segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

parte IX


O Jardim da Arca d’Água, na Praça 9 de Abril, foi inaugurado em 1928 e deve o seu nome às 3 nascentes de Paranhos (Arca d’Água) que foram o sustento de muitas fontes e chafarizes do Porto, até finais do século XIX. Apresentava então um lago e uma imponente gruta. Na altura da sua inauguração foram plantadas uma centena de plátanos a delimitar as largas alamedas laterais. Desde então, foram efetuadas alterações na sua composição para melhor adaptação aos seus utilizadores. Em 1972, foi inaugurada a escultura de Charters d’Almeida intitulada “A Família”.


Figura 1 – A escultura “A Família” de Charters d’Almeida

O Manancial de Paranhos, conhecido, pelo menos, desde 1120[1], foi, e ainda o é, o mais importante do Porto. Para Bourbon e Noronha, dos sete mananciais da cidade era o único que merecia tal designação. Ele situava-se, bem como a arca fechada com porta e chave, num lugar há séculos conhecido como Arca de Água, na estrada que ia do Porto para Braga, ao quilómetro 3. No tempo de Adriano Fontes[2] chamava-se Largo da Arca d’Água, e era, para este autor, um lugar espaçoso, “aberto e inteiramente descurado e coberto pela vegetação do acaso; é mesmo notável que em tal recinto abundem porcarias de varias espécies, entre as quais sobressai uma grande quantidade de dejectos humanos mesmo junto à Arca. É neste campo que nos últimos anos a Câmara do Porto tem permitido a instalação da chamada Feira do S. Miguel”, que foi para ali transferida, vinda da rotunda da Boavista, em 1903 e aí se manteve até 1916 ou 1917[3]. O autor realçava assim a falta de cuidado que então existia em proteger as fontes de água de abastecimento público, aumentando consideravelmente os riscos da sua contaminação. Este mau princípio aconteceu ali, naquele Largo, como ao longo do percurso do aqueduto, detalhadamente descrito por Adriano Fontes, e nas outras áreas da cidade onde residiam os mananciais que davam de beber aos cidadãos do Porto.


Figura 2 – A entrada para a Arca d’Água, correspondente à parte do Manancial de Paranhos chamada Arca Nova (Adriano Fontes, 1908, pág. 46)

Figura 3 – O local onde se encontrava a edificação da figura 2 e foi substituída pela entrada coberta pela tampa que se vê nesta fotografia.

A abundância de água no manancial de Paranhos era bem conhecida no reinado de D. Sebastião. Como a falta de água na cidade era evidente, os cidadãos do Porto pediram ao Rei que autorizasse a canalização daquela água, para a qual o povo do Porto manteve a oferta de mil cruzados para as despesas da obra. D. Sebastião acedeu ao pedido, mas o Alvará perdeu-se no caminho de Lisboa para o Porto (Fontes, 1908). Apenas em 1579, durante o reinado de Filipe I, II de Castela, foi concedido o Alvará que ordenava a construção do aqueduto que devia levar a água das três fontes de Paranhos para a cidade do Porto. Era o cumprimento de um longo anseio do povo do Porto que se traduzia no título do Alvará de 20 de novembro de 1579: “que se traga a água de Paranhos”. A petição do povo foi acompanhada da oferta de mil cruzados para a ajuda da despesa. O Alvará determinava que os custos da obra fossem cobertos pelas receitas do Rendimento da Imposição do Vinho e do Sal, e dos Sobejos dos Crescimentos das Sisas[4]. A água de Paranhos chegou à cidade em 1607, mas a falta de qualidade do trabalho realizado obrigou a reparações em 1660, pelo que se considera que a obra apenas foi terminada em 1669. A falta de conservação do aqueduto era recorrente, levando o Padre Rebelo da Costa[5]  a escrever que ”bastaria o Manancial copiosíssimo da Freguesia de Paranhos para serviço de toda a Cidade, se a Câmara cuidasse na direcção do seu aqueduto que por ser irregular, roto e arruinado em muitas partes, e estar patente a quem quer extrair água para regar os seus jardins e hortas, segue-se que nos tempos chuvosos ela se converte em lama com gravíssimo prejuízo do Público”. Admitia este autor que era mais importante dedicar o orçamento da Câmara à manutenção do aqueduto do que à “abertura de novas e desnecessárias ruas”.

