segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Parte XVI


Ramalde

A origem do povoado de Rianhaldy terá ocorrido com a chegada dos monges de São Bento entre 920 e 944. Este território foi mencionado, pela primeira vez, em 1222 na doação da rainha D. Mafalda, filha do rei D. Sancho I, ao mosteiro de Arouca. Durante o reinado de D. Sancho II (1223 – 1248), o Capelo, o território chamava-se Ramunhaldy e era constituído por cinco lugares: Francos, Requezendi, Ramhualdi Jusão e Ramhualdi Susão (Ramalde do Meio). Com o nome de Ramalde, foi mencionada nas inquirições de D. Afonso III, em 1258[1]. Admite-se que território de Ramalde terá pertencido, pelo menos até 1706, ao concelho da Maia, vindo a fazer parte, mais tarde, ao de Bouças até ao ano da sua integração, por Decreto-Lei de 1895, como freguesia do Porto.
Durante muitos séculos, a principal atividade de Ramalde era a agricultura. Como outras freguesias periféricas, os produtos agrícolas produzidos eram encaminhados para o centro do Porto que acumulava a maior parte da população da cidade e onde viviam os mais abastados. Atualmente, é um misto de zona rural e urbana, tendo ganho, há poucas décadas, uma zona industrial que tem vindo a ser substituída por serviços. Está ocupada também com importantes áreas de habitação social para a qual recebeu uma grande fatia da população do centro da cidade com poucos recursos. Alguns desses bairros correspondem à verticalização das ilhas do Porto, embora ainda subsistam ilhas “clássicas” nas zonas de Pedro Hispano e João de Deus, Francos, Ramalde do Meio, Requesende, Pedro de Sousa e Pereiro.
A Casa de Ramalde, obra de Nicolau Nazoni, é uma das importantes referências do património de Ramalde. Também é conhecida por Casa da Queimada por ter sido reduzida a cinzas, em 1809, pelas tropas francesas. Pela quinta passa o ribeiro da Granja. Esta casa pertenceu à família dos Leites do Porto, entre os quais João Dias Leite que instituiu o morgadio de Ramalde. Outra quinta que foi considerada das mais importantes do Porto, pertenceu  a D. António de Noronha e Meneses de Mesquita e Melo, fidalgo da Casa Real e cavaleiro da Ordem de Cristo. O projeto da Casa da Quinta da Prelada foi desenhado por Nicolau Nasoni, onde se previa a construção de quatro torres, mas só foi executado um quarto da obra. Mesmo assim, o resultado é magnífico, que sempre impressiona quem a vê. A quinta teve uma alameda com 400 metros da qual faziam parte os obeliscos da entrada que foram transferidos para o jardim do Passeio Alegre, na Foz do Douro. No extremo dessa alameda foi construído o Chafariz do Cágado. Infelizmente, encontram-se em ruínas a Casa e Capela da Quinta do Rio, localizadas junto à Quinta do Moinho e na confluência de dois ribeiros, um vindo do lugar do Seixo e o outro da Arca d’Água e que passa pela quinta da Prelada. A ponte de pedra existente no lugar foi recuperada há poucos anos com a recuperação da ribeira da Granja. Como instituição, destaca-se a presença do Hospital da Prelada da Santa Casa da Misericórdia do Porto.
Nesta freguesia existem mais duas quintas que tiveram a sua importância: a do Viso, que foi de Jerónimo Leite Pereira Pinto e Guedes, a de Ramalde de Baixo, que pertenceu a Florência Leite Pereira de Melo, e a Quinta do Mirante de Ramalde, no lugar de Francos, do holandês Arnaldo João Banzeler (mais tarde este apelido converteu-se em Vanzeler).
A freguesia de Ramalde ocupa a área de 5,8 km2. Em 2011, a população atingiu o valor de 38.012 habitantes, com um crescimento, desde 1991, de 4,7%, contrariando o que acontece na maior parte das freguesias do Porto. O índice de envelhecimento é de 138, bastante inferior ao do concelho e ligeiramente superior ao do pais.

