terça-feira, 28 de novembro de 2017

parte VIII

Furtado de Antas[1], ao descrever os principais talvegues da cidade do Porto no início do século XX, assinala aquele que “tem origem entre o cimo da Rua do Bonjardim e a Rua de São Brás” e desce até à Praça de Almeida Garrett atravessando a Rua do Paraíso entre o Bonjardim e Camões, a Rua João das Regras (antiga Rua Duque do Porto), a Trindade, o antigo Laranjal e as atuais Avenida dos Aliados e Praça da Liberdade. Recebia ainda a água que vinha da encosta sudoeste do Monte de Salgueiros e oeste do Alto da Fontinha.  A área que integra este talvegue é muito rica em água, e aí se formam alguns regatos que formam um dos ramos, o principal curso de água, que, ao juntar-se ao que vinha do Bolhão em frente à Igreja dos Congregados para dar origem ao Rio da Vila. Era aí que se encontrava o manancial de Camões, o terceiro dos “seis mananciais de primeira classe de águas potáveis[2] da cidade do Porto.

O Manancial de Camões, localizado na quinta de Santo António do Bonjardim que pertenceu a Gonçalo Cristóvão, fidalgo do Bonjardim, foi adquirido, em 1829, pela Câmara Municipal do Porto, através da sua Junta das Obras Públicas, para que a sua água pudesse servir a população. Aquela quinta abrangia uma área limitada pela rua de Bonjardim e o Largo da Regeneração, hoje Praça da República. Gonçalo Cristóvão ofereceu à Câmara o terreno que serviu para abrir ruas, com a condição de uma delas ter o seu nome, o que foi aceite em 1838. As Ruas de Camões[3] e de Gonçalo Cristóvão são duas delas. Na sequência da abertura dessas ruas, a Câmara reservou para si um terreno onde instalou o seu Horto Municipal[4] que dava para o Largo de Camões onde, em tem­pos antigos, se fazia a feira dos carneiros, e que desapareceu, em 1938, quando foi construída a estação de caminho-de-ferro da Trindade da linha do Porto à Póvoa de Varzim. Esta estação, que terminou o seu serviço em 2001, foi entregue ao Metro do Porto que a remodelou e a pôs ao serviço do metropolitano em dezembro de 2002.


Figura 1 – Planta do Horto Municipal na Rua de Camões, com o traçado
da linha de caminho de ferro para a Póvoa de Varzim
(Fonte: Arquivo municipal do Porto, descarregado de 24/10/17 

de  https://goo.gl/KW6ZqH)


A água do manancial de Camões servia aquele horto onde, em 1846, foi construído, para a receber, uma arca que apenas durou sete anos. Depois de removida essa arca, a água passou a cair num tanque do Horto, seguindo depois em tubo de grés até uma bica existente na Praça de Camões e, a partir daí, em tubo de chumbo que foi substituído, em 1864, por uma caleira em pedra até à esquina das Ruas de Camões e Almeida Garrett[5]. Desta rua para sul manteve-se o tubo de chumbo. A água do manancial de Camões alimentou a Fonte da Trindade, o chafariz do Largo do Laranjal, a Fonte da Rua Sá da Bandeira, que ficava na esquina desta rua com a de Sampaio Bruno, a fonte do pátio do edifício da Câmara Municipal do Porto situado na Praça Nova, hoje Praça da Liberdade, e a Fonte do Largo de S. Bento das Freiras (Praça de Almeida Garrett). A água daquele manancial também era usada no Hospital da Ordem da Trindade que a recebia diretamente por meio de um tubo de chumbo. No blog “Ruas da minha terra – Porto”[6] faz-se referência à existência, em 1957, nas traseiras de um prédio da Rua Gonçalo Cristóvão “de uma lindíssima fonte com espaldar de pedra artisticamente trabalhada” que terá pertencido ao fidalgo do Bonjardim. Esta fonte foi adquirida, em 1927, pelo Conde da Covilhã. Bourbon e Noronha considerou a água deste manancial “pouco límpida, coberta de uma leve espuma branca e parasitas vegetais”, era ”de gosto desagradável e algumas vezes, principalmente no verão, dotada de cheiro levemente amoniacal”. Vinte e três anos mais tarde, J. Bahia Júnior, 1909, verificou que, sob o ponto de vista bacteriológico e químico, a água deste manancial que brotava nas Fontes da Rua Sá da Bandeira, dos Paços do Concelho e no Chafariz do Laranjal era de péssima qualidade, obrigando a marcá-las com o triângulo negro, sinal de água imprópria para consumo.

Figura 2 – O Horto Municipal e o Palacete das Lousas, onde esteve a
 Escola Comercial Raul Dória, espaço ocupado hoje pelo edifício do 

Jornal de Notícias (Fonte: J. Bahia Júnior, 1909: pp 10)

Figura 3 - Mapa da área que incluía a propriedade de Gonçalo Cristóvão,
realçando-se a Ribeira de Liceiras, um dos ramos do Rio da Vila,
 a Praça do Laranjal e a Igreja da Trindade (C)

Figura 4 – Área de influência do Manancial de Camões, embora 
outras minas e ribeiros tenham contribuído para o abastecimento 
dos seus vizinhos[7] (Fonte: Carta Topográfica do Porto, por 
Augusto Gerardo Telles Ferreira, 1892)

Próximo deste manancial, a norte, existia outra mina com entrada no Horto Municipal que abastecia o Chafariz da Feira dos Carneiros ou Chafariz de Camões, que foi construída, em 1891, no local onde hoje se encontra a confluência da Rua Alferes Malheiro[8] com a Rua de Camões, a sul do sítio onde se realizava a Feira dos Carneiros e onde hoje se encontra a estação de metro da Trindade. Esta fonte mudou-se para o Jardim dos SMAS. A fonte apenas tem uma bica e tem gravada a legenda C. M. P. – 1891. Terá, segundo J. Bahia Júnior, sido anulada quando foi construído um muro de vedação que a incorporou parcialmente. Este autor e a sua equipa inspecionaram a mina que a abastecia, por meio de um tubo de chumbo, e que tinha a entrada no Horto Municipal, um pouco a norte da entrada do manancial de Camões. Como resultado da inspeção, J. Bahia Júnior deduziu que a água teria qualidade duvidosa devido às infiltrações negras e amarelas reconhecidas ao longo da mina.

Figura 5 – O Chafariz da Feira dos Carneiros instalado 
nos jardins dos SMAS

Figura 6 – O Chafariz da Feira dos Carneiros ou de Camões em 1909
(fonte: J. Bahia Júnior: pp 50)

A água que vinha do Manancial de Camões alimentava em primeiro lugar o Chafariz do Largo do Laranjal que foi construído no local onde existiu a Fonte do Olho do Cu, em 1853-54, com parte das pedras que pertenceram ao Chafariz do Largo de São Domingos[9]. Quando da abertura da Avenida dos Aliados, em 1916, foi transferido para os Jardins dos SMAS, tendo aí sido reconstruído em 1943. Atualmente encontra-se no Largo da Trindade Em 1911 foi colocado um fontenário com água da “Companhia”, tornando inútil o chafariz que, em 1916, foi desmontado e reconstruindo nos jardins dos SMAS, sendo posteriormente colocado no Largo da Trindade e adotando o nome deste largo. Este chafariz tem duas taças, a maior na parte inferior que tem à volta do seu rebordo a legenda Dicatum Communi Reip. O Chafariz do Largo da Trindade está classificado como Imóvel de Interesse Público desde 1938 com a designação de Chafariz da Rua de S. Domingos. O mesmo manancial terá abastecido a Fonte da Trindade construída em 1805, entretanto demolida pela autarquia em 1853 (Silva, G, 2014)[10] quando do rebaixamento daquele Largo. As pedras desta fonte foram guardadas no lameiro das Liceiras e daí seguiram para a rua Firmeza para a construção da fonte que recebeu o nome desta rua, depois mudada para a Praça das Flores. A atrás referida Fonte do Olho do Cu é reconhecida num auto de averiguações de 25 de junho e 16 de julho de 1804 por Sousa Reis, citado por J. Bahia Júnior, 1909. Esta fonte rasa localizava-se, aproximadamente, na área onde atualmente se encontra o tanque construído durante a última renovação da Avenida dos Aliados. Era a Fonte do Olho do Cu, assim designada porque ficava a um nível bastante inferior ao da rua e obrigava os utilizadores a curvarem-se excessivamente para usar a sua água, onde havia uma bica que deitava a água para uma pia.

