quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

Parte XVII


MASSARELOS
Em 1148, D. Afonso Henriques doou à Colegiada de Cedofeita um vasto território no qual se incluía “Maçarelos” que era um povoado de pescadores que viviam na margem do rio Douro, na praia de “Maçarelos”, onde exploravam o sal que secavam em tábuas ali colocadas (salinas) e praticavam a agricultura nas encostas que pendiam para o rio, quer as do encaixado vale da ribeira de Massarelos ou de Vilar, quer na encosta poente do morro onde hoje se encontra o Palácio de Cristal. Nesta encosta e, principalmente, no Campo de Rou foram encontrados vestígios arqueológicos da época romana e medieval. Era a primeira povoação fora de portas, por onde passavam aqueles que seguiam para Lordelo e Foz do Douro.
Formalmente, Massarelos derivou da antiga freguesia de Nossa Senhora da Boa Viagem, santa a quem terá sido dedicada uma capela que se situava no lugar do Bicalho e que terá sido a primitiva matriz do lugar, talvez do século XVI[1]. Esta capela foi demolida e substituída pela igreja de S. Pedro de Massarelos.
Em 1636, o Julgado de Massarelos já pertencia ao concelho do Porto, pelo menos, segundo os livros da Câmara. A freguesia de Massarelos foi anexada ao concelho do Porto em 1789, tendo pertencido, até então, à Comarca e Terra da Maia. Durante os séculos XVIII e XIX, surgiram em Massarelos “belas quintas de regalo”[2], como a Quinta dos Pacheco Pereira. No século XIX instalaram-se na freguesia algumas industrias como a têxtil, a de fundição e a de refinação de açúcar. Entre 1854 e 1856 foi instalada a Companhia do Gás e, em 1907-08 a Central Térmica do Ouro, obra importantíssima na difusão do uso da eletricidade na cidade do Porto e no desenvolvimento do transporte urbano.
Massarelos espalha-se por uma zona ribeirinha, uma zona alta e planáltica com os bairros de Vilar, Campo Alegre e Bom Sucesso, e uma zona intermédia com as suas quintas em socalcos, como é exemplo a da Macieirinha onde se situa o Museu Romântico e os Jardins do Palácio de Cristal. Este jardim foi desenhado, pouco tempo depois de 1865, por Émile David, que seguiu o modelo que então se espalhava pela Europa, com alamedas, bosque, lago e grutas. Nele foi construído o Palácio de Cristal destinado a acolher a Exposição Internacional do Porto. Em 1933, a CMP adquiriu o terreno onde, depois de demolir o Palácio, mandou construir o Pavilhão dos Desportos no qual se realizou, com chuva e sem a cúpula, o Campeonato do Mundo de Hóquei em Patins de 1952. O Pavilhão sofreu duas remodelações nos últimos anos, tendo adotado, depois da primeira, o nome da grande e acarinhada atleta da cidade do Porto Rosa Mota.
Massarelos (ver figura 1) tem a área de 1,9 km2. Segundo o Livro Memórias Paroquiais de 1758 do Distrito de Porto, viviam nesta freguesia cerca de 800 pessoas. Em 1911 a população da freguesia era de 7.613 habitantes, tendo baixado, em 2011, para 6.789 almas. O índice de envelhecimento é de 235, superior ao do Porto e ao do pais.



Figura 1 – Limites da antiga freguesia de Massarelos. Fonte: Google maps

Escreveu Manoel de Pillar Lobo nas Memórias Paroquiais de 1758 que “nesta terra (Massarelos) não há lagoa, nem fonte com celebridade especial, por que há todas as salutíferas e gostos excelentes, essas fontes são muitas e com quantidade de coisas atrás, tanto que com o maior obelisco de atrás, que corre pelo meio deste lugar de Norte a Sul direito […][3] ”. Havia, no entanto, o ribeiro de Massarelos que ainda hoje está vivo e corre a céu aberto no seu troço final (ver capítulo V). Massarelos teve, antes de 1909, treze fontes[4]. No levantamento que Bahia Junior[5] fez ele reconheceu que uma delas fora destruída, a Fonte da Rua da Fonte, e outra, a Fonte de D. Pedro V, estava seca. Restavam, então, a Fonte das Bicas de Vilar ou Bicas de Massarelos, Chafariz da Alameda de Massarelos, estas recebendo a água do manancial das Bicas, e as Fontes do Bom Sucesso, do Caco ou Azenhas, de Vilar, do Campo Alegre, da Póvoa, do Bicalho, Nova do Bicalho e a da Macieirinha ou Masseirinha, estas com nascente própria. A fonte de Vilar descrita por J. Bahia Júnior foi substituída, em 1910, por outra que agora decora a entrada de um prédio existente na esquina da rua do Vilar com a rua de D. Pedro V. Estas fontes estão descritas no capítulo 7. Para além dessas fontes, o autor refere ainda as Fontes do Bom Sucesso e do Campo Alegre. Velasques[6], refere a fonte da rua dos Moinhos, mas nada adianta sobre ela.
O Convento da Madre de Deus de Monchique foi fundado em 1535 e instalado, em 1538, na Casa Conventual que resultou da adaptação da residência de Pedro Cunha Coutinho (Ferreira-Alves, 2002: 129[7]). O Convento foi encerrado, em agosto de 1834, por Decreto de 30 de maio que deu cobertura à extinção de todos os conventos e outras instituições das ordens religiosas. Os bens do convento foram incorporados nos Próprios da Fazenda Nacional, levando à ruína os edifícios que faziam parte do espólio.  No centro do Claustro principal, ao lado da capelinha do Senhor dos Passos, existia um chafariz que brotava água límpida e pura. Existia um segundo chafariz no outro claustro, que devia receber água da mesma mina.
  


