na Rua de S. João Novo encostada ao muro da cerca do antigo mosteiro dos frades Gracianos (Silva, 2000) [21]. Em 1660, foi paga a água que vinha da nascente existente na Quinta das Virtudes (Manancial da Virtudes) que a abastecia, bem como a Fonte das Virtudes. O terreno por onde passava o seu aqueduto foi pago em 1617. Em 1824, foi feito um projeto para a sua reforma, o que aconteceu porque Bahia Júnior, 1909, descreve a fonte como tendo “duas bicas colocadas uma em frente da outra e que se lançam em um grande tanque metido dentro do alinhamento das casas”, conforme se vê em Silva, 2000:31. Das vertentes da fonte era desviado meio anel de água para o mosteiro. Acrescenta Bahia Júnior que, junto à fonte, “lá se encontra o quasi inseparável companheiro, — o mictório”. Sobre a qualidade da água desta fonte, que era a mesma da fonte das Virtudes que se abordará adiante, Bahia Júnior, 1909, cita Souza Reis, que escreveu: "Todavia esta água da Fonte das Virtudes não é boa para os usos domésticos, pois em 3 de junho de 1859, Manoel Nepomoceno, Preparador do Laboratório Chimico da Academia Polytechnica, procedendo a um exame da mesma água, achou-lhe saes pertencentes aos sulfatos e cloretos, e ás espécies de cal e magnésia — julgados sulfato de magnesia e chloreto de cálcio, — e por isso capitula a dita água até certo ponto potável por ser pequena a quantidade de saes, mas considera-a má, para os usos da vida”. Era assim que, naquela data, se classificava a água, recordando-se que a microbiologia ainda era assunto desconhecido à data.

A Quinta das Virtudes nos nossos dias



LOCALIZAÇÃO DAS FONTES E CHAFARIZES INTRAMUROS EXISTENTES ATUALMENTE


Legenda: 1 – Fonte da Rua Mouzinho da Silveira; 2 – Fontenário da Rua do Souto; 3 – Chafariz do Anjo de S. Miguel; 4 – Chafariz de S. Sebastião ou da Rua Escura; 5 – Chafariz da Rua Cham ou Chã; 6 – Fonte de S. João ou da Praça da Ribeira; 7 – Fonte do Cubo; 8 – Chafariz da Rua das Taipas; 9 – Fonte da Cadeia ou do Olival.

O Chafariz do Anjo São Miguel foi construída no Largo da Sé unido à fachada Norte da Catedral, em 1737, segundo o risco de Nicolau Nazoni. Atualmente encontra-se na Calçada de Vandoma, quem sobe, do lado direito. Admite-se que terá substituído outro que existia na Porta de Nossa Senhora de Vandoma (Santos et al., 2015:160). É constituído por uma taça circular tendo por trás um espaldar côncavo, e no centro um pequeno frontão com um baixo relevo representando S. Miguel com a espada matando o demónio. Deste frontão parte uma coluna que sustenta uma outra imagem de S. Miguel. Na segunda metade do século XIX foi mudado para a Calçada de Pitões. Foi alimentada com água do Manancial do Campo Grande; contudo, foi aquela água substituída pela da “companhia” e, em 1909, a fonte estava “definitivamente fechada ao público” [22]. O Chafariz do Anjo S. Miguel está considerado como imóvel de Interesse Público, por Decreto de 19 de Novembro de 1926.