Não muito longe do Chafariz do Largo do Laranjal a Fonte da Neta, que assim se chamava por estar perto da Viela das Netas, na Viela dos Tintureiros, servia uma pequena quantidade de água que nascia no mesmo sítio da Fonte. É muito pouca a informação sobre esta fonte. Segundo Gomes Leite, esta fonte era pouco usada porque a sua colocação era pouco vantajosa.

Figura 7 – Chafariz do Largo do Laranjal
(Fonte: J. Bahia Júnior, 1909: pp 12,)

Figura 8 - Chafariz do Largo da Trindade

Figura 9 - Rebordo do chafariz do Largo da Trindade com a legenda Dicatum Communi Reip
                           
 
Figura 10 – A Fonte de Rua Firmeza, agora instalada na Praça das Flores

A Arca do Laranjal situou-se no Largo do Laranjal e depois Largo da Trindade, junto ao muro da Quinta do Laranjal pelasmuitas laranjeiras que neste campo havia antigamente[11]. Dento da quinta existia uma arca que recebia a água nascida numa mina da Rua do Estevão. Partindo dessa arca, a água, que era de má qualidade, seguia em tubo enterrado até ao exterior da quinta onde existia uma bica associada a uma pia que servia o público. Gomes Leite apelidava, sem justificar, esta fonte de ridícula. Baltazar Guedes informa que desta arca a água seguia para sul encanada, alimentando diversas pias no seu percurso até à Porta dos Carros; a partir daqui “embaraçava-se” com o cano que seguia para o Convento de São Domingos pela Rua dos Canos até se juntar à água do manancial de Paranhos no sítio da Ponte Nova, abastecendo, a mistura das águas, os chafarizes de São Domingos e das Congostas, seguindo a parte sobrante para o rio da Vila. A construção desta arca e sua fonte é anterior a 1669, data em que foi concertada. Em 1854, esta fonte foi anulada devido  Chafariz do Laranjal.

O Chafariz ou Fonte dos Paços do Concelho, também conhecido como do Bico do Pelicano, foi construído antes de 1826 recebendo água que era considerada como má por Gomes Leite e má e muito salobra por J. Bahia Júnior, tendo sido substituída, em 1850, pela água que vinha do manancial de Camões. Com a demolição do edifício da Câmara, o chafariz foi transferido para os jardins do Palácio de Cristal, onde aí se encontra. A água desta fonte era, por vezes, aproveitada para alimentar as cisternas dos bombeiros.

Figura 11 – A Fonte do Pátio dos Paços do
 Concelho (Fonte: J. Bahia Júnior, 1909: pp 12)

Figura 12 - A antiga Fonte do Pátio dos Paços do Concelho 
embelezando os jardins do Palácio de Cristal

A Fonte da Rua de Sá da Bandeira existiu na esquina das ruas do Bonjardim e Sá da Bandeira, encostada ao prédio onde esteve o Café Portuense, área mais tarde ocupada por um moderno prédio onde se instalou o Banco Pinto de Magalhães. A fonte, que foi construída em 1848, era abastecida pela água do manancial de Camões vinda de uma pia que existia junto ao muro do quintal dos Paços de Concelho que alimentava três fontes: a Fonte do Pátio dos Paços do Concelho, a Fonte da Rua de Sá da Bandeira e a Fonte do Largo das Freiras de S. Bento. A fonte tinha duas bicas, uma dedicada a particulares e a outra aos aguadeiros. A fonte foi demolida e substituída, pouco antes de 1948, por uma marquise envidraçada. Em 1909, a água que a abastecia era considerada por Bahia Júnior de má qualidade, merecendo a sua marcação com o triângulo negro

Figura 13 – A Fonte da Rua de Sá da Bandeira
(Fonte: J. Bahia Júnior, 1909: pp 12)

Descendo a rua do Bonjardim a partir da Praça do Marquês de Pombal encontra-se à esquerda, numa reentrância do alinhamento dos edifícios, em frente à Rua do Paraíso a Fonte de Vila Parda que é datada de 1859 e foi restaurada em 1940. Esta fonte substituiu outra, construída antes de 1613, porque a água terá escasseado na mina primitiva devido à construção de algumas casas. A sua instalação remonta ao séc. XVI, sabendo-se que já existia em 1597. Terá sido mudado para a rua do Bonjardim por volta de 1629, tendo adoptado o nome de uma estalagem próxima. J. Bahia Júnior, 1909, escreveu que a antiga fonte era abastecida por nascente própria “situada um pouco acima dela, aonde havia uma arca, ao norte do qual estava ainda outra nascente” que pertenceu aos Religiosos Carmelitas que a cederam quando passaram a receber água do aqueduto de Paranhos. Noronha, 1885, diz que “a água nasce na rua Bella da Princeza em uma mina, indo alimentar a fonte de Villa Parda. No trajecto a água segue a mina e depois por tubos de chumbo no pior estado de conservação, rompendo-se repetidas vezes.” J. Bahia Júnior diz que “a sua nascente, não visitável, junto da travessa de Santa Catharina, de onde vem até á fonte em canalização de chumbo”. Para Balthazar Guedes a água que abastecia a primitiva fonte era de “gentil sabor e leveza” porque nascia numa fraga. J. Bahia Júnior sublinhou que ela tinha “sobre cada uma das bicas o triângulo negro”, marca da sua má qualidade, comprovada pelas análises bacteriológicas apresentadas no estudo de J. Bahia Júnior. Como acontecia em muitas das fontes visitadas por este autor, o lado do seu tanque semicircular os recantos são aproveitados para mictórios”. Atualmente, metida no seu pequeno recanto, a fonte de Vila Parda é, com a sua arquitectura simples, encimada por um bonito jarrão decorado, uma nota de graciosidade nesta rua do Bonjardim.

Figura 14 – A Fonte de Vila Parda

Caminhando a partir da Fonte da Vila Parda para ocidente e passando pelo portão norte do Quartel General entramos na Rua de Cervantes, antiga Travessa de Salgueiros, onde se encontra a Fonte da Lapa, que foi construída inicialmente junto do portão do então Quartel de Santo Ovídio ou de Infantaria 18, na parte norte, no centro do Largo da Senhora da Lapa onde havia um jardim (J. Bahia Júnior, 1909). Esta fonte pode ter sido o chafariz da Rua de Santo Ovídio[12] referida em 1758 e que terá sido considerada para obra de pedreiro em 1597. A Fonte da Lapa recebia a água de uma mina localizada junto da Capela-Mor da Real Capela que antecedeu a Igreja da Lapa. Sendo o sítio pouco decente (Gomes Leite), e como as paredes do acesso à fonte ameaçassem ruína, a fonte foi transferida, em 1818, para o lado poente desse largo, por baixo da Alameda, na atual localização, do lado sul do Hospital da Lapa, continuando a deitar a água com a mesma origem pelas suas duas bicas. Apesar da seca deste ano, 2017, a fonte continua a lançar a água de uma das suas bicas para o tanque. Lamentavelmente, como em grande parte das fontes e chafarizes da cidade, os vândalos não respeitam o património de todos chegando ao ponto de destruir o granito para arrancar um tubo de bronze.

Figura 15 – A Fonte da Lapa em 1909 
(Fonte: J. Bahia Júnior, 1909: pp70)

Figura 16 – A fonte da Lapa em 2017

No Campo da Regeneração, mais tarde Santo Ovídio e, nos nossos dias, Praça da República, existiu um manancial que alimentava alguns poços privados e uma de serventia pública, a Primeira Fonte da Rua Almada, próxima do n.º 60 da Rua do Almada, que debitava três anéis e seis penas de água. Esta fonte foi concluída em 1795 A Segunda Fonte da Rua do Almada, situada na área das Hortas, era abastecida com água que nascia junto da Travessa da Trindade, nove penas de água (Gomes Leite, 1836), enviando as suas vertentes para o tanque do chafariz da Praça de D. Pedro (da Liberdade). Esta fonte encontra-se no Museu Militar no Largo Soares dos Reis. O espaldar desta fonte tem a inscrição 1787, data em que foi comprada a sua água, mas a sua construção apenas foi concluída em 1790. De acordo com os resultados apresentados no estudo de J. Bahia Júnior, a água das duas fontes era, sob o ponto de vista bacteriológico, de muito má qualidade.