Figura 2 - Desenho do Claustro do Convento de Monchique, com o seu chafariz e a capela do Senhor dos Passos. Desenho de Joaquim Cardoso Vitória Vilanova, reproduzido em Ferreira-Alves, 2002: 134

Figura 3 – As ruínas do Convento de Monchique que num futuro próximo incorporarão mais um hotel para a cidade do Porto

A Fonte do Campo Alegre situou-se na rua do Campo Alegre, no espaço entre as atuais ruas de Gonçalo Sampaio e Prof. Abel Salazar, encostada ao muro de uma quinta que existiu em frente ao atual número 462 daquela rua, no local onde hoje existe um parque automóvel limitado pelas ruas do Campo Alegre, Entrecampos e do Gólgota. Segundo a descrição de J. Bahia Júnior, a fonte consistia num poço incorporado numa arca em alvenaria (ver figura 3), do qual a água era enviada, por meio de bomba, para a única bica da fonte. Depois de o poço ter secado e entulhado, a fonte foi removida em 1945 e instalada nos jardins do SMAS a pedido da proprietária da quinta que reclamava das poucas vergonhas ali praticadas.

Figura 4 – A Fonte do Campo Alegre no tempo de J. Bahia Júnior. Fonte: Bahia Júnior, 1909: 86. Na parede lateral da arca realça-se a torneira que enchia os cântaros

Figura 5 – A fonte do Campo Alegre instalada, desde 1945, nos Jardins do Barão de Nova Sintra. Na parede à direita da porta vê-se a abertura que permitia movimentar o braço da bomba de êmbolo que aspirava a água do poço
  
Figura 6 – Azulejos e peixe da parede frontal da Arca da Fonte do Campo Alegre instalada nos Jardins do Barão de Nova Sintra

No lugar onde se encontravam os caminhos que vinham de Vilar, de Lordelo e de Cedofeita existiu, nos finais do século XVII, uma quinta onde se construiu casa com uma capela barroca dedicada a Nossa Senhora do Bom Sucesso e que veio a pertencer a António de Almeida Saraiva. Este abastado proprietário mandou construir, em 1748, a Fonte do Largo do Bom Sucesso encostada àquela capela. Ela era toda em pedra, ostentando no alto a imagem de Nossa Senhora do Bom Sucesso colocada em nicho com grades de ferro. A água era lançada por um golfinho para uma concha em granito. A mina que a abastecia ficava perto da rua Oliveira Monteiro e o seu aqueduto atravessava a Rotunda da Boavista e seguia pela rua do Bom Sucesso até entrar na quinta de António Saraiva e alimentar a bica da fonte. Embora a fonte fosse particular, ela era de uso público, obrigando-se os donos da quinta a fornecer a água que entendessem. Na rua do Bom Sucesso, a cobertura com lajes graníticas da caleira por onde circulava a água servia de passeio. As fendas entre lajes permitiam a entrada de água contaminada e outras imundícies que afetavam a qualidade da água da fonte. A curta descrição de Gomes Leite, 1836, indica a nascente na própria quinta, para onde revertiam as vertentes da fonte. Júlio Couto[8] refere que, durante a construção do Mercado do Bom Sucesso e arruamentos envolventes,  a fonte foi removida para o interior da quinta que pertencia, então, à família de Oswaldo Lopes Cardoso Rocha Ferreira, e, em 1982, foi transferida, juntamente com outra fonte interior e o portão para outra quinta situada na freguesia de Martim, em Barcelos, de que este senhor era dono. Da quinta do Bom Sucesso e seus edifícios, restam a casa e a capela em boa hora restauradas. A casa é hoje um bom restaurante e a capela reabriu ao culto em dezembro de 2005.



Figura 7 – A fonte de Bom Sucesso. Fonte: shorturl.at/cgA24, descarregado em 3/12/19


LORDELO DO OURO
A semelhança do que aconteceu com Massarelos, pelas terras de Lordelo do Ouro e Cantareira viveram comunidades que cresceram em consonância com o trabalho do campo, da pesca, dedicando-se aos trabalhos de madeira - construção de barcos/naval - tradição que as gentes destas localidades, com garbo, fizeram chegar até hoje. Escavações arqueológicas levadas a cabo na calçada do Ouro (Senhor da Boa Morte) e nos terrenos do Centro Paroquial e Social de Lordelo do Ouro mostraram estruturas relacionadas com a ocupação romana. A área investigada abrangia a zona de acostagem dos barcos que faziam a travessia entre a Afurada e o lugar do Ouro donde seguia uma via em direção a Bouças. A primeira referência a Lordelo do Ouro consta na doação feita, em 1144, ao Abade João Cirita, do Mosteiro de Alcobaça, do “Cimo de Santa Ovaya”, no termo de Bouças junto a Lordelo (Santos Castro, 2012).
A construção naval foi uma das importantes atividades de Lordelo do Ouro, restando hoje alguns resistentes que a preservam. Com boas condições para a promoção da agricultura, formaram-se, em Lordelo do Ouro, nos séculos XVII/XVIII, várias quintas, parte das quais vieram a ser ocupadas mais tarde pela indústria. Aproveitando as condições naturais, em especial a passagem da ribeira da Granja e seus afluentes, instalaram-se na freguesia de Lordelo do Ouro, na segunda metade do século XIX e uma boa parte do século XX, inúmeras empresas industriais, algumas das quais se arrastaram até bem próximo dos nossos dias: a Sociedade Nacional dos Fósforos, Aluminia, Parafusos, Lanifícios de Lordelo, Sisol, A Veludo[9], etc., tendo-se destacado a Fundição da Arrábida e a Fundição do Ouro que difundiram a arquitetura do ferro[10] na cidade do Porto. No século XX foi instalada a Central Termoelétrica do Ouro que teve um papel decisivo na expansão da iluminação pública e do consumo doméstico de eletricidade.
De entre os espaços verdes da cidade do Porto destaca-se o dos Jardins do Parque de Serralves que integra a Fundação de Serralves, criada em 1989, reconhecida internacionalmente pelos serviços que presta à comunidade no âmbito da arte contemporânea e do ambiente[11]. Os Jardins de Serralves ocupam uma área de 18 hectares, com uma linha de água resultante da intersecção de duas vertentes que encaminha a água do manancial aí existente em direção à ribeira da Granja. A forte presença da água nos jardins distribui-se por vários elementos, entre os quais se incluem uma fonte, um lago, tanques e um espelho de água.