Figura 1 - Mapa da antiga freguesia de Ramalde. Fonte: http://www.jf-ramalde.pt/files/MAPA.pdf, descarregado em 26/1/2019

A freguesia de Ramalde é limitada pela Avenida da Boavista, Avenida do Dr. Antunes Guimarães, Rua do Revilão, Estrada da Circunvalação até ao nó da Via Norte até encontrar a confluência da Rua da Nossa Senhora do Porto com a da Santa Luzia; seguindo por esta rua encontra e segue a Rua do Monte dos Burgos, Rua do Carvalhido, Rua da Prelada e Rua de Pedro Hispano até encontrar a Avenida da Boavista. Em Ramalde, nos seus 5,8 km2, vivem 38.002 pessoas (censo de 2011) com o índice de envelhecimento de 129.
Se considerarmos o valor médio da pluviosidade na cidade do Porto, entre 2000 e 2018, de 1123 mm, aquela que foi a freguesia de Ramalde recolhe, anualmente, cerca de 6.515.00 m3 de água da chuva. Como zona planáltica, uma importante parte dessa água alimenta o subsolo de Ramalde e a restante alimenta um dos mais importantes ribeiros do Porto. Infelizmente, a constante impermeabilização do solo faz com que ela se dirija rapidamente para outras paragens, não enriquecendo os lençóis freáticos. Sendo, até finais do século XX, uma zona rural, as populações serviam-se essencialmente de captações próprias, poços, não se encontram muitas fontes de uso público. J. Bahia Júnior descreve no seu estudo publicado em 1909 apenas três fontes daquela que era então a freguesia de Ramalde, a saber: Ponte de Ramalde do Meio, Andrêzas e Francos, sendo que considerava a primeira como “charco”. As mais belas fontes de Ramalde encontravam-se nas mais importantes quintas das quais restam alumas, constituindo elementos ornamentais dos seus jardins. Descrevê-las-emos em capítulo adiante.
A Fonte da Casa D. Manoel, embora privada, tinha o papel de uso público, favorecendo aqueles que não tinham na sua posse terreno que lhes pudesse dar água e viviam afastados das poucas fontes públicas da freguesia. Segundo Velásquez,1991: 212, terá existido “à entrada desta casa, gaveto da Rua da Prelada com a rua de Pedro Hispano, está uma pedra de espaldar, com uma linha de registos de água, que pertenceu a uma fonte ou arca”. A Fonte das Andrêzas esteve instalada do lugar das Andrêzas, próximo da Igreja de Ramalde. A sua água nascia das gretas do granito para um poço. Deste, a água alimentava, por meio de bomba, uma arca que tinha no seu frontispício a seguinte legenda: C. M. P. – 1899 (J. Bahia Júnior, 1909: 93). A arca alimentava a bica da fonte e os lavadouros municipais que ainda existiam em 1938. A água da Fonte das Andrêzas foi considerada por J. Bahia Júnior como de péssima qualidade microbiológica, com título coli – bacilar de 0,01.

Figura 2 – Fonte das Andrêzas. Fotografia de J. Bahia Júnior, 1909: 93

A Fonte da Ponte de Ramalde do Meio, com nascente própria, situava-se junto da ponte que ligava a Rua de Ramalde do Meio e a do Viso, de costas para o ribeiro que passava debaixo da ponte. Tratava-se de um charco protegido por trincheiras para a defender de outras águas e coberta por lajes de granito (J. Bahia Júnior, 1909: 93). Microbiologicamente, a sua água era classificada como muito má, com o título coli – bacilar de 0,1. (J. Bahia Júnior, 1909: 23).

Figura 3 – Fonte da Ponte de Ramalde. Fotografia de J. Bahia Júnior, 1909: 93

A Fonte de Francos situava-se na Rua Direita de Francos, no começo da Rua das Andrêzas. Ela tinha uma bica, tanque e lavadouros (J. Bahia Júnior, 23). A sua água terá sido considerada como bacteriologicamente imprópria (J. Bahia Júnior, 23), recebendo mesmo a classificação de água de qualidade microbiológica péssima (J. Bahia Júnior, 111). Bahia Júnior registou os resultados das análises microbiológicas realizadas, pelo o Curso Sanitário de 1903 – 1904, em amostras de  água da Fonte Lopes colhidas no seu charco e no lavadouro que levaram a considerá-la foi como má (J. Bahia Júnior, 1909 :23). Situação idêntica ocorreu com outra fonte, a do Alves, que também servia água de má qualidade.