Figura 17 – A Primeira Fonte da Rua do Almada, vendo-se o triângulo 
negro por cima da bica (Fonte: J. Bahia Júnior, 1909: pp70)

Figura 18 - A Segunda Fonte da Rua do Almada. Também 
tinha o triângulo negro, embora não seja claramente
 visível na fotografia (Fonte: J. Bahia Júnior, 1909: pp70)

A Fonte da Arca ou da Natividade situava-se perto da muralha fernandina, no Campo das Hortas[13], próximo da Rua das Hortas, hoje Rua do Almada. A frente da fonte estava alinhada com um renque de choupos[14] plantado no século XVI[15]. A construção desta fonte, com desenho do arquiteto Manuel Garcez que dirigia então a obra do Convento de Santo Elói, terá tido início em 1608 e foi reformulada nos anos 1677 – 1682 seguindo um desenho do Padre Pantaleão da Rocha.  Esta fonte recebia água dos ribeiros que corriam pelo campo das Hortas, e, pelo menos, a de um deles era classificada então como muito límpida, leve e com propriedades curativas para algumas doenças. Para Balthazar Guedes, a sua qualidade e frescura era conhecida em toda a cidade. A frontaria da fonte tinha três corpos separados por cornijas, estando a primeira acima do solo da Praça, a segunda assentava sobre o segundo corpo com outra cornija a cerca de três metros, e sobre esta existia uma frontaria semicircular com um nicho de pedra lavrada ladeado por duas colunas de granito. Este nicho abrigava uma imagem de Nossa Senhora da Natividade ali colocada durante a remodelação. Estas colunas assentavam numa sacada com grades de ferro e duas lanternas nos cantos. Como estava a um nível inferior ao solo da praça, o acesso a um largo tanque era feito através de uma escadaria. A água, abundante, era lançada por quatro bicas de bronze inseridas nas bocas de igual número de carrancas em granito, duas das quais se encontram nos jardins do Palácio de Cristal. A parte superior do oratório era rematado pela terceira cornija em forma de curva. Pelas descrições da época, a fonte provocava espanto a que a via pela primeira vez dada a sua espetacularidade e por ser a mais perfeita da cidade, tendo-se ainda convertido num lugar de devoção a Nossa Senhora da Natividade.

Figura 19 - Planta mostrando a convexidade da Praça Nova, lado sul,
desde Santo Elói até à Porta de Carros (Fonte: Arquivo Municipal
do Porto, descarregado em 19/11/17 de 
https://goo.gl/Vp8GFq)

O aumento de tráfego de viaturas, animais e pessoas levou a alterações da área urbana, uma das quais foi a demolição da Porta dos Carros em 1827, à qual se seguiu a da Fonte da Arca em 1833, neste caso por ordem direta de D. Pedro IV para permitir o alargamento da Praça Nova. O brasão da cidade e as grinaldas foram embelezar o edifício onde funcionava a Câmara e encontram-se hoje no roseiral do Palácio de Cristal. Três das carrancas da fonte foram levadas para a Praça de D. Teresa. Desconhece-se o destino da quarta. No período entre 1794 e 1797 foi construído, por decisão da Junta das Obras Públicas, um novo tanque com espaldar com cinco bocais em cinco panos separados por pilastras. Quatro do pano tinham ao centro florões que ornavam os bocais. O pano central tinha uma carranca. O tanque ocupava o espaço hoje ocupado pelo Banco de Portugal, com a sua fachada virada para oeste. Recebendo a água do Campo do Meloal, foi apelidado de Chafariz da Praça de D. Pedro. Para além das serventias naturais, o tanque funcionava como reserva para combate a incêndios.

Figura 20 – O Tanque da Praça Nova segundo o desenho de 
Joaquim Vitória Vilanova (fonte: Santos Silva, 2006)

Com a abertura da Avenida dos Aliados foi inaugurada a fonte popularmente chamada como Fonte da Menina Nua, embora tenha sido intitulada pelo seu autor, o escultor Henrique Moreira, como Fonte da Juventude. Inaugurada no dia 1 de dezembro de 1929, foi considerada uma obra simples, bela e elegante, embora a sua nudez não tenha sido muito bem aceite pelos falsos moralistas. Trata-se de uma fonte prismática com quatro carrancas nas suas faces que representam as quatro estações. A menina, na realidade uma mulher[16], está sentada no topo do prisma com os pés apoiados na carranca virada para sul.

Figura 21 - Fonte da Menina Nua na Avenida dos Aliados

Figura 22 – Pormenores da Fonte da Menina Nua na Avenida dos Aliados








[1] Furtado de Antas, A., C., (1902), Insalubridade do Porto, Dissertação Inaugural apresentada à Escola Médico-Cirúrgica do Porto.
[2] Souza Reys, H., D., (1984), Manuscritos Inéditos da Biblioteca Municipal do Porto, II Série – 3.
[3] A abertura desta rua obrigou a cobrir o rio de Liceiras que, antes da cobertura, servia de lavadouro para as mulheres da vizinhança.
[4] Bourbon e Noronha, 1885.
[5] A Rua Almeida Garrett mudou mais tarde o seu nome Liceiras e depois para Alferes Malheiro.
[6] Notas recolhidas por Jorge Rodrigues, https://goo.gl/o4eq49, consultado em 23/7/2016.

[7] A área da figura 2 abrange, de norte para sul, a Largo da Lapa, o Campo da Regeneração (atual Praça da República), as Ruas do Duque do Porto (João das Regras), de Gonçalves Cristóvão, das Liceiras (Alferes Malheiro), Praça da Trindade, Fernandes Tomás, Passos de Manuel, da Cancela Velha e a Praça de D. Pedro. De oeste para este destacam-se a Rua dos Mártires da Liberdade, Rua do Laranjal, em parte ocupada pela Avenida dos Aliados, a Rua do Bonjardim e a Rua de Sá da Bandeira que, então, terminava na Rua Formosa.
[8] Esta rua chamou-se Travessa da Doida e depois Rua de Liceiras.
[9] REIS, Henrique Duarte e Sousa – Apontamentos para a verdadeira história antiga e moderna da Cidade do Porto. Volume I. Porto: Biblioteca Pública Municipal do Porto, 1984. p. 184.
[10] Silva, Germano, (2014). Fontes e chafarizes, https://goo.gl/z8RJs1, consultado em 25/2/2017.
[11] Balthazar Guedes, segundo documento da A.H.M.P-PUB/05969 (1), fls. 1-9. de 25 de junho de 1806 transcrito por Teixeira, 2011.
[12] Terá sido a atual rua dos Mártires da Liberdade. Também terá recebido os nomes de 16 de maio e da Sovela.
[13] Este campo chamava-se, no século XV, Casal de Novais, tendo passado a ser conhecida, depois da remodelação da fonte, por Largo da Natividade. A praça, aberta no princípio do século XVIII, denominou-se sucessivamente: Praça Nova das Hortas (1711), Praça da Constituição (1820), Praça Nova (1823), Praça D. Pedro V (1833), Praça da República (13 de Outubro de 1910) e Praça da Liberdade (27 de Outubro de 1910). Muitos conhecem-na pela indicação que constava nos carros elétricos de outrora que se destinavam à “Praça”.
[14] Segundo Balthazar Guedes, os choupos ou olmos não eram bons vizinhos da fonte porque criavam “raposos” (charutos de raízes) nos canos impedindo a passagem da água.
[15] Santos Silva, R., 2006. Praça da Liberdade: 1700-1932. Uma história de Arquitectura e Urbanismo no Porto. Volume 1. Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
[16] Aurélia Magalhães Monteiro, falecida em 1992 com 88 anos, serviu de modelo a conhecidos escultores.

sexta-feira, 1 de setembro de 2017

parte VII



Acompanhando a hidrografia da cidade do porto, passámos pelos talvegues onde a cidade do Porto teve origem: aquele que ocupa uma área entre as faldas ocidente dos montes das Antas e do Alto do Bonfim e a oriente do monte dos Congregados e o talvegue onde corre o rio Frio. Associado a este rio encontramos o manancial das Virtudes constituído por um conjunto de minas que alimentam diversas fontes, entre as quais as do Horto das Virtudes, das Virtudes, de S. João Novo e a do Convento dos Religiosos de Santo Agostinho. Diz Baltasar Guedes, citado por Teixeira, 2011, que uma fonte ali existente em que a água nascia em rocha viva era miraculosa e tinha virtude. Por isso, lhe tomou o nome. Naquele tempo podiam existir inúmeras nascentes de água porque hoje, apesar da impermeabilização do solo que ocorreu em toda a bacia e o encanamento da água da chuva levando-a diretamente para o rio Douro, ainda se podem observar nas encostas das Virtudes algumas nascentes e que o rio Frio leva um bom caudal de água mesmo nos verões dos anos secos como o de este ano de 2017.