Figura 8 – A fonte dos jardins de Serralves

Figura 9 – Pormenor do lago dos jardins de Serralves

Outro espaço verde digno de uma visita é o Jardim Botânico do Porto que foi instalado, em 1951, pela Universidade do Porto nos jardins que foram da Quinta do Campo Alegre ou Casa dos Andressen, depois de esta propriedade ter sido adquirida pelo estado português em 1949. O espaço ocupado pelo Jardim Botânico é o que resta da Quinta Grande que pertenceu, no século XVIII, à Ordem de Cristo. A mutilação da quinta ocorreu, em 1956, quando foram construídos os acessos à  Ponte da Arrábida, ficando reduzida a um terço dos originais 12 hectares. Como acontecia em muitas das quintas do Porto, existia um chafariz hoje conservado no Jardim do Rapaz do Bronze, jardim que inspirou Sophia de Melo Breyner Andressen com o título “Rapaz de Bronze”.
Nos últimos cem anos a antiga freguesia foi-se transformando num dormitório de muitos que trabalhavam no Porto. A Câmara Municipal do Porto construiu nesta freguesia dez bairros de habitação social que vieram a ser ocupados em grande parte por habitantes deslocados do centro histórico de Porto, onde se desenvolveram complexos problemas sociais, entre os quais a venda e consumo de droga.
A freguesia de Lordelo do Ouro foi anexada ao Porto em 26/11/1836, então com 2.000 habitantes. Em 1911, viviam na freguesia 7.982 habitantes, número que se aumentou, em 2011, para 22.189. Índice de envelhecimento: 139, inferior ao do concelho do Porto, 195, mas ligeiramente superior à do pais, 129. Área: 3,6 km2. A freguesia era limitada a norte pela freguesia de Ramalde, a oeste por Aldoar e Foz do Douro, a sul pelo rio Douro, e a este por Cedofeita e Massarelos.



Figura 10 – Os limites da antiga freguesia de Lordelo do Ouro

A antiga freguesia de Lordelo do Ouro, com a sua forma em anfiteatro, recebe os ares húmidos vindos do estuário do Douro e do oceano Atlântico que favorecem a formação de chuva que enriquece o subsolo em água. Das duas encostas corriam pequenos ribeiros em direção à Ribeira da Granja que, no seu percurso final, alimentavam importantes empresas industriais atrás referidas e que acabaram por desaparecer, algumas há poucas décadas. Embora ainda estejam preservadas importantes áreas verdes, a urbanização da área vai empurrando a chuva para o rio Douro, impedindo-a de servir a natureza. Afinal de contas, isto acontece em toda a cidade e ninguém se incomoda com isso.

Figura 11 – O rio Douro visto do local onde desaguava a ribeira da Granja, no jardim do Cálem. Ainda existe alguém que não acredita que o rio é d’ouro?

Entre os pequenos cursos de água que corriam na freguesia constava o rio Escuro que repartia a sua nascente com a Fonte de Nossa Senhora da Ajuda, na Rua da Senhora da Ajuda. O nome desta fonte invocava o de uma capelinha existente no local que está associada a duas lendas que animam a fé popular[12]. Conta a primeira lenda que a Senhora da Ajuda terá aparecido em sonhos a Catarina Fernandes, ordenando-lhe que fosse a uma fonte que existia perto do local onde se encontra a capela onde veria uma pomba branca e, com ela, a imagem da santa. Cumprindo o sonho, deslocou-se ao lugar marcado onde viu uma pomba mas não a imagem, quiçá porque a fonte estava quase coberta com silvas. Procurou o marido a quem pediu ajuda depois de lhe ter contado o que acontecera. Os dois voltaram à fonte e encontraram a imagem entre silvas. Na sua posse, eles construíram uma ermida, no final do século XVI início do século XVII, restaurada em 1919-20, a que deram o nome de Nossa Senhora do O. Conta a segunda lenda que nove navios ingleses entraram na barra do Douro e procuravam subir o rio. Um deles, ao passar defronte da ermida, encalhou e dali na saía, apesar dos esforços aplicados pelos marinheiros. Como o barco transportava uma imagem de Jesus Crucificado, os homens do mar admitiram que aquela situação era um sinal divino que refletia a vontade da imagem ficar na capela da Senhora. Desembarcaram com a imagem e dirigiram-se para a ermida. Mal a colocaram na capela, o navio recomeçou a navegar e seguiu o seu caminho. Com a chegada da imagem, a capela passou a albergar o Senhor e a Senhora da Ajuda, passando-se a chamar de Capela do Senhor e Senhora da Ajuda, nome que se mantém nos nossos dias.  Couto[13] descreve outra história muito semelhante a esta, envolvendo um barco enviado pelo Bispo de Tui que transportou uma relíquia de S. Pedro Gonçalves Telmo oferecida à Confraria das Almas e do Corpo Santo que se tinha comprometido, em 1394, a construir uma ermida dedicada àquele santo que salvou um barco seu de naufrágio certo no Golfo da Biscaia. Entrando na barra do Douro, o barco subiu até ao Cais das Pedras onde encalhou. Como o barco não arredava pé, um velho e experiente marinheiro lembrou-se de sugerir o desembarque da relíquia ali mesmo, operando-se logo o milagre: o navio voltou a flutuar. Em procissão, a relíquia foi depositada na Igreja do Corpo Santo, atualmente Igreja Matriz de Massarelos, donde desapareceu tempos depois sem deixar rasto.