Chafariz do Anjo São Miguel

Pormenor do Chafariz do Anjo São Miguel

Pormenor do Chafariz do Anjo São Miguel

O Chafariz de São Sebastião, atualmente designado por Rua Escura e, no passado, como dos Pelicanos, esteve localizado, até 1940, na Rua de São Sebastião, antiga Rua da Sapataria, muito perto da Rua Escura e ao lado da Capela do Senhor dos Passos. Mudou, naquela data, para o Largo Dr. Pedro Vitorino, a poucos metros da Sé. Estava muito próxima dos antigos Paços do Concelho ou Casa dos Vinte e Quatro, fronteira ao Cárcere dos Clérigos [23]. Terá sido construído, provavelmente, em 1626-27. Foi abastecida pelo manancial de Mijavelhas ou Campo Grande. As análises microbiológicas realizadas no Laboratório de Microbiologia do Porto, entre 1902 e 1907, e compiladas por Bahia Júnior, 1909, mostram que a água estava contaminada bacteriologicamente, sendo considerada como má. O chafariz é composto por um tanque e um pano de fundo “coberto de floreadas ornamentações abertas em pedra” [24] em que sobressai um pelicano ladeado por duas figuras femininas. O conjunto é encimado pelas armas reais portuguesas. A água depois de cair numa taça, a meio da fonte, sustentada por duas figuras humanas, divide-se para as duas bicas que a lançam no tanque que apresenta duas concavidades nas suas faces laterais. Esta fonte foi classificada, por Decreto de 22 de Março de 1938, como imóvel de interesse público.

A Fonte de S. Sebastião em 1909 (Bahia Júnior, 1909)

A Fonte de S. Sebastião nos nossos dias

Pormenor da Fonte de S. Sebastião nos nossos dias

A Fonte da Rua Mouzinho da Silveira, apelidada por Bahia Júnior [25], 1909, como Fonte d’Água, ao contrário de Adriano Fontes que lhe atribuía o nome pela qual hoje a conhecemos, foi construída durante a abertura da Rua de Mouzinho da Silveira. A água das duas bicas cai num grande tanque, e o conjunto é envolvido por um alpendre abobadado em pedra, sobre o qual se encontra uma grande varanda acessível pela Rua dos Pelames. Em 1924-25 foi ocultada para construção de dois estabelecimentos comerciais, e substituída por um fontenário à entrada da Rua do Souto igual ao que se encontra no Largo Artur Arcos, conhecido como de Hulsenbos, indicado por A. Fontes como da Rua Nova da Alfândega. Porém, em 1966, foi reconstruída tal como estava e aberta ao público.

Fontenário da Rua do Souto

O Fontenário da Rua do Souto, com duas pias, a da frente para dessedentar os animais, e a outra para servir o Homem. Repare-se na vegetação que se desenvolve na parede e nas escorrências de água do subsolo. São dois sinais da forte contaminação dessa água, que não é a da fonte.

Em 1909, as bicas da Fonte Mouzinho da Silveira eram abastecidas a partir de diferentes origens: a do lado direito de quem olha para a fonte, era abastecida com água dos mananciais de Paranhos e Salgueiros; a do lado esquerdo, com água da Arca das Hortas, canalizada desde a rua do Almada em tubagem de grés, chumbo e a parte final em ferro galvanizado. Bahia Júnior visitou aquela arca, situada nas traseiras do prédio n.º 61 da rua do Almada (em 1737, n.º 36 da Rua das Hortas, segundo A. Fontes, 1908), tendo encontrado um gato em decomposição flutuando na água. Para verificar o efeito daquele achado na qualidade da água, foram recolhidas amostras de água das aberturas (nascentes) que abasteciam a arca, no início da mina condutora e na bica do lado nascente da fonte. Verificou que a água das duas nascentes era bacteriologicamente muito pura, enquanto as outras amostras apresentavam péssima qualidade. Adriano Fontes, 1908, apresenta os resultados da análise química realizada por Manoel Pinto, em 1905, a uma amostra de água recolhida na 1ª bica da Fonte de Mouzinho da Silveira (água de Paranhos/Salgueiros), na qual se reconhece que a água era relativamente dura (159 mg/L CaCO3), continha pequena quantidade de substâncias oxidáveis, tinha quase o dobro dos sais dissolvidos que tem a água hoje servida à cidade do Porto, era rica em cloretos, sulfatos e nitratos. Os resultados mostravam que a água estava fortemente contaminada e, à luz dos nossos padrões, seria considerada imprópria para consumo humano. Microbiologicamente a água apresentou-se como má. Resumindo, as duas bicas forneciam água imprópria para consumo.

Fonte da rua do Mouzinho da Silveira, em 1909 (Bahia Júnior, 1909); a foto tinha a seguinte legenda: “a bica alimentada pela mistura da água de Paranhos com a de Salgueiros está marcada com as letras P S; a outra é a bica abastecida pela Arca das Hortas. Do lado de M há um mictório publico; do lado de U encarrega-se o publico de fazer “urinatório” e latrina”.