Figura 1 - O Vale do Rio Frio e o Horto das Virtudes.

 
 Se a partir do rio Frio, seguindo o curso histórico da expansão da cidade, caminharmos para oriente, o primeiro curso de água que encontramos é a Ribeira de Vilar para a qual ainda é possível imaginar um parque ecológico que preserve, perto do centro da cidade, uma linha de água a céu aberto. Na sua margem esquerda estende-se, até ao Seminário do Vilar, uma encosta em socalcos, rica em água, onde resistem algumas hortas. A margem direita, com a sua Rua dos Moinhos, luta desesperadamente contra os grandes edifícios com frente para a Rua D. Pedro V. O que não é razoável é manter a ribeira no estado em que está, apenas visível em poucos metros porque o matagal a oculta quase completamente. É um pequeno desafio para a Câmara Municipal do Porto. A invasão do mau progresso na Rua D. Pedro V, já muito próximo das suas margens, faz-nos recear pelo seu futuro.

Figura 2 - O Vale da Ribeira de Massarelos.

          
A ribeira de Vilar ou Massarelos, ou Rio de Miragaia corre, no seu percurso a céu aberto, paralelamente à Rua de D. Pedro V no vale que tomou o nome do próprio ribeiro. Neste percurso, o ribeiro fez mover, no passado, moinhos de que é memória a rua que o acompanha. Segundo Furtado de Antas, 1902, “nos terrenos entre as ruas de Santa Isabel, Boavista, Carvalhosa[1] e Torrinha, existia uma bacia” onde se reuniam as águas escorridas pelas vertentes dos montes circundantes. Um deles, com origem no Campo da Regeneração ou de Santo Ovídio, atual Praça da República, seguia paralelamente, pelo lado Norte, a rua dos Bragas e da Torrinha, sendo cortado pelas ruas Cedofeita e Aníbal Cunha. Outra linha de água vinha dos monte Pedral e do Monte Cativo, seguindo entre aquele monte e a rua de Antero de Quental, antiga rua da Rainha, que era atravessada pelas ruas da Constituição e da Boavista, e seguia para a travessa do Priorado. Uma terceira linha (Horácio Marçal, 1968) iniciava-se nos terrenos da avenida de França, passando pelos terrenos da Praça Mouzinho de Albuquerque. O encontro dos três riachos dava origem a uma zona pantanosa, um lameiro, entre a Praça Pedro Nunes e o Largo Sá Pinto. O ribeiro seguia, então, aproximadamente, na direção da rua da Piedade e, depois, paralelamente e à esquerda da rua de D. Pedro V, desaguando no rio Douro na Alameda de Basílio Teles. No seu troço final uma parte da água do ribeiro é encaminhada para o coletor municipal de Massarelos que desce pela rua D. Pedro V. O ribeiro tem, ou teve, uma extensão de, aproximadamente, 3,94 km, uma grande parte (97,6%) encanada.
Em 2001, Paula Reis (2002), qualificou a água do ribeiro de Massarelos num ponto de amostragem próximo da sua foz, verificando que ele transportava, em média, cerca de
2,4 ton/dia de carga orgânica (com valores pontuais variando entre 1,1 e 3,4 ton/dia). A CQO da água deste ribeiro era igual ou superior aos valores normalmente encontrados em águas residuais domésticas. A instalação de um moinho tradicional permitiria recuperar parcialmente a qualidade deste ribeiro.

Figura 3 – Trecho curto e sujo da ribeira de Vilar

Os vales do rio Frio e da ribeira de Vilar são ricos em pequenas nascentes com origem em mananciais que reservam grandes quantidades de água, muito menos hoje do que no passado. Esta água alimentava fontes e chafarizes dos quais ainda resistem alguns. Mais não foram porque o rio Frio serviu de fronteira à expansão da cidade do Porto que preferiu seguir os caminhos que levavam e traziam as mercadorias, como os que seguiam para Viana do Castelo, Braga, Guimarães e Valongo. Muitas das fontes e chafarizes que serviram a população que viveu nesta área desapareceram e delas há muito pouca informação: o Chafariz dos Frades Antoninos do Vale da Piedade[2], particular, dentro de muros, no Hospício que aqueles frades possuíam junto ao Mercado do Peixe; a Fonte do Touro, junto à Porta Nobre, e a da Rata ou Tanoaria, na Rua dos Arménios, “em cujo tanque os tanoeiros amoleciam as aduelas usadas para construir as pipas e tonéis” (Horácio Marçal, 1968). O portal da Junta de Freguesia de Miragaia faz referência à Fonte da Rua do Paço[3], entretanto desaparecida, que recebia água encanada vinda diretamente do Rio Frio quando este não estava poluído.
Procuremos percorrer os dois vales em procura das sua fontes e chafarizes. Partindo da Cooperativa Árvore, e com o seu edifício nas nossas costas, estamos a olhar para as traseiras do Palácio da Justiça, exatamente na área onde se encontrava a atual Fonte do Monte dos Judeus, de espaldar, que pertenceu ao antigo Mercado do Peixe que existiu no local onde hoje se encontra aquele Palácio, no Jardim da Cordoaria, antigo Campo do Olival. Esta fonte terá sido construída ao mesmo tempo que esse mercado e que foi inaugurado em 8 de março de1874. A fonte estava no lugar onde vendiam as sardinheiras que tinham, a um nível inferior, uma torneira para lavar as canastras das sardinhas (Silva, 2000). A fonte foi transferida para a Rua do Monte dos Judeus quando o mercado foi demolido em 1952.

 
Figura 4 – Fonte do Monte dos Judeus

Seguindo pela Rua de Azevedo de Albuquerque em direção ao Hospital de Santo António, devíamos encontrar a Fonte dos Fogueteiros, construída antes de 1820, que ficava perto do Hospital Real de Santo António da Cordoaria, da Santa Casa da Misericórdia. No início ela encontrava-se junto aos alicerces do hospital e, em 1843, deslocada para a rua dos Fogueteiros, atual rua Azevedo de Albuquerque, por debaixo de um, o central, dos três arcos do paredão[4] que sustentam a rua da Restauração ao lado do Hospital de Santo António. Esta fonte, que tinha apenas uma bica e um grande tanque, recebia a água e, de acordo com a opinião de Souza Reis, as suas impurezas de uma mina localizada por baixo do Hospital junto das sentinas (Tito de Noronha, 1885[5]), resultando, como disse Furtado de Antas, em 1902, a fecalização da água da fonte. J. Bahia Júnior descreve a mina e realça a existência de infiltrações extensas, brancas e negras. Ele próprio, durante a visita que fez à mina, teve um ameaço de síncope, desconhecendo se ela se deveu ao cansaço ou a intoxicação. A mina estava associada ao manancial das Virtudes, bastante contaminado com esgotos domésticos. Alguns autores, poucos e sem fundamentação, consideram que a água da fonte tinha origem direta no rio Frio. Em 1890, a água desta fonte foi considerada imprópria. Tito de Noronha classificou-a como das piores água da cidade, sensivelmente salobra, pesada e de gosto desagradável, com matéria orgânica em proporção elevada, aconselhando não a usar para a alimentação. Atualmente o espaço da fonte está vedado e parece ser usado por alguém sem outro abrigo, senão esse. Espreitando pelas frinchas, nada se vê. A fonte foi substituída há anos por um fontenário que a C. M. do Porto instalou no Largo do Viriato. Neste Largo resiste um dos últimos balneários públicos do Município do Porto




Figura 5 – Alçado e planta do paredão da rua da Restauração, encostada ao lado sul do Hospital Real de Santo António da Cordoaria, por Joaquim da Costa Lima Sampaio, aprovada pela Junta de Obras Públicas em 14 de março de 1828. Fonte: Arquivo Municipal do Porto, Gisa, Gestão integrada de sistemas de arquivo, descarregada em 13/8/17 de Goo.gl/oLPnEf.