Figura 12  - A Capela de Nossa Senhora da Ajuda

Para Sousa Reis[14] a Fonte da Arcada era assim chamada porque se situava nesse lugar da freguesia de Lordelo do Ouro, na Rua da Fonte de Arcada que tinha início, nos primeiros anos do século XX, na Avenida da Boavista. Outra possibilidade podia dever-se ao arco da entrada para a sua arca. Segundo Bahia Júnior[15], a fonte não passava de um charco metido no muro de uma propriedade agrícola, com uma soleira que mal o protegia de receber escorrências de outras águas, incluindo a da chuva, que deterioravam a água da “fonte”, chegando ao ponto de ela representar, em 1909, a água com pior qualidade bacteriológica entre as fontes da freguesia (J. Bahia Júnior, 1909: 110).



Figura 13  - A Fonte da Arcada, que estava a ser limpa, na data da visita de J. Bahia Júnior, pelo pessoal da Câmara. Fonte: Bahia Júnior, 1909: 90.

Junto da Central de Produção de Eletricidade da Companhia Carris de Ferro foi construída a Primeira Fonte da Arrábida[16] (Sousa Reis, 1984: 194). Esta fonte apenas tinha uma bica e um pequeno tanque que recebiam a água da mina que existia na pedreira que se encontrava atrás da fonte.  Ela foi mandada construir pela Companhia Geral das Agricultura das Vinhas do Alto Douro. A água, muito pura, brotava diretamente da rocha. Em 1948, foi transferida para o Jardim da Quinta do Barão de Nova Sintra. A fonte, em granito, tem apenas uma bica inserida num espaldar muito simples. A Segunda Fonte da Arrábida, estava localizada um pouco abaixo da Fundição da Arrábida, no fundo encosta do monte com o mesmo nome próximo da linha que separava a freguesia de Lordelo do Ouro com a de Massarelos. Esta fonte nunca chegou a ser acabada, A água das duas fontes era, bacteriologicamente de excelente qualidade J. Bahia Júnior, 1909: 110). BPMP, Velasques, 2001, H. Marçal, 1968

Figura 14 – A primeira Fonte da Arrábida. Na legenda da figura 161 da obra de Bahia Júnior, página 88, realça-se o comum fato de, no recanto ocupado pelas duas figuras, abundarem “os bolos fecais



Figura 15 – A Primeira Fonte da Arrábida instalada no Jardim do Barão de Nova Sintra

Figura 16 – A Segunda Fonte da Arrábida. Fonte – Bahia Júnior, 1909: 89.

A Fonte do Ouro ou do Largo do Ouro  terá sido construída antes de 1735 porque nesse ano o Reverendo José Alves Coelho tentou apropriar-se da sua nascente, tendo disso sido impedido pelo povo apoiado pela Câmara (J. Bahia Júnior, 1909: 19). Outros autores (Velasques, 2001, Sousa Reis, 1984: 194) defendem uma data indefinida no século XIX. A fonte era, então, muito importante porque servia todos os que seguiam pela calçada que pertencia ao caminho que ligava o Porto à Foz. Esta fonte localiza-se em frente ao Cais do Ouro, abaixo do local onde esteve instalada a fábrica da Companhia do Gás. Tem duas bicas inseridas num espaldar que lançam a água num grande tanque. Sob as bicas existiam suportes em ferro para apoio dos cântaros. A água tinha origem numa mina chamada do Ouro ou da Cardosa existente nos terrenos próximos, nas traseiras da fonte (J. Bahia Júnior, 1909: 89). Essa mina estava sujeita a muitas infiltrações que contribuíam para a sua má qualidade bacteriológica. A Fonte da Praia do Ouro, também conhecida como Fonte da Félix, estava muito próxima daquela defronte do local onde se encontra o prédio do MXM ArtCenter, encostada ao paredão do cais, com escadas que garantiam que a ela acedessem aqueles que por ali passavam. A fonte era composta de uma bica com pequeno tanque tendo ao lado outro maior com lavadouros, alimentado pelas vertentes do primeiro (Bahia Júnior, 1909: 90). Por cima da bica vê-se uma pequena porta de ferro do muito reduzidas dimensões que ó a entrada da sua mina que ficava a pouca distância, “na propriedade do Bessa” (Velasques, 2001: 217, Sousa Reis, 1984: 195). Tinha uma característica muito própria: a de ficar submergida durante as marés vivas. Em 2007, a fonte foi reconstruída perdendo os seus tanques lavadouros e recebendo água da rede pública.



Figura 17 – A Fonte do Ouro. Fonte – Bahia Júnior, 1909: 89.