Figura 4 – Percurso da ribeira da Granja coberta por vegetação. Ao fundo, a estrada da Constituição, sob a qual ela passou.

A Ribeira da Granja, também conhecida, hoje e no passado, pelos nomes de Agra, Ramalde, Lordelo, Ouro, Grijó, Penoucos, Ouro, Ratas, Naus, Maiorca, N. ª S.ª da Ajuda ou de Francos[2], é, daquelas que atravessam a cidade do Porto, o curso de água mais extenso, com cerca de 6,5 km, dos quais cerca de 80% estão encanados. A sua bacia hidrográfica ocupa cerca de 25 % da área da cidade do Porto. Nasce no lugar do Seixo, Padrão da Légua, concelho de Matosinhos. Atravessando a Estrada da Circunvalação, entra no Porto no Monte dos Burgos, correndo a céu aberto entre a rua das Cegonhas e o Caminho das Congostas, pelas traseiras da escola EB 2/3 do Viso, entre esta e a rua Artur Brás e a antiga Quinta do Moinho. Em 2011, foi desentubado o troço da Quinta do Rio tendo transformado aquele lugar num espaço de lazer e recreação, infelizmente com muito pouca utilização pela população. Junto à Travessa da Senhora do Porto (antiga Travessa de Requesende), recebe[3], no antigo Lugar do Moinho, um regato, denominada ribeiro de Ramalde, que nasce na Arca d’Água, freguesia de Paranhos, e que passa pelo lugar da Prelada, desta mesma freguesia.


Figura 5 – A ribeira entre as traseiras da Escola E/B 2/3 do Viso e a rua Artur Brás. O espaço que se vê foi recuperado pela C. M. do Porto.

A ribeira, agora mais caudalosa, segue a céu aberto mostrando o seu esplendor num espaço revitalizado pela CMP e com excelentes características para receber aqueles que queiram praticar a marcha e a corrida. Recebe depois, junto da estação do metro em Ramalde, um outro riacho vindo do Viso de Cima, seguindo então em direção ao rio Douro parcialmente encanado. É visível em Bessa Leite, na sua passagem por debaixo da Via de Cintura Interna em direção à rua de Grijó, sendo perfeitamente observável, após ter sido, em 2013, desentubado e reabilitado, por iniciativa privada, ao atravessar a rua de Serralves, junto ao Bairro Pinheiro Torres, onde se pode ver uma bela cascata e as ruínas de um moinho, observando-se aí um dos mais belos trechos da ribeira. Um rápido junto à rua Dr. Nuno Pinheiro Torres e Tv. da Mouteira termina num último encanamento que leva a ribeira, por baixo do separador central da rua Aleixo da Mota[4] até ao Rio Douro, no lugar a que chamam Ponte do Ouro.

Figura 6 – Troço após a ponte de Ramalde do Meio e depois de receber o ribeiro de Paranhos.


Figura 7 – A ribeira aproximando-se da embocadura que a leva encanada desde a estação de metro de Ramalde até Bessa Leite, depois de passar debaixo da Via da Cintura Interna

  
Figura 8 – A ribeira da Granja depois de atravessar a rua de Serralves, vendo-se um açude que alimentava um moinho, hoje em ruínas cobertas por densa vegetação.

Figura 9 – A ribeira emparedada, atravessando o Bairro Pinheiro Torres.