Figura 6 – Imagem atual do muro de suporte da Rua da Restauração.
No arco central esteve a Fonte dos Fogueteiros.

Figura 7 – Fontenário do Largo do Viriato que substituiu
a fonte dos Fogueteiros

Em frente aos arcos do paredão da rua da Restauração, apresenta-se a entrada para o Horto das Virtudes. Apesar de algum desleixo, aquele Horto é um espaço que o tripeiro não deve esquecer, pela sua beleza e pelo que se vislumbra. Desenvolvido em socalcos pelo horticultor José Marques Loureiro, a partir de 1844, o Horto é, hoje, propriedade da C. M. do Porto que o adquiriu em 1998. Com o rio Frio por perto, literalmente por baixo, a água é abundante e desliza por caleiras e tanques em granito. O percurso de uma boa parte da água tem origem numa romântica fonte construída durante o período em que Marques Ribeiro esteve à frente do Horto, a Fonte da Quinta das Virtudes, que a lança numa larga concha por meio de uma bica que ocupa a boca de uma carranca. O estado da água nos tanques que acompanham o fio de água mostra bem a sua qualidade. O desenvolvimento intenso de algas é mais do que uma evidência da presença na água de contaminantes, sobretudo de nitratos e compostos amoniacais. De resto, há mais de um século que está bem registada a falta de qualidade da água do manancial das Virtudes.


Figura 8 – Fonte da Quinta das Virtudes.

Figura 9 – Carranca da Fonte da Quinta das Virtudes.

 
Figura 10 – Imagem da água de um dos tanques do Horto
das Virtudes, rica em algas.

Descendo os socalcos da quinta, sai-se por um portão deparando-se com o Chafariz das Virtudes à esquerda e de um grande tanque lavadouro à direita. Francisco Henriques[6] deu relevo a esta fonte a que chamavam das Virtudes porque a sua água era “de muita utilidade em várias queixas” e, por isso, a mandavam “buscar de outras terras”. Baltazar Guedes cita o cronista Agostinho que indica a presença de uma relíquia do mártir Santo Estevão junto de uma fonte miraculosa com virtuosa água que surgia de uma rocha viva e se distribuía por dois canos de bronze, com o débito de meia anilha de água cada um. A água caía num tanque que atraía as lavadeiras da cidade. Esta fonte chamou-se de Nossa Senhora das Virtudes, assim mencionada em 1580, segundo Eugénio da Cunha e Freitas[7], e encontrava-se no lugar onde existiu a Torre e o Postigo das Virtudes da Muralha Fernandina, construídos em 1376. A água desta fonte provinha de minas existentes naquele terreno que constituíam o manancial das Virtudes. A sua água, para além de límpida e cristalina, tinha comummente, propriedades medicinais. Este manancial abastecia também a Fonte da Rua de S. João Novo e o Convento dos Religiosos Eremitas de Santo Agostinho.
Inserido num programa camarário de abastecimento de água à cidade, em 1619, a Câmara Municipal do Porto mandou abrir a Calçada das Virtudes e construir a Fonte do Rio Frio, mais tarde Chafariz das Virtudes, com desenho atribuído a Pantaleão de Seabra e Sousa, fidalgo da Casa Real e Regedor da Cidade. A construção do chafariz foi financiada pela Imposição do Vinho. Atualmente, é um ponto integrante da Rota Urbana do Vinho. Foi classificado como Monumento Nacional por Decreto de 16 de junho de 1910.

Figura 11 – O Chafariz das Virtudes em todo o seu esplendor.

Rebelo da Costa descreve o chafariz das Virtudes como composto “de um alto frontispício adornado de antigas pirâmides, e firmado em bancos de pedra, que o rodeiam. A copiosa água que dela sai por duas carrancas gigantescas lavradas na mesma pedra, enche em menos de um minuto o maior cântaro. Ao seu lado estão dois profundos tanques em que diariamente lavam roupa de vinte até trinta lavadeiras. Em uma lâmina de mármore vermelho tem gravados estes versos[8]”:  

POSTERITATI.
FONS SCATET ILLUSTRI VIRTUTUM NOMINE DICTUS:
QUIT SITIT, HAS LYMPHAS ABSQUE TIMORE BIBAT.
ANTE CAVERNOSO DE PUMICE DEGENER IBAT:
OBSTABANT PIGRA LIMUS ET UMBRA MORA.
PUBLICA CONSPICUAS EXPENSA DUXIT IN AURAS,
UT QUE LOCO FLUERET COMMODIORE DEDIT.
INDE VIAM STRAVIT, DEJECITQUE ORDINE SEDES:
GRATIA TAM GRATIAS MAIOR UT ESSET AQUIS.
ANNO MDCXIX.

Existem diversas traduções deste texto. A do Professor Doutor Fausto Sanches Martins, transcrita por Aguiar Branco & Cardoso, 2016[9], diz o seguinte:

Fonte com o nome honroso das virtudes brota com abundância:
Quem tiver sede, beba sem temor esta água.
Até há bem pouco tempo, a água nascia entre as pedras:
O barro e as silvas impediam o acesso.
O empenho público colocou as águas ao alcance de todos.
Possibilitou que corressem por melhor caminho.
Depois aplanou o caminho, e colocou ordenadamente assento.
Para que as águas agradecidas pudessem correr livremente.
Ano 1619.

Horácio Marçal[10] apresenta uma versão bastante mais simples, que diz: “aqui flui a fonte dita das Virtudes; quem tiver sede já pode beber sem receio. Estas águas nasciam de uns penedos cavernosos, e andavam por aqui perdidas em charcos imundos e sombrios. A Câmara Municipal as expôs como vedes, fazendo esta majestosa fábrica e, para lhe dar maior realce, abriu esta estrada e fez estes assentos no ano de 1619” 
Embora alguns autores enalteçam os passeios que os portuenses faziam às Virtudes no século XVII e XVIII, os roubos que foram ocorrendo ao longo dos tempos demonstram bem o isolamento em que ela se encontrava, tal como acontece nos nossos dias. Horácio Marçal, 1960, afirma que ”desde há compridos anos que o passeio das Virtudes, já não falando da área fundeira onde permanecem as ruínas da fonte – que essa, infelizmente encontra-se num estado calamitoso – deixou de ser frequentado pelas famílias gradas cá da nossa terra. Está, o que pode dizer-se, num abandono verdadeiramente confrangedor”. Devido a este abandono, a zona das Virtudes, em especial a calçada e a fonte, eram muito frequentados por gatunos, malfeitores e prostitutas. Desapareceram os bancos de pedra, as pirâmides e, para cúmulo, a imagem de Nossa Senhora das Virtudes. Pinho Leal, 1875, citado por Horácio Marçal, 1960, sublinha: “causa dó uma obra de tanto preço votada ao abandono, pois há muito que o público não faz uso da água desta fonte, preferindo, por maior comodidade, a do Chafariz das Taipas; e mesmo porque a das Virtudes era mal saborosa. Lá se conservam ainda os dois tanques das lavadeiras, aumentando progressivamente o número destas com o desenvolvimento da cidade. Depois das Fontainhas, são estes os lavadouros públicos de maior movimento que há hoje (1875, como dissemos) no Porto". 
Sobre o abandono deste chafariz, Aguiar Branco & Cardoso, 2016, escreve que ele “está tão escondido que até o crescimento urbano se esqueceu de o demolir, e essa omissão dá-nos a oportunidade única de nos deleitarmos a comemorar os quatro séculos desta relíquia”. Os autores defendem a intervenção pública na sua reabilitação que passaria, entre outras coisas, pela reconstrução do tanque que ela teve e devolver-lhe a água que no passado lhe retiraram. Os autores salientam dois importantes aspetos:
1.   O brasão nacional não é encimado pela coroa real. Contrariando a tese mais comum de a coroa ter sido destruída por vandalismo, eles defendem a hipótese de ele estar incompleto porque o chafariz foi construído durante a ocupação do País pelos Filipes de Espanha, situação semelhante à ocorrida por outros edifícios construídos durante aquele período;
2.   O elemento central que emoldura as “lâminas” de mármore vermelho onde estão transcritos os versos em latim vêm sendo atacados pelas chuvas ácidas e, dentro de poucos anos, já nada restará daquela mensagem se elas não forem recolhidas e colocadas cópias no espaldar do chafariz, e com uma placa encostada ao muro com a respetiva tradução.