Figura 18 – A Fonte do Ouro na atualidade



Figura 19 – A fonte da Praia do Ouro ou da Félix - Fonte – Bahia Júnior, 1909: 89


A Fonte de Grijó foi construída antes de 1841 porque, nesse ano, o proprietário da quinta a cujo muro estava encostada a fonte, a quis incluir na sua propriedade. O povo reclamou e a Câmara defendeu os seus direitos. Ela situava-se na Travessa de Grijó e era tão somente um charco metido numa arca com uma pequena soleira de proteção. A água era recolhida com as vasilhas que eram introduzidas na arca através da sua pequena porta. Consequentemente, a água era de má qualidade bacteriológica. A Fonte de Mata Sete, ou da Pasteleira, descrita por  J. Bahia Júnior, 1909: 91, situava-se junto da rua da Pasteleira e muito perto da Fábrica dos Óleos, concretamente na Viela dos Mortos. A entrada para a sua mina, fechada com portão, ficava por cima da bica da fonte. A qualidade bacteriológica da água era um pouco abaixo do sofrível. A Fonte de Mouteira tem o nome do local que a recebeu e que deu origem à rua da Mouteira que entronca, atualmente, com a de Diogo Botelho.



Figura 20 – A fonte do Mata Sete ou da Pasteleira - Fonte – Bahia Júnior, 1909: 91.

A Fonte de Penoucos situava-se no Largo de Penoucos que hoje não existe, conhecendo-se apenas a rua de Penoucos que liga as ruas de Serralves com a de D. João de Mascarenhas. No início do século XX aquele largo ficava muito próximo da Fábrica de Lanifícios de Lordelo, também conhecida por Fábrica dos Panos, que aproveitava a ribeira da Granja para o fornecimento de água para o processo e como força motriz. Esta ribeira ainda corria a céu aberto naquela zona. Apesar de privada, a fonte servia o público por concessão do seu proprietário. A sua água vinha de uma mina existente no quintal limitado pelo muro onde se inseria a fonte. A qualidade microbiológica da sua água era de sofrível a má. Segundo J. Bahia Júnior (JBJ, 1909: ), a Fonte das Rãs, das Rabadas, ou da Raia, terá sido reconstruída, em 1861, na presidência da CMP do Visconde da Lagoaça conforme o refere uma inscrição existente no seu espaldar: V. L. 1861. Situava-se esta fonte no Monte da Arrábida, ao lado da fábrica da Companhia dos Fósforos. Em 1909 estava seca.



Figura 21 – A fonte de Penoucos - Fonte – Bahia Júnior, 1909: 91.

Aqueles que se deslocam para o miradouro de Santa Catarina passam, necessariamente, pela rua de Luís Cruz. No gaveto desta rua com a travessa do mesmo nome encontra-se a singela Fonte de Santa Catarina ou Fonte da Rua Luís Cruz, de reduzidas dimensões, com um espaldar cujo aspeto lembra uma pequena capela (Velasques, 2001: 70). A fonte, atualmente sem água, tem apenas uma bica à qual falta, como em muitas fontes e chafarizes do Porto, o tubo metálico. O seu pequeno tanque serve agora com caixote de lixo. Como vale a pena aceder ao miradouro para daí desfrutarem do estuário do rio Douro com toda a sua magnificência e da sua antiga ermida mandada construir pelos marinheiros portuenses do tempo do Infante D. Henrique (Silva, 2000: 156), parem dois minutos junto desta fonte para lhe prestar homenagem.

Figura 22 – A fonte da Rua Luís Cruz no caminho para o miradouro de Santa Catarina



[1]  Plano Diretor Municipal do Porto (revisão), 2018, Valores Patrimoniais – Relatório de Caracterização e Diagnóstico, Câmara Municipal do Porto: 82
[2] Capela, J., Matos, H., Borralheiro, R., 2009, As Freguesias do Porto nas Memórias Paroquiais de 1758, Coleção “Portugal nas Memórias Paroquiais de 1758”, Braga: 66.
[3] Capela et al., 2009, transcrito por Teixeira, 2011: 236.
[4] Souza Reys, 1984:192
[5] Bahia Júnior, 1909: 84
[6] Velasques, 2001: 214
[7] Ferreira-Alves, J. J., 2002, Elementos para a história do Convento da Madre de Deus de Monchique, Revista da Faculdade de Letras – Ciências e Técnicas do Património, Volume I, pp., 129-147.
[8] Couto, J., 1993, Monografia de Massarelos – Porto, Junta de Freguesia de Massarelos, Porto: 320
[9] Pinto, R. S., 2015, Dia do Porto, - Lordelo do Ouro 2015, https://aciagemdosargonautas.ne, consultado em 2/11/2019.
[10] CMP, 2017, ARU de Lordelo do Ouro, Área de Reabilitação Urbana – Projeto de delimitação, Direção Municipal de Urbanismo, Departamento de Planeamento e Ordenamento Urbano e Divisão Municipal de Planeamento e Ordenamento do Território da Câmara Municipal do Porto: 4.
[11] Pinheiro Velho, S., 2012, O efeito dos espaços verdes no conforto bioclimático – Os Jardins de Serralves,  dissertação apresentada para a obtenção de grau de Mestre em Sistemas de Informação e Ordenamento do Território da Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
[12] Sítio da Paroquia de Nossa Senhora da Ajuda, shorturl.at/myBKW, consultado em 7-12-2019.
[13] Couto, J., 1993, Monografia de Massarelos, Junta de Freguesia de Massarelos, Porto: 31-33.
[14] Sousa Reis, 1984: 195.
[15] Bahia Júnior, J., 1909: 91.
[16] As fotografias apresentadas na obra de J. Bahia Júnior das primeira e segunda fontes da Arrábida não têm qualquer inscrição, ao contrário da fonte que se encontra nos Jardins do Barão de Nova Sintra. O próprio Bahia Júnior diz que as duas fontes são muito semelhantes. Coloca-se, então, uma questão: a fonte transferida em 1948 é a primeira ou a segunda fonte da Arrábida?

segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Parte XVI


Ramalde

A origem do povoado de Rianhaldy terá ocorrido com a chegada dos monges de São Bento entre 920 e 944. Este território foi mencionado, pela primeira vez, em 1222 na doação da rainha D. Mafalda, filha do rei D. Sancho I, ao mosteiro de Arouca. Durante o reinado de D. Sancho II (1223 – 1248), o Capelo, o território chamava-se Ramunhaldy e era constituído por cinco lugares: Francos, Requezendi, Ramhualdi Jusão e Ramhualdi Susão (Ramalde do Meio). Com o nome de Ramalde, foi mencionada nas inquirições de D. Afonso III, em 1258[1]. Admite-se que território de Ramalde terá pertencido, pelo menos até 1706, ao concelho da Maia, vindo a fazer parte, mais tarde, ao de Bouças até ao ano da sua integração, por Decreto-Lei de 1895, como freguesia do Porto.
Durante muitos séculos, a principal atividade de Ramalde era a agricultura. Como outras freguesias periféricas, os produtos agrícolas produzidos eram encaminhados para o centro do Porto que acumulava a maior parte da população da cidade e onde viviam os mais abastados. Atualmente, é um misto de zona rural e urbana, tendo ganho, há poucas décadas, uma zona industrial que tem vindo a ser substituída por serviços. Está ocupada também com importantes áreas de habitação social para a qual recebeu uma grande fatia da população do centro da cidade com poucos recursos. Alguns desses bairros correspondem à verticalização das ilhas do Porto, embora ainda subsistam ilhas “clássicas” nas zonas de Pedro Hispano e João de Deus, Francos, Ramalde do Meio, Requesende, Pedro de Sousa e Pereiro.
A Casa de Ramalde, obra de Nicolau Nazoni, é uma das importantes referências do património de Ramalde. Também é conhecida por Casa da Queimada por ter sido reduzida a cinzas, em 1809, pelas tropas francesas. Pela quinta passa o ribeiro da Granja. Esta casa pertenceu à família dos Leites do Porto, entre os quais João Dias Leite que instituiu o morgadio de Ramalde. Outra quinta que foi considerada das mais importantes do Porto, pertenceu  a D. António de Noronha e Meneses de Mesquita e Melo, fidalgo da Casa Real e cavaleiro da Ordem de Cristo. O projeto da Casa da Quinta da Prelada foi desenhado por Nicolau Nasoni, onde se previa a construção de quatro torres, mas só foi executado um quarto da obra. Mesmo assim, o resultado é magnífico, que sempre impressiona quem a vê. A quinta teve uma alameda com 400 metros da qual faziam parte os obeliscos da entrada que foram transferidos para o jardim do Passeio Alegre, na Foz do Douro. No extremo dessa alameda foi construído o Chafariz do Cágado. Infelizmente, encontram-se em ruínas a Casa e Capela da Quinta do Rio, localizadas junto à Quinta do Moinho e na confluência de dois ribeiros, um vindo do lugar do Seixo e o outro da Arca d’Água e que passa pela quinta da Prelada. A ponte de pedra existente no lugar foi recuperada há poucos anos com a recuperação da ribeira da Granja. Como instituição, destaca-se a presença do Hospital da Prelada da Santa Casa da Misericórdia do Porto.
Nesta freguesia existem mais duas quintas que tiveram a sua importância: a do Viso, que foi de Jerónimo Leite Pereira Pinto e Guedes, a de Ramalde de Baixo, que pertenceu a Florência Leite Pereira de Melo, e a Quinta do Mirante de Ramalde, no lugar de Francos, do holandês Arnaldo João Banzeler (mais tarde este apelido converteu-se em Vanzeler).
A freguesia de Ramalde ocupa a área de 5,8 km2. Em 2011, a população atingiu o valor de 38.012 habitantes, com um crescimento, desde 1991, de 4,7%, contrariando o que acontece na maior parte das freguesias do Porto. O índice de envelhecimento é de 138, bastante inferior ao do concelho e ligeiramente superior ao do pais.

Figura 1 - Mapa da antiga freguesia de Ramalde. Fonte: http://www.jf-ramalde.pt/files/MAPA.pdf, descarregado em 26/1/2019