A Fonte da rua do Mouzinho da Silveira na actualidade

A Fonte de S. João ou da Praça da Ribeira, que se encontra no lado norte desta praça, encostada ao prédio que existe entre a Rua de S. João e a rua dos Mercadores, substituiu o chafariz seiscentista que se encontrava no meio da praça, e foi construída entre 1784 e 1786, durante as obras de remodelação da praça. Tem no frontal o escudo das armas portuguesas e sob este um nicho, onde devia estar, provavelmente, uma referência ao santos padroeiro da cidade, S. Pantaleão, apenas foi preenchido com a imagem de S. João, esculpida por João Cutileiro, em 2000. Entretanto, foi restaurada em 1940. De início, era alimentada pelo manancial de Malmeajudas e, ultimamente, pelo de Paranhos e Salgueiros.

A Fonte de S. João na Praça da Ribeira

A Fonte do Cubo, instalada em 1983, foi projetada pelo escultor José Rodrigues a partir do tanque do primitivo Chafariz da Praça da Ribeira, descoberto quando do último arranjo e pavimentação da Praça da Ribeira. O cubo de 600 kg, em bronze, está assente por um dos seus vértices num pilar colocado no centro do tanque. Os jatos de água dissimulam o pilar dando a entender que são eles que suportam o cubo. As faces superiores têm algumas pombas esculpidas. A fonte tem recirculação de água por meio de bomba para a produção dos jatos. 
  
A Fonte do Cubo, na Praça da Ribeira

O Chafariz da Rua das Taipas foi construída a cargo dos moradores da rua ou largo das Taipas, em 1772, tendo substituído o Chafariz do Postigo das Virtudes que fora construído em 1707 (Teixeira, 2011). Está situada num nicho entre dois prédios, com uma bica, no centro de um medalhão oval, que verte a sua água para um tanque. Tem, nas suas costas, uns tanque que distribuem as vertentes do chafariz por diversos moradores. O Chafariz do Postigo das Virtudes era mais sumptuoso, e a sua água caía de quatro bicas numa taça, da qual caía através de duas bicas em duas taças. Tanto a atual fonte como o substituído chafariz recebiam a água do manancial de Paranhos, e, a partir de 1838, do de Salgueiros, vinda da Arca no Anjo [26] através de tubagem em chumbo entrecortada por caixas de distribuição (pias) mal protegidas, facilitando a conspurcação da água (Fontes, 1908). De acordo com as análises químicas efetuadas por Ferreira da Silva entre março e setembro de 1887, e reproduzidas por Adriano Fontes, a água que alimentada a Fonte das Taipas era quimicamente muito semelhante à da Arca do Anjo e de todas as fontes e chafarizes servidos a partir dela. Embora o teor de sais dissolvidos dessa água fosse ligeiramente superior ao da água atualmente distribuída pelas Águas do Porto, ela apresentava mais matéria orgânica, mais cloretos e mais nitratos, sinais da sua inquinação. Esta inquinação não era, em 1908, muito segura. Os resultados analíticos obtidos, em 1905, no Laboratório Nobre da Escola Médico Cirúrgica do Porto, citados pelo mesmo autor, mostraram ou um notável agravamento da inquinação da água ou uma notável redução do caudal da água de Paranhos. O aumento da concentração de nitratos sugere claramente que a causa prende-se com inquinação da água no seu trajeto a partir da Arca do Anjo, sobretudo nas pias mal protegidas. Adriano Fontes apresenta os resultados dos exames bacteriológicos realizados, entre 1809 e 1907, por Ricardo Jorge, Souza Júnior e Manoel Pinto, à água de fontes abastecidas com água daquela arca, não inclui a das Taipas, que mostram sinais preocupantes, embora o autor tenha admitido não ser possível, com os dados disponíveis, tirar conclusões. Nos exames realizados, em 1907/8 por Souza Júnior e pelo próprio Adriano Fontes, os resultados são inequívocos: a água desta fonte e de todas as outras servidas a partir daquela arca  deve ser considerada de má qualidade e imprópria para consumo.