Figura 4 - As primeiras linhas do Alvará de 1579. Extraído de uma cópia fotográfica de Emílio Biel, reproduzida por A. Fontes, 1908, pág. 38.

A água do manancial rompia em borbotões em três fontes que se reuniam num “magnífico encanamento, largo, espaçoso e solidamente feito[6], no fundo em duas arcas conhecidas por “Arca Nova” e “Arca Velha”, e daí abasteciam muitas fontes públicas e bastantes particulares. O caudal que daquelas arcas seguia para a cidade era, segundo Balthazar Guedes, de manilha e meia de água, correspondente a 244.224 litros por dia[7]. O Padre Balthazar Guedes foi responsável pela primeira descrição escrita do percurso do aqueduto que vinha para a cidade com água, exclusivamente, do manancial de Paranhos[8]. O encanamento tinha início na Arca seguindo a água até à estrada de Braga onde havia uma bica em pedra (Fonte da Arca) e onde foram construídos os lavadouros[9]. Dali, ele seguia, acima do solo ou em caleira apoiada em arcos, pelos sítios da Devesa do Agueto e do Amial, do lugar de Regado. Continuava seguindo pelo Monte Pedral e, atravessando diversos campos, chegava até à entrada de Cedofeita, um pouco acima do lugar do Ribeirinho. Passando por trás dos Ferradores, alcançava a Porta do Olival onde alimentava o Chafariz do Olival e fornecia três anéis às cadeias. Na Porta do Olival o aqueduto dividia-se em dois: um fornecia meio anel aos Padres Bentos como compensação do anel que de uma sua arca era integrado no aqueduto de Paranhos, e o outro chegava à travessa que ia para a do Ferraz, fornecendo aí três penas (30.528 litros por dia) ao Hospital de Roque Amador. Este aqueduto descia pelo Beco do Ferraz até à Rua das Flores onde se dividia em dois ramos: um dirigia-se para o chafariz que estava abaixo da Misericórdia; o segundo seguia para o Largo de São Domingos, Rua das Congostas e terminava na Fonte da Rua Nova, que também era conhecida pelo nome de Fonte de Paranhos.



Figura 5 - Plano topográfico de todos os caminhos, lugares e propriedades por onde passa o encanamento de água que vem da Arca de Paranhos ao novo Aqueduto de Salgueiros, e daí para a cidade (1826) (Fonte: Arquivo Municipal do Porto).

Figura 6 – Troço do primeiro aqueduto aberto no granito (Fonte: A. Fontes, 1908, pág. 51).

Como o primeiro aqueduto foi feito ao sabor dos interesses dos mestres pedreiros, a sua degradação foi-se tornando evidente, perdendo-se muita água e obrigando a reparações quase permanentes. Para reforçar o abastecimento de água à cidade, em 1790, iniciou-se a construção do aqueduto do Manancial de Salgueiros, com origem na atual Rua Antero de Quental, antiga Rua da Rainha, “junto da casa n.º 79” (Gomes Leite, 1836) que seguia em direção ao lado norte da Rua da Boavista. Em 1825, foi aprovado um novo encanamento para a água de Paranhos que devia incorporar-se ao de Salgueiros e daí seguir para a cidade. A reunião dos aquedutos de Salgueiros com o de Paranhos apenas ocorreu em 1838, data da conclusão da obra. A água seguia em caleiras em granito, em tubos de ferro ou de chumbo, em galerias enterradas e parte a descoberto, tendo este troço uma extensão de 1.300 metros. Ao aqueduto eram ainda acrescentadas águas de outras minas pertencentes a particulares que, por acordo com a Câmara, recebiam uma parte dela na residência que tinham na cidade.

Figura 7 – Pavimento da segunda mina de Paranhos, vendo-se as escorrências de infiltrações (letra O), a caleira de Paranhos (P) e uma pia de sedimentação (Fonte: Adriano Fontes, 1908, pág. 56).

Figura 8 – Cotovelo da mina da Rua da Rainha (Antero de Quental) (Fonte: A. Fontes, 1908, pág. 77).