Como atrás referimos, Manoel Nepomoceno declarou que a água do manancial das Virtudes, que alimentava o chafariz, não era boa para os usos domésticos. Segundo Noronha, 1885, o Chafariz das Virtudes, que antes mereceu, pela sua água, ser descrito no Aquilégio Medicinal, “tinha muita arquitetura, muita inscrição latina e muita impureza”, classificando-a como “má, salobra, desagradável e imprópria para a alimentação, e só tem a virtude de ser a pior de todas”. A caracterização química que este autor fez da água das Virtudes provou que ela era bastante salina (resíduo seco – 1259 mg/L), com elevadas concentrações de cloretos (702 mg/L NaCl), e de nitratos (81 mg/L NO3). A sua oxidabilidade ao permanganato apresentava também um elevado valor (28 mg/L O2) e elevado grau hidrotimétrico (29 º franceses). Em 1928, Laroze obteve resultados mais modestos, mas ainda elevados, para cloretos (204 mg/L NaCl) e para o grau hidrotimétrico (20 º franceses). Larose assinala que os nitritos são pouco abundantes e os nitratos abundantes.

Figura 12 – Carrancas do Chafariz das Virtudes

Deixando o Chafariz e descendo para Miragaia pela Calçada das Virtudes, chega-se à rua de S. Pedro de Miragaia onde as lajes de granito cobrem o rio Frio. Mesmo num mês de agosto de um ano seco como o de 2017 ouvem-se, pelas frinchas das lajes de granito, os chios de alegria do rio que corre lesto para abraçar o Douro. Nesta rua, junto à Igreja Paroquial de Miragaia, encontra-se num pequeno nicho a Fonte do Bicho, do Borges ou de S. Pedro[11], com uma bica, que coincide com a boca do golfinho, que lança, quando ela corre, a água num pequeno tanque. A fonte terá sido construída, no século XIX, na sequência da cedência de uma pena de água ao capitão António Borges, da Marinha Mercante, cuja escritura impunha a construção, na frente da sua casa, de um chafariz de serventia pública. J. Bahia Júnior indica que esta fonte “está marcada com o seu triângulo negro[12] e tem a sua nascente na Quinta do Espírito Santo, por baixo do Muro das Virtudes, em um imundíssimo recinto”, brotando num ponto muito próximo de um “enorme chiqueiro, todo encharcado de água e urina, coberto de fezes de suínos que aí se vêm passeando no monturo e que se recolhem na casa ao lado, onde vivem em comum com umas vacas e os seus donos”. Pelo estado da boca do peixe, a sua água, quando corre pela bica, deve ter qualidade semelhante à da Fonte da Quinta das Virtudes.

Figura 13 – A Fonte do Bicho nos nossos dias.

Deixando a fonte do Bicho e entrando no Largo de S. Pedro de Miragaia encontra-se, à esquerda, a rua Arménia que, a poucos metros do início se separa, pela direita, da rua de Tomás Gonzaga. Nesta rua existiu a Fonte da Rua da Arménia ou dos Borges, edificada na frontaria de uns armazéns de António José Borges situados então na rua da Esperança, atual Rua Tomás Gonzaga, na zona de Miragaia (Tito de Noronha, 1885, Gomes Leite, 1836). Segundo J. Bahia Júnior, a fonte não era mais do que uma pequena bica emergindo da parede entre os números 76 e 78, com uma pequena mesa em pedra para sustentar as vasilhas a encher. Ela recebia a sua água de uma nascente aberta no interior de um dos armazéns aí existentes. Tito de Noronha considerou a água desta fonte como má, pesada, pouco límpida, desgostosa e, por vezes, com cheiro.
Na rua da Arménia, ocupando os números 12 a 16 existe um conhecido restaurante com o nome “Verso em Pedra” no qual se servem enormes francesinhas. Na parede de fundo da sala desse comedor, tapada por uma vidraça, está uma mina da qual não conseguimos informações concretas. Em frente a este restaurante abre-se o Largo Artur Arcos dominado pela fonte de Hulsenbos, aí instalada em 1907. Tem quatro torneiras nas faces da coluna, e dois tanques, um num ponto mais alto e de dimensões mais reduzidas, e outro, maior e mais abaixo, que servia para dar de beber aos animais. É abastecida com água da rede pública, isto é, “água da companhia”. De acordo com as inscrições existentes nas quatro faces da coluna, esta fonte foi oferecida por D. Alice Hulsenbos à Sociedade Protetora dos Animais em honra de seu pai, cônsul da Holanda no Porto.

Figura 14 – A Fonte da rua Arménia ou dos Borges, segundo uma
imagem de J. Bahia Júnior, 1909


Figura 15 – A Fonte de Hulsenbos que ainda serve para
dar de beber a muitas aves

Se seguirmos pela rua Nova da Alfândega em direção à Ribeira encontramos, percorridas poucas dezenas de metros, a rua de O Comércio do Porto, antiga Rua da Rosa, e depois Ferraria de Baixo ou Ferraria Nova (Silva, 2000), onde existiu a Fonte da Rua de O Comércio do Porto, primeiro Fonte do Reguinho, que substituiu a Fonte dos Banhos que se localizava na rua do mesmo nome, dentro da Muralha e em frente ao postigo dos Banhos. Este postigo situava-se no lugar onde hoje se encontra o parque da Alfândega. Foi construída em 1890, com materiais que vieram da fonte da Praça da Batalha, substituindo a dos Banhos demolida naquela data. A fonte da rua de O Comércio do Porto era servida por água dos mananciais de Paranhos e Salgueiros num ramo que saía da Arca do Anjo.

Figura 16 – A Fonte da Rua de O Comércio do Porto,
segundo A. Fontes, 1909.

 
Voltemos para trás, para a rua da Arménia. Caminhando em sentido inverso e, virando à esquerda, entremos e percorramos a rua de Miragaia na direção da foz do rio Douro. À esquerda, e num plano superior, o austero edifício da Nova Alfândega e o espaço onde existiu a estação de caminho de ferro que ligava a Alfândega à estação de Campanhã, garantindo o transporte das mercadorias sem atravessar o centro da cidade. Bem em frente aos Arcos e ao Largo de S. Pedro de Miragaia, à altura da esquina oriental do primeiro edifício da Alfândega (A. Fontes, 1909), logo a seguir à extinta estação do caminho de ferro, encostada ao muro de suporte do seu patamar existiu a Fonte de Miragaia que terá sido construída pela C. M. do Porto, em 1865, substituindo a Fonte da Colher. Recebia água dos mananciais de Paranhos e Salgueiros. Tinha no frontispício três pias servidas por três bicas, e o remate deste chafariz era uma pirâmide do espaldar que pertenceu ao tanque da Praça de D. Pedro Fontes, 1908. Foi removida quando se abriu a segunda rampa, a ocidental, para acesso de automóveis e outras viaturas à Rua de Miragaia. Nas análises químicas realizadas no laboratório da Escola Médico – Cirúrgica, em 1905, a água da Fonte de Miragaia, com origem na mistura da água dos mananciais de Paranhos e Salgueiros, apresentava uma elevada concentração de sais dissolvidos, particularmente cloretos, que lhe conferiria sabor. Pelos resultados de uma análise bacteriológica realizada pelo Professor Souza Júnior, Dr. Manuel Pinto e Adriano Fontes entre 1902 e 1907, a água seria classificada de má qualidade, e nos nossos dias como imprópria para consumo.