A freguesia de Ramalde é limitada pela Avenida da Boavista, Avenida do Dr. Antunes Guimarães, Rua do Revilão, Estrada da Circunvalação até ao nó da Via Norte até encontrar a confluência da Rua da Nossa Senhora do Porto com a da Santa Luzia; seguindo por esta rua encontra e segue a Rua do Monte dos Burgos, Rua do Carvalhido, Rua da Prelada e Rua de Pedro Hispano até encontrar a Avenida da Boavista. Em Ramalde, nos seus 5,8 km2, vivem 38.002 pessoas (censo de 2011) com o índice de envelhecimento de 129.
Se considerarmos o valor médio da pluviosidade na cidade do Porto, entre 2000 e 2018, de 1123 mm, aquela que foi a freguesia de Ramalde recolhe, anualmente, cerca de 6.515.00 m3 de água da chuva. Como zona planáltica, uma importante parte dessa água alimenta o subsolo de Ramalde e a restante alimenta um dos mais importantes ribeiros do Porto. Infelizmente, a constante impermeabilização do solo faz com que ela se dirija rapidamente para outras paragens, não enriquecendo os lençóis freáticos. Sendo, até finais do século XX, uma zona rural, as populações serviam-se essencialmente de captações próprias, poços, não se encontram muitas fontes de uso público. J. Bahia Júnior descreve no seu estudo publicado em 1909 apenas três fontes daquela que era então a freguesia de Ramalde, a saber: Ponte de Ramalde do Meio, Andrêzas e Francos, sendo que considerava a primeira como “charco”. As mais belas fontes de Ramalde encontravam-se nas mais importantes quintas das quais restam alumas, constituindo elementos ornamentais dos seus jardins. Descrevê-las-emos em capítulo adiante.
A Fonte da Casa D. Manoel, embora privada, tinha o papel de uso público, favorecendo aqueles que não tinham na sua posse terreno que lhes pudesse dar água e viviam afastados das poucas fontes públicas da freguesia. Segundo Velásquez,1991: 212, terá existido “à entrada desta casa, gaveto da Rua da Prelada com a rua de Pedro Hispano, está uma pedra de espaldar, com uma linha de registos de água, que pertenceu a uma fonte ou arca”. A Fonte das Andrêzas esteve instalada do lugar das Andrêzas, próximo da Igreja de Ramalde. A sua água nascia das gretas do granito para um poço. Deste, a água alimentava, por meio de bomba, uma arca que tinha no seu frontispício a seguinte legenda: C. M. P. – 1899 (J. Bahia Júnior, 1909: 93). A arca alimentava a bica da fonte e os lavadouros municipais que ainda existiam em 1938. A água da Fonte das Andrêzas foi considerada por J. Bahia Júnior como de péssima qualidade microbiológica, com título coli – bacilar de 0,01.

Figura 2 – Fonte das Andrêzas. Fotografia de J. Bahia Júnior, 1909: 93

A Fonte da Ponte de Ramalde do Meio, com nascente própria, situava-se junto da ponte que ligava a Rua de Ramalde do Meio e a do Viso, de costas para o ribeiro que passava debaixo da ponte. Tratava-se de um charco protegido por trincheiras para a defender de outras águas e coberta por lajes de granito (J. Bahia Júnior, 1909: 93). Microbiologicamente, a sua água era classificada como muito má, com o título coli – bacilar de 0,1. (J. Bahia Júnior, 1909: 23).

Figura 3 – Fonte da Ponte de Ramalde. Fotografia de J. Bahia Júnior, 1909: 93

A Fonte de Francos situava-se na Rua Direita de Francos, no começo da Rua das Andrêzas. Ela tinha uma bica, tanque e lavadouros (J. Bahia Júnior, 23). A sua água terá sido considerada como bacteriologicamente imprópria (J. Bahia Júnior, 23), recebendo mesmo a classificação de água de qualidade microbiológica péssima (J. Bahia Júnior, 111). Bahia Júnior registou os resultados das análises microbiológicas realizadas, pelo o Curso Sanitário de 1903 – 1904, em amostras de  água da Fonte Lopes colhidas no seu charco e no lavadouro que levaram a considerá-la foi como má (J. Bahia Júnior, 1909 :23). Situação idêntica ocorreu com outra fonte, a do Alves, que também servia água de má qualidade.

Figura 4 – Percurso da ribeira da Granja coberta por vegetação. Ao fundo, a estrada da Constituição, sob a qual ela passou.

A Ribeira da Granja, também conhecida, hoje e no passado, pelos nomes de Agra, Ramalde, Lordelo, Ouro, Grijó, Penoucos, Ouro, Ratas, Naus, Maiorca, N. ª S.ª da Ajuda ou de Francos[2], é, daquelas que atravessam a cidade do Porto, o curso de água mais extenso, com cerca de 6,5 km, dos quais cerca de 80% estão encanados. A sua bacia hidrográfica ocupa cerca de 25 % da área da cidade do Porto. Nasce no lugar do Seixo, Padrão da Légua, concelho de Matosinhos. Atravessando a Estrada da Circunvalação, entra no Porto no Monte dos Burgos, correndo a céu aberto entre a rua das Cegonhas e o Caminho das Congostas, pelas traseiras da escola EB 2/3 do Viso, entre esta e a rua Artur Brás e a antiga Quinta do Moinho. Em 2011, foi desentubado o troço da Quinta do Rio tendo transformado aquele lugar num espaço de lazer e recreação, infelizmente com muito pouca utilização pela população. Junto à Travessa da Senhora do Porto (antiga Travessa de Requesende), recebe[3], no antigo Lugar do Moinho, um regato, denominada ribeiro de Ramalde, que nasce na Arca d’Água, freguesia de Paranhos, e que passa pelo lugar da Prelada, desta mesma freguesia.


Figura 5 – A ribeira entre as traseiras da Escola E/B 2/3 do Viso e a rua Artur Brás. O espaço que se vê foi recuperado pela C. M. do Porto.