A descrição do aqueduto de Paranhos feita, em 1836, por Gomes Leite é diferente da de Souza Reys devido às correções que foram feitas no seu percurso inicial. Mas a descrição mais completa e com o sentido de verificar as condições sanitárias da água foi feita, em 1908, por Adriano Fontes. A descrição feita corresponde ao caminho que ele tem agora, embora não possa ser percorrido como ele, e um dos autores deste blog o fez, devido à falta de segurança que o aqueduto oferece. Segundo aquele autor, reunidas as águas, elas são encaminhadas, num percurso de 744 metros (948 m, segundo Chaminé et al, 2010[10]), para a Rua Nova do Regado junto ao Matadouro Novo, onde hoje se encontram os serviços da Direção Municipal de Proteção Civil, Ambiente e Serviços Urbanos da CMP. Para aí chegar passa pelas Ruas do Vale Formoso e da Bica Velha. Na Rua Nova do Regado saíam dois canos: um para as Fontes do Matadouro (exterior e interior); o outro, de chumbo, seguia pelo sítio do Cónego Barreto para alimentar as Fontes de Nove de Julho e da Nataria. O aqueduto seguia então em direção aos campos, hoje totalmente ocupados por habitações, situados a norte da Rua da Boavista e a poente da Rua de Salgueiros, num percurso de 1288 metros. Parte do encontro das ruas de São Diniz e de Serpa Pinto, segue parte desta rua e dirige-se para o Monte Pedral. Neste trajeto alimenta a Fonte da Rua de Burgães, da qual diz Adriano Fontes “não há na repartição das águas a mais ligeira notícia”. Passando a rua que deu nome a esta fonte, atravessa a Rua do Melo e, nos terrenos que foram a Quinta das Beldroegas, junta-se ao Aqueduto de Salgueiros, muito próximo da atual estação de metro da Lapa. A reunião dos dois aquedutos ocorreu em 1892.

Figura 9 – Ponto de encontro dos aquedutos de Paranhos (P) e de Salgueiros (S): caleira de pedra de Paranhos (letras brancas CP), que termina na pia donde parte o cano de ferro (letras negras CP) que conduz apenas a água de Paranhos; caleira em telha de Salgueiros (letras brancas CS) desaguando na pia (ps), e seguindo em caleira de pedra; o cano de ferro que se vê à direita conduz a água à Fonte das Oliveiras (Fonte: A. Fontes, 1908, pág. 57).

Reunidos os aquedutos, as águas de Paranhos e de Salgueiros seguiam, misturadas, até à Arca de Sá de Noronha, onde chegou pela primeira vez em “7 de agosto de 1838 às 9 horas e 10 minutos da manhã”[11], num percurso da ordem dos 1.300 metros. Chaminé et al., 2010, consideram, para além da primeira secção até à rua Nova do Regado (948 m), a segunda secção desde esta rua até à rua dos Bragas (1817 m) e a terceira desde a rua dos Bragas até à Arca de Noronha, na Praça Gomes Teixeira (524 m), perfazendo o aqueduto um total de 3.289 metros. Mais tarde ligou-se à Arca do Anjo que se situava no Mercado do Anjo, junto à Igreja dos Clérigos, aberto em julho de 1839. Devido à diferença na qualidade das duas águas, Ricardo Jorge recomendou a sua separação, o que aconteceu em 1892 com a instalação de um tubo de ferro para a passagem da água de Paranhos.

Figura 10 – A Arca Sá de Noronha, em 2018, vista da Praça de Gomes Teixeira, popularmente conhecida como Praça dos Leões.

O aqueduto comum segue na direção da rua da Boavista, alimentando a Fonte do mesmo nome, entra nos terrenos onde existiu a quinta do Figueiroa, passa os terrenos que pertenceram à quinta de José Ribeiro Braga, e a Rua dos Bragas onde tinha uma derivação para alimentar um anel e meio (1.908 litros por dia) de água às Fontes da Rua de Cedofeita e do Campo Pequeno (Largo da Maternidade) e da Rua do Triunfo (D. Manuel) ou Torre da Marca. A partir desse ponto, o aqueduto sai para a Praça do Mirante e segue para a Rua das Oliveiras onde fornecia duas penas de água a José Braga e Irmã, três penas (3.816 litros por dia) a Manuel Araújo, e duas penas (2.544 litros por dia) ao Visconde de Balsemão. Alimenta ainda a Fonte das Oliveiras. Posteriormente, seguia pelo Largo do Moinho de Vento até à Praça de Santa Teresa onde fornecia água à Fonte da dita praça e quatro penas (5.088 litros por dia) de água para o Recolhimento do Anjo. Também recebiam água deste aqueduto a Fonte da Fábrica do Tabaco, cujas vertentes seguiam para as Carmelitas (duas penas, 2.544 litros por dia), para João Souto (meio anel, 636 litros por dia), Hospital Real de Santo António da Cordoaria (um anel e meio, 1908 litros por dia) e Convento das Carmelitas (meio anel, 636 litros por dia).