A Ribeira da Granja alojou, no troço entre a atual estação do metropolitano de Ramalde e a sua foz, importantes unidades industriais. A Fábrica de Lanifícios de Lordelo ou Fábrica dos Panos esteve implantada junto à ribeira da Granja, da qual aproveitava a sua água limpa e lhe retirava energia hidráulica. Esta fábrica terá arrancado em 1805 e, em 1832 deixou de funcionar por ter sido ocupada militarmente. A Fábrica da Aluminia, Lda. que se localizou bem junto à ribeira na Rua da Pasteleira, iniciou a sua atividade no princípio do século XX fabricando utensílios de cozinha. Na década de 1950 passou a produzir reservatórios de pressão para gases de petróleo liquefeitos. Em 1980, a empresa passou a chamar-se Comanor (Companhia de Manufacturas do Norte, SA) e encerrou as atividades em 1994. Sobre o destino desta fábrica vale a pena ler o artigo  de Ana Cristina Pereira e Vítor Ferreira Publicado na Pública em 10 de 0utubro de 2010, pp. 32 – 41, com o título “Aqui não dá para ser o que uma pessoa é”. Os problemas sociais descritos nesse artigo subsistem. Outra importante empresa foi Fábrica de Fiação e Tecidos William & John Graham & Co, cuja atividade teve início na última década do século XIX, e encerrou nos anos 1950. Também conhecida como Fábrica dos Ingleses, localizava-se próximo da ribeira no local onde hoje se encontra a Urbanização do Foco. Nesse local existiu no princípio do século XX uma fábrica de curtumes. Seguindo aquele exemplo e a antiga tradição tripeira da curtimenta, foi instalada na Rua de Bessa Leite a Fábrica de Curtumes do Bessa, demolida em 2000. A indústria de seda artificial, com importante consumo de água e fortemente poluidora, também estava representada na área da ribeira da Granja com a Fibra Comercial Lusitana, Lda.  O fabrico de papel também estava presente com a Fábrica de Papel Velho (Sul), na Rua de Serralves, e a Fábrica de Papeis Pintados e Papel Higiénico Veludo, na Avenida da Boavista. Em 1967, a RAR – Refinarias de Açúcar Reunidas – inaugurou as suas novas instalações na margem direita da ribeira, na zona industrial criada pela Câmara Municipal do Porto à Via Rápida.

Figura 10 – Alguém negará a beleza deste troço da Ribeira paralelo à rua Dr. Nuno Pinheiro Torres


Figura 11 – Continuação do rápido visível na fotografia da figura 10.


Figura 12 – Aqui a ribeira se despede dos portuenses, seguindo, encanada, até ao rio Douro.

Em 2001, Paula Reis (2002) verificou que determinou a ribeira da Granja era a linha de água mais poluí do rio Douro ao transportar uma carga orgânica média, com base em amostras recolhidas próximo da sua foz, em 31 ton/dia de carga orgânica, com valores variando entre 14 e 45 ton/dia. A CQO determinada nas seis amostras recolhidas em três meses era equivalente ou superior à normalmente determinada em águas residuais domésticas. Próximo da sua entrada no concelho do Porto o valor correspondente era de 1,4 ton/dia. O encerramento da indústria mais poluente nos últimos anos terá alterado completamente o aspeto da Ribeira da Granja. Infelizmente, não conhecemos qualquer caracterização atual da ribeira, mas os passeios que realizámos ao longo dos troços acessíveis, sugerem-nos que a qualidade da água da ribeira terá recuperado notavelmente. O aproveitamento do belo trecho da ribeira entre a Rua de Serralves e a Travessa da Mouteira deve entrar nos planos da nossa Câmara, não esquecendo a necessidade de nele entrar o aspeto social nas zonas degradadas, como, por exemplo, as ruínas dos moinhos por baixo da ponte da Rua de Grijó e as fábricas abandonadas.



CONTINUA....



[1] Junta de freguesia de Ramalde, História da freguesia de Ramalde, http://www.jf-ramalde.pt/p90-historia-pt consultado em 27/1/18.
[2] Paula Reis, 2002.
[3] Só a partir desta reunião se deve atribuir à ribeira o nome de “Granja”.
[4] Em 16/4/2013, ocorreu um abatimento do pavimento da rua Aleixo Mota junto ao Clube Fluvial Portuense no local de passagem da ribeira da Granja entubada. Sentia-se um forte cheiro a esgoto vindo da cratera aberta.