Figura 17 - A Fonte de Miragaia, segundo A. Fontes, 1909. 

Seguindo a rua de Miragaia, deparamo-nos, no seu termo, a envergonhada e escondida Fonte da Colher. Esta fonte, que já existia em 1491, foi construída a custas de uma parte de um imposto, chamado de “colher”, aplicado aos géneros alimentícios que entravam na cidade através da porta Nobre, que não era mais do que uma colher por alqueire do artigo transportado. Adriano Fontes admitiu, recorrendo a uma nota do Livro Grande, fol. 81 v.º do Arquivo Municipal, que a sua construção tenha coincidido com “a fundação da povoação de Miragaia em 1276 e que em 1296 já tinha setenta e cinco casas”. Era, nessa época, uma das melhores águas da cidade. Terá sido reconstruída em 1629, segundo a inscrição da lápide frontal em granito. Depois de ter sido praticamente abandonada por má qualidade da água e por ter ficado, em parte, soterrada pelas obras da Nova Alfândega (Souza Reis, 1984), foi mudada para o sítio onde agora está em 1871. Foi restaurada em 1940. Tem apenas uma bica. No brasão existente na parte superior e no bloco granítico acima da bica insere-se uma legenda com caracteres imperceptíveis que, segundo a transcrição de Bahia Júnior, diz” “Louvado seja o Santíssimo Sacramento e a puríssima Conceição da Virgem Nossa Senhora, concebida sem pecado original, 1629. A água desta fonte é desta cidade”.

Figura 18 – A Fonte da Colher, um pouco esquecida de quem passa.

Figura 19 – Legenda da Fonte da Colher.

 
Continuemos o nosso passeio. Subindo pelas escadas alcançamos a rua Nova da Alfândega. Prossigamos em direção a Massarelos. Depois de ultrapassado o edifício da extinta Guarda Fiscal vale a pena parar à porta do Museu do Vinho do Porto. Olhando para o seu interior vê-se, logo à entrada do lado direito, um poço coberto com uma proteção em vidro. Assim está porque a sua água, que terá sido útil no passado, está fortemente contaminada com esgoto doméstico. Andando pela rua de Monchique, que poucos pisam desde que abriu o Viaduto do Cais das Pedras, e antes de chegar ao Cais das ditas, vira-se à direita e sobe-se um pouco até à Rua do Cristelo para procurar saber onde estava e quando deixou de existir a Fonte da Rocha ou de Cristelo, situada nessa rua, encostada a um prédio onde estava a sua nascente. Souza Reis lembra que o proprietário desse prédio, Ignacio Smyth de Vasconcellos, terá pretendido tomar posse da água daquela mina, privando o povo desse usufruto. Não o conseguiu. Infelizmente, a rua está, em agosto de 2017, vazia de vizinhos, sem ninguém que possa dar qualquer notícia do passado, e o casario transformando-se velozmente numa sucessão de hotéis e outros tipos de alojamento de passantes. Apenas poucos operários cruzam a rua quando começa ou acaba a jornada e quando têm necessidade de buscar ou levar qualquer material. Ao que parece, os valores culturais estão esquecidos – veja-se o estado do Senhor dos Aflitos. Da fonte, nem rastos...

Figura 20 - O Senhor dos Aflitos, da Rua do Cristelo

Após passagem pela Igreja do Corpo Santo, que nasceu da Capela do mesmo nome construída em 1394, descemos ao Cais das Pedras que também foi Cais dos Insurretos quando Filipe II confiscou, para os integrar na Invencível Armada, dois barcos da Confraria do Corpo Santo. As tripulações desses barcos responderam queimando as velas e a bandeira de Espanha. Daí resultou a renomeação passageira do Cais. Chegados à Alameda Basílio Teles, enquadrada por esplanadas, encontra-se o Chafariz da Alameda de Massarelos, ou apenas de Massarelos. De acordo com a inscrição nela existente, terá sido construído pela C. M. do Porto em 1885. Foi recuperado em 1940. É constituído por uma coluna quadrangular inserida num tanque de quatro lados e com duas bicas colocadas em faces opostas da coluna. Atualmente não deita água e, mesmo que o fizesse, não seria pelas bicas ou torneiras que terá tido porque, como tem acontecido na grande maioria dos chafarizes e fontes, foram roubadas.

Figura 21 - O Chafariz de Massarelos, que agora não cumpre
a sua missão.

 
Nesta Alameda, antes de chegar ao entroncamento com a Rua de D. Pedro V, encontra-se a Rua da Fonte de Massarelos que segue paralelamente à oculta ribeira de Vilar. Esta rua chamou-se das Bicas de Vilar devido à presença da Fonte das Bicas de Vilar, agora chamada de Fonte da Rua de Massarelos ou das Bicas de Massarelos, que terá sido construída em 1637. A fonte das Bicas de Vilar tinha duas bicas e as suas vertentes alimentavam dois tanques com lavadouros, agora abastecidos com água da rede pública. Esta fonte, ainda existente mas com as bicas secas, recebia a água de um manancial com nascente nessa rua. Segundo J. Bahia Júnior, o manancial das Bicas de Vilar, localizado na quinta do Castanheiro, era contaminado com as águas residuais de uma fábrica, caindo, por vezes, das bicas da fonte, água corada. Esta classificação é bastante diferente da indicada por Souza Reis que caracterizava a água como excelente em tudo.

Figura 22 – A fonte de Massarelos segundo J. Bahia Júnior, 1909.


Figura 23 – A Fonte de Massarelos nos nossos dias.


Continuando a subir passa-se a rua Casal do Pedro e, mais ou menos a meio, entra-se na travessa do Campo do Rou que se percorre até encontrar a Rua do Campo do Rou e a das Macieirinhas. Nesta zona existiu a Fonte das Macieirinhas, segundo J. Bahia Júnior, 1909, “na rua das Macieirinhas à direita de quem sobe e fronteira ao prédio n.º 7”. Esta fonte está seca, escondida no muro e sem o prédio n.º 7 à frente, e, se as suas pedras não desaparecerem, vai ser engolida pelo silvado. A sua água, nascida num quintal próximo da fonte, era de má qualidade. Para Souza Reis a fonte era fornecida com água de boa qualidade, tão boa como a da fonte das Bicas porque tinham origens muito próximas, se não a mesma. Estas diferentes caracterizações não são antagónicas porque num período de 60 anos mudaram os critérios de classificação da qualidade da água, e porque esse período de tempo viu o “progresso” industrial e os efeitos da contaminação do subsolo por resíduos sólidos e líquidos da indústria. No cimo da rua da Macieirinha tem início a Rua de Entre Quintas onde se localiza o Museu Romântico que ocupa a antiga casa senhorial da Quinta de Macieirinha. Nela viveu, até à morte, o Rei Carlos Alberto da Sardenha. Nos seus jardins destaca-se um chafariz com um tanque octogonal e, no seu centro, uma taça por onde a água é lançada.

Figura 24 – A Fonte da Macieirinha, sem água nem bica,
e com o silvado a abraçá-la.

Figura 25 – O Chafariz da Quinta da Macieirinha

 
Voltando à rua Casal do Pedro, agora com a ribeira de Vilar à direita de quem sobe, alcança-se a rua dos Moinhos cujo nome pode indicar a existência de unidades para moagem aproveitando a água e o declive da ribeira de Vilar. No cimo desta rua depara-se com a Fonte do Caco ou das Azenhas[13], que está resguardada numa cave com abóbada em arco construída em granito e junto ao qual foi construído um moderno edifício. Tem uma bica no meio de uma concha e a água é recolhida em dois tanques com lavadouros. As suas vertentes são recolhidas pela ribeira de Vilar que aparece a céu aberto debaixo da mesma abobada, em frente à fonte. Pela inscrição existente no frontispício, ela foi construída, em 1899, pela C. M. do Porto. A água desta fonte tem origem numa nascente localizada nas suas traseiras, rompendo dos rochedos do monte da Pena (Souza Reis). A água é recebida por uma arca com cerca de um metro de altura de água (J. Bahia Júnior). Com a impermeabilização dos solos a água armazenada no manancial é, agora, muito menos, fazendo com que a fonte não deite pinga de água em grande parte do ano. Souza Reis considerava a sua água como de excelente qualidade. As suas vertentes seguem para dois tanques lavadouros. J. Bahia Júnior regista a existência de fezes e urina junto à porta da arca.