A ribeira, agora mais caudalosa, segue a céu aberto mostrando o seu esplendor num espaço revitalizado pela CMP e com excelentes características para receber aqueles que queiram praticar a marcha e a corrida. Recebe depois, junto da estação do metro em Ramalde, um outro riacho vindo do Viso de Cima, seguindo então em direção ao rio Douro parcialmente encanado. É visível em Bessa Leite, na sua passagem por debaixo da Via de Cintura Interna em direção à rua de Grijó, sendo perfeitamente observável, após ter sido, em 2013, desentubado e reabilitado, por iniciativa privada, ao atravessar a rua de Serralves, junto ao Bairro Pinheiro Torres, onde se pode ver uma bela cascata e as ruínas de um moinho, observando-se aí um dos mais belos trechos da ribeira. Um rápido junto à rua Dr. Nuno Pinheiro Torres e Tv. da Mouteira termina num último encanamento que leva a ribeira, por baixo do separador central da rua Aleixo da Mota[4] até ao Rio Douro, no lugar a que chamam Ponte do Ouro.

Figura 6 – Troço após a ponte de Ramalde do Meio e depois de receber o ribeiro de Paranhos.


Figura 7 – A ribeira aproximando-se da embocadura que a leva encanada desde a estação de metro de Ramalde até Bessa Leite, depois de passar debaixo da Via da Cintura Interna

  
Figura 8 – A ribeira da Granja depois de atravessar a rua de Serralves, vendo-se um açude que alimentava um moinho, hoje em ruínas cobertas por densa vegetação.

Figura 9 – A ribeira emparedada, atravessando o Bairro Pinheiro Torres.

A Ribeira da Granja alojou, no troço entre a atual estação do metropolitano de Ramalde e a sua foz, importantes unidades industriais. A Fábrica de Lanifícios de Lordelo ou Fábrica dos Panos esteve implantada junto à ribeira da Granja, da qual aproveitava a sua água limpa e lhe retirava energia hidráulica. Esta fábrica terá arrancado em 1805 e, em 1832 deixou de funcionar por ter sido ocupada militarmente. A Fábrica da Aluminia, Lda. que se localizou bem junto à ribeira na Rua da Pasteleira, iniciou a sua atividade no princípio do século XX fabricando utensílios de cozinha. Na década de 1950 passou a produzir reservatórios de pressão para gases de petróleo liquefeitos. Em 1980, a empresa passou a chamar-se Comanor (Companhia de Manufacturas do Norte, SA) e encerrou as atividades em 1994. Sobre o destino desta fábrica vale a pena ler o artigo  de Ana Cristina Pereira e Vítor Ferreira Publicado na Pública em 10 de 0utubro de 2010, pp. 32 – 41, com o título “Aqui não dá para ser o que uma pessoa é”. Os problemas sociais descritos nesse artigo subsistem. Outra importante empresa foi Fábrica de Fiação e Tecidos William & John Graham & Co, cuja atividade teve início na última década do século XIX, e encerrou nos anos 1950. Também conhecida como Fábrica dos Ingleses, localizava-se próximo da ribeira no local onde hoje se encontra a Urbanização do Foco. Nesse local existiu no princípio do século XX uma fábrica de curtumes. Seguindo aquele exemplo e a antiga tradição tripeira da curtimenta, foi instalada na Rua de Bessa Leite a Fábrica de Curtumes do Bessa, demolida em 2000. A indústria de seda artificial, com importante consumo de água e fortemente poluidora, também estava representada na área da ribeira da Granja com a Fibra Comercial Lusitana, Lda.  O fabrico de papel também estava presente com a Fábrica de Papel Velho (Sul), na Rua de Serralves, e a Fábrica de Papeis Pintados e Papel Higiénico Veludo, na Avenida da Boavista. Em 1967, a RAR – Refinarias de Açúcar Reunidas – inaugurou as suas novas instalações na margem direita da ribeira, na zona industrial criada pela Câmara Municipal do Porto à Via Rápida.

Figura 10 – Alguém negará a beleza deste troço da Ribeira paralelo à rua Dr. Nuno Pinheiro Torres


Figura 11 – Continuação do rápido visível na fotografia da figura 10.


Figura 12 – Aqui a ribeira se despede dos portuenses, seguindo, encanada, até ao rio Douro.

Em 2001, Paula Reis (2002) verificou que determinou a ribeira da Granja era a linha de água mais poluí do rio Douro ao transportar uma carga orgânica média, com base em amostras recolhidas próximo da sua foz, em 31 ton/dia de carga orgânica, com valores variando entre 14 e 45 ton/dia. A CQO determinada nas seis amostras recolhidas em três meses era equivalente ou superior à normalmente determinada em águas residuais domésticas. Próximo da sua entrada no concelho do Porto o valor correspondente era de 1,4 ton/dia. O encerramento da indústria mais poluente nos últimos anos terá alterado completamente o aspeto da Ribeira da Granja. Infelizmente, não conhecemos qualquer caracterização atual da ribeira, mas os passeios que realizámos ao longo dos troços acessíveis, sugerem-nos que a qualidade da água da ribeira terá recuperado notavelmente. O aproveitamento do belo trecho da ribeira entre a Rua de Serralves e a Travessa da Mouteira deve entrar nos planos da nossa Câmara, não esquecendo a necessidade de nele entrar o aspeto social nas zonas degradadas, como, por exemplo, as ruínas dos moinhos por baixo da ponte da Rua de Grijó e as fábricas abandonadas.



CONTINUA....



[1] Junta de freguesia de Ramalde, História da freguesia de Ramalde, http://www.jf-ramalde.pt/p90-historia-pt consultado em 27/1/18.
[2] Paula Reis, 2002.
[3] Só a partir desta reunião se deve atribuir à ribeira o nome de “Granja”.
[4] Em 16/4/2013, ocorreu um abatimento do pavimento da rua Aleixo Mota junto ao Clube Fluvial Portuense no local de passagem da ribeira da Granja entubada. Sentia-se um forte cheiro a esgoto vindo da cratera aberta.