A Arca do Anjo que esteve junto ao Mercado do Anjo, onde hoje é
a Praça dos Clérigos


Pormenor da Arca do Anjo

O Chafariz do Olival, que existiu no centro da Praça do Olival, foi construído por ordem do Rei D. Filipe II, em 1606, inicialmente na então Rua da Lage, parte superior da Rua dos Caldeireiros. Tinha quatro bicas e era considerado como uma obra de grande valor artístico (Marçal, 1968). Era o mais elevado da cidade e, pelas suas bicas, saía água do Manancial de Paranhos. Deste chafariz a água era distribuída para os presos da extinta Cadeia da Relação, para o hospício dos religiosos de Santo António de Vale de Piedade, na Cordoaria Nova, para os religiosos do Mosteiro de São Bento, e para o Hospital Geral. Durante a construção da nova Cadeia da Relação, entre 1765 e 1796, foi instalada na Praça do Olival a Fonte da Porta do Olival, também conhecida como Fonte da Cadeia, após desmantelamento daquele chafariz, cujas pedras foram usadas no tanque da Praça de Santa Teresa. Atualmente está na fachada norte daquela cadeia, em frente da Torre dos Clérigos, tendo adquirido definitivamente o nome de Fonte da Cadeia, embora tenha sido também apelidada de Fonte de Neptuno. Foi restaurada em 1940. É uma humilde fonte, com dois golfinhos onde se inserem as bicas. No centro está esculpido o medalhão com a imagem de Neptuno. O Chafariz do Olival era alimentado com água do Manancial de Paranhos. A Fonte da Cadeia recebeu, nos primeiros quarenta e quatro anos, água daquele manancial. Após 1838, recebeu a mistura da água dos mananciais de Paranhos e Salgueiros, cuja qualidade é idêntica à das Fontes do Mercado Ferreira Borges e da Rua das Taipas.

Velasques, 2011, refere o Chafariz da Rua Chã, datado de 1636, com quarto bicas abastecida pela água do manancial do Campo Grande, e recorre à informação deixada pelo beneditino Novais que a caracteriza como antiga e perfeitíssima. No ano de 1778, foi consertado o chafariz [27], mas, em 1784, mudou de sítio como consequência do endireitamento da Rua do Loureiro. A verdade é que ele foi apeado em 1853 e substituído pela Fonte da Rua Cham, no antigo Largo do Paço da Marquesa, onde hoje se encontram as ruas Chã, de Cimo de Vila e do Cativo. Esta apenas tem duas bicas [28], uma reservada ao publico e a outra aos aguadeiros. As suas vertentes seguiam para o Convento das Freiras de S. Bento, enquanto este existiu. Este Fonte teve a seu lado, até há poucos anos, um mictório público. Como o anterior chafariz, a fonte recebia a água do manancial do Campo Grande ou Mijavelhas.