Figura 26 – A Fonte do Caco ou das Azenhas, segundo J. Bahia Júnior


Figura 27 - A Fonte do Caco em agosto de 2017.

 
Subindo a escadaria que liga a rua dos Moinhos à de D. Pedro V, e, aqui virando, andam-se alguns passos até ao entroncamento da rua do Vilar, aí encontrando a fonte de Vilar, construída em 1910 (Velasques, 2001). Hoje apenas serve como elemento decorativo do conjunto habitacional aí construído. Esta terá substituído outra do mesmo nome que existiu num “recinto profundamente colocado para o qual se desce por meio de uma escada de pedra, à esquina que forma a rua do Vilar com o Beco de S. Macário” (j. Bahia Júnior, 1909). Esta fonte tinha uma única bica, caindo a água num tanque e lavadouros. A água tinha a sua nascente no próprio local, num cubo de pedra fechado no qual a bica estava cravada.

Figura 28 – A Fonte de Vilar que apenas serve de elemento decorativo.


Em frente à fonte de Vilar, para ocidente, nasce a rua da Pena que, atualmente, liga a de D. Pedro V à Faculdade de Ciências. Ela era muito conhecida por aqueles que em tempos tinham que fazer na sua rampa a inversão de marcha no exame para obtenção da carta de condução. Que martírio representava aquela manobra! Pois nessa rua houve a Fonte da Póvoa estava situada na rua da Pena. A sua água vinha de uma mina, cuja nascente se localizava num quintal próximo, e caía por meio de uma caleira de pedra num tanque. Souza Reis atribuía à sua água qualidades especiais. A fonte já não existe e pessoas que vivem naquela rua há bastante décadas desconhecem-na.

Figura 29 - A Fonte da Póvoa, segundo imagem de J. Bahia Júnior, 1909


Regressando à rua de D. Pedro V, descendo-a pelo lado direito, encontra-se a fonte da Rua D. Pedro V que se localiza a meio desta rua no lado direito de quem desce. Tem apenas uma bica, entretanto desaparecida, inserida num medalhão em alto relevo, e a água cai num tanque rectangular. Esta fonte teve um brasão que foi deslocado para o jardim da Quinta do Barão de Nova Sintra. Foi restaurada em 1941. Raramente tem água. Segundo J. Bahia Júnior, 1909, a água nascia numa enorme rocha existente nas costas da fonte (morro da Pena). Dada a sua origem, os riscos de contaminação eram reduzidos, podendo-se admitir que a água era de boa qualidade. Uma análise bacteriológica realizada no início do século XX pelo laboratório da Repartição Municipal de Saúde e Higiene e pelo Laboratório de Bacteriologia do Porto provava-o (J. Bahia J., 1909).


Figura 30 – A  fonte D. Pedro V em agosto de 2017.


Descendo a rua D. Pedro V até à Alameda de Basílio Teles, caminhando alguns metros chega-se à rua da Boa Viagem, antes Caminho da Boa Viagem. Nesta zona ficava a Quinta de Massarelos e encostada ao muro da propriedade do Barão de Massarelos existiu a Fonte da rua da Fonte que, para Souza Reis, não era mais do que “um poço cuja água vindo à flor da terra derrama-se pelas bordas do seu receptáculo. Ela também é referida por J. Bahia Júnior que a apresenta como destruída. Este autor apenas testemunhou vestígios da arca da sua nascente na rua da Fonte, junto a uma capela. Subindo a rua da Boa Viagem, depara-se à esquerda com  a rua do Bicalho que nos leva à rua do Ouro, ponto final deste passeio. Souza Reis[14] refere a existência de três fontes no lugar do Bicalho: uma, situada no baixo da calçada da Arrábida, que estava, então (1842 – 1848), desprezada e tinha na sua traseira um lavadouro. A sua água vinha de uma mina que ficava na propriedade, naquela data, dos herdeiros de Manoel Brawne. A segunda fonte, denominada por J. Bahia Júnior como Fonte do Bicalho, situava-se no cais do Bicalho em frente à Fundição do Cais do Bicalho, por baixo da qual passava a mina que a abastecia. A fonte não era mais do que uma caleira em pedra. A terceira fonte, com melhor e cristalina água, ficava na rampa do sítio de Bicalho. Mais tarde, em 1901,  C. M. do Porto construiu a Fonte Nova do Bicalho, situada ao fundo da Calçada da Arrábida, antiga Calçada do Bicalho. Esta fonte tinha dois tanques com lavadouros, mas agora tem só um que recebe água com abundância. Em março de 2010, Freitas et al., 2010[15]  caracterizaram a nascente da fonte Nova de Bicalho cuja água é descarregada por um tubo para um tanque que debitava 0,3 L/s (9/3/2010). Os valores de pH e de condutividade da água determinados foram, respetivamente, 7,9 a 15,1 ºC e 447 µS/cm.

Figura 31 – A Fonte Nova do Bicalho, em 1909 (J. Bahia Júnior, 1909)


Figura 32 - A Fonte Nova do Bicalho em agosto de 2017.







[1] Atualmente Largo da Carvalhosa.
[2] Os frades Antoninos do Vale da Piedade fundaram o Hospício de Santo António da Cordoaria destinado a recolher os frades, para descanso e convalescenças, do seu convento localizado em Gaia, junto ao rio Douro. Aquele hospício localizava-se nos terrenos onde existiu, até 1952, o Mercado do Peixe.
[4] Um desses arcos dá acesso às caves do Hospital de Santo António.
[5] Tito de Bourbon e Noronha, 1885, As Águas do Porto, Dissertação Inaugural apresentada à Escola Médico-Cirurgica do Porto, Porto
[6] Francisco da Fonseca Henriques, 1726, Aquilégio Medicinal, Oficina da Música, Lisboa.
[7] Toponímia Portuense de Eugénio Andrea da Cunha e Freitas, Porto: Contemporânea D. L., 1999.
[8] Segundo Silva, G., 2000, estes “versos latinos foram escritos por Pantaleão de Seabra e Sousa, fidalgo da Casa Real e poeta insigne”.
[9] Aguiar Branco, L. B., Cardoso, P. V., 2016. Dar água à fonte das Virtudes, O Tripeiro, 7ª Série, Ano XXXV, n.º 5: 153 – 155.
[10] Horácio Marçal, 1960. O Passeio das Virtudes, O Tripeiro, n.º 9, Série V, Ano XV:260-262.
[11] Alguns autores também lhe chamam fonte do Macaco.
[12] Sinal com que, no princípio do século XX, sinalizavam as fontes e chafarizes com água imprópria para consumo.
[13] Souza Reys refere duas fontes, uma com o nome de Caco, e a outra com o de Azenhas. Alguns autores denominam esta fonte como do Caquinho
[14] Henrique Duarte e Sousa Reis, 1984, Manuscritos inéditos da BPMP, Biblioteca Pública Municipal do Porto. Manuscrito com data de 1853 que reproduz a Descrição Histórica das Arcas, Fontes e Aquedutos da cidade do Porto, ordenada por João Evangelista Gomes Leite, 1836, com um aditamento de Souza Reys.
[15] Freitas, L., Devy-Vareta, N., Gomes, A., Santos Siva, R, Afonso, M. J., & Chaminé, H. I, 2010, Águas subterrâneas na área urbana do Porto (séculos XIX – XXI): potencialidades da análise geográfica de uma Base de Dados Espacial, VI Seminário Latino – Americano de Geografia Física, II Seminário Ibero – Americano de Geografia Física, Universidade de Coimbra.