O aqueduto principal seguia, em 1836, até à Feira do Pão e Rua do Anjo onde existia uma divisão em dois ramos: um que abastecia a Fonte da Oliveira e a Arca de Sá de Noronha; no outro, a água seguia para as fontes da Praça de Santa Teresa e Rua dos Ferros Velhos. Daquela Arca partiam, a partir de 1839, dois canos que alimentavam o reservatório do mercado do Anjo, a Arca do Anjo, donde saíam vários tubos em chumbo, de entre os quais um primeiro descia a Rua dos Clérigos, Largo dos Lóios e acabava numa pia da Rua dos Caldeireiros. Da pia saíam dois tubos de ferro até à Rua das Flores, dirigindo-se um deles, de ferro, pela rua do Souto ao encontro da Rua de Mouzinho da Silveira para alimentar a bica poente da fonte com o nome daquela rua; o segundo tubo, de chumbo, acompanhava a rua das Flores, o lado poente do Largo de São Domingos e alimentava as duas bicas do Chafariz que aí existia. Dali, passava por São Crispim e Rua das Congostas, onde alimentava o seu Chafariz, terminando no Chafariz do Largo da Ribeira, onde chegou em 1891, substituindo a água do manancial de Malmajudas que foi destruído devido a uma derrocada da escarpa dos Guindais, deixando de abastecer as fontes que dele dependiam, entre as quais a fonte da Rua de São João. A pedido dos moradores da Ribeira, a Câmara mandou canalizar a água desde a Fonte de São Domingos até à Ribeira. Terminava aqui a longa caminhada da água de Paranhos e Salgueiros.

O segundo tubo com origem na Arca do Anjo passava pela Rua da Academia Politécnica, lado nascente do Jardim da Cordoaria, onde alimentava a sua Taça, e terminava numa pia enterrada e mal protegida, donde se abasteciam os Chafarizes do Olival e da Rua das Taipas, Torneira das Sardinheiras e Fonte do Mercado do Peixe, A Fonte do Reguinho ou da Rua Comércio do Porto e a de Miragaia. Deste ramo eram servidos alguns particulares, entre os quais se destacam os Clérigos Pobres, a Cadeia da Relação, Religiosos Beneditinos, Hospital da Cordoaria e Recolhimento do Anjo.

Figura 11 – Interior da Arca de Sá de Noronha, mostrando as pias onde caíam separadamente a água de Paranhos (P) e a de Salgueiros (S) (Fonte: A. Fontes, 1908, pág. 61).

Os dois mananciais forneciam dezanove fontes públicas, começando pela da Arca com os seus lavadouros que ficava muito próxima do manancial de Paranhos e ao lado da estrada que seguia para Braga. Desde a mina sudeste do Largo da Arca d’Água à Rua Costa e Almeida até à Arca do Anjo, onde se misturavam as águas de Paranhos e de Salgueiros, distam cerca de 3.500 metros. A Fonte da Praça da Ribeira era a última que recebia a água resultante da mistura dos dois mananciais.

A.      Fontes e Chafarizes que, a partir de 1892, recebiam, exclusivamente, água do Aqueduto de Paranhos:

·         A Fonte da Arca de Água, instalada na atual Praça 9 de Abril, próximo das nascentes de água do manancial de Paranhos. Em 1825, foi transferida para o lado ocidental da estrada de Braga. Junto a si estavam os lavadouros ainda existentes. A fonte apenas tinha uma bica em pedra rente ao solo. Esta situação levou a Junta de Freguesia de Paranhos, em 1846,  a apresentar, sem sucesso, uma reclamação numa sessão da Câmara.