A Fonte da Rua Cham







[1] Rebello da Costa, Agostinho, 1788, Descripçaõ topografica, e histórica da cidade do Porto, Oficina de António Alvarez Ribeiro, Porto.
[2] D’Andrade Júnior, A.1895. Breves apontamentos sobre águas de poços do Porto. Dissertação Inaugural apresentada à Escola Médico-Cirúrgica do Porto.
[3] Afonso, M., 2002, O Porto segundo o Livro de Vereações de 1559, Dissertação de Mestrado do Curso Integrado de Estudos Pós- Graduados em História Medieval e Renascimento da Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
[4] Vasconcelos, E., 2001, Vereações na Câmara do Porto no anos de 1548. Dissertação de Mestrado em História Medieval apresentada à Universidade do Porto.
[5] Santos, A., Pacheco, L., Girão, M. e Clare, R., 2015, As nossas memórias – As fontes do Porto, Volume I, Edições Afrontamento e Clube Unesco da Cidade do Porto, Porto.
[6] Amorim I., Osswald, M. H., 1982, A água do convento de S. Francisco do Porto: organização, conflitos e decisões régias. Separata do Boletim do Arquivo Distrital do Porto, Volume I, Porto
[7] Velasques, 2001, Germano Silva, 2000, Santos et al., 2015.
[8] Tavares de Pinho, I., 2000, O Mosteiro de São Bento de Avé Maria do Porto, 1518/1899 – Uma arquitetura no século XVIII, Volume I, Dissertação de Mestrado em História de Arte em Portugal apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
[9] Velasques, G. P., 2001, Memórias d’Água – fontes, fontanários e chafarizes, Contemporânea Editora, Lda., Matosinhos
[10] Marçal, H.,1968, O abastecimento de água à cidade do Porto e Matosinhos, Câmara Municipal do Porto.
[12]Vereaçoens – anos de 1390 - 1395”. Documentos e Memórias para a História do Porto –  Gabinete de História da Cidade. Câmara Municipal do Porto. 1980. Pág. 156
[13]Vereaçoens – anos de 1401-1449”. Documentos e Memórias para a História do Porto – XL Gabinete de História da Cidade. Câmara Municipal do Porto. 1980
[14] Pereira, D. E. P. 2011. O abastecimento de água na Cidade do Porto nos séculos XVII e XVIII. Dissertação de Mestrado em História da Arte Portuguesa. Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
[15] Gomes Leite, J. E., 1836, Discripçaõ histórica das arcas, fontes e aquedutos da cidade do Porto, Manuscrito do Arquivo Municipal do Porto, descarregado de goo.gl/YRxqeA em 13/9/16.
[16] Teixeira, D. E. P., 2011, O abastecimento de água na cidade do Porto nos séculos XVII e XVII. Aquedutos, Fontes e chafarizes. Dissertação de Mestrado em História de Arte Portuguesa apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
[17] Atualizámos a ortografia do texto transcrito.
[18]Vereaçoens – anos de 1401-1449”. Documentos e Memórias para a História do Porto – XL Gabinete de História da Cidade. Câmara Municipal do Porto. 1980. Pág. 285, 407 e 408.
[19] Germano Silva, Jornal de Notícias de 15/5/2016, também publicado no seu blog Cadernos da Libânia.
[20]Vereaçoens – anos de 1401-1449”. Documentos e Memórias para a História do Porto – XL, Gabinete de História da Cidade. Câmara Municipal do Porto. 1980
[21] Silva, G., 2000, Fontes e chafarizes do Porto, Serviços Municipalizados de Águas e Saneamento, Porto
[22] Bahia Júnior, 1909.
[23] H. Marçal, 1968
[24] J. Bahia Júnior, 1909
[25] Bahia Junior, J. 1909. Contribuição para a hygiene do Porto. Analyse sanitária do seu abastecimento em água potável. II – Mananciais do Campo Grande, Bispo e Freiras, Cavaca, Camões, Virtudes, Fontainhas, Praça do Marquez de Pombal e Burgal; fontes suas derivadas e fontes de nascente privativa. Dissertação Inaugural apresentada à Escola Medico - Cirúrgica do Porto.
[26] Esta Arca foi construída no extinto Mercado do Anjo, aberto ao público em 1838 no local onde hoje se encontra a Praça dos Clérigos. Recebia a água dos mananciais de Paranhos e Salgueiros, distribuindo-a pelas freguesias de Vitória, Miragaia, S. Nicolau e Sé. Foi demolida em 1949 e reconstruída nos jardins da Águas do Porto, EEM.
[27] Ferreira Alves, Joaquim Jaime B. 1988. O Porto na época dos Almadas – Arquitetura, obras públicas. (Volumes I e II) Dissertação de doutoramento em História de Arte apresentada à Faculdade de Letras do Porto. (período 1757-1804)
[28] Em 21 de Dezembro de 1821, foi determinado que fontes públicas com duas bicas, uma delas fosse destinada aos aguadeiros, para o que se afixariam dizeres indicativos. Era, por consequência, nas fontes ou chafarizes que se juntavam os aguadeiros (galegos), os quais, em típicos canecos sobre o comprido e mediante uma mensalidade convencionada, levavam a água, às suas clientes. Para transporte da água usavam os galegos um retalho de couro preso ao ombro esquerdo, sobre o qual assentava o caneco, para evitar, assim, o encharcamento da roupa.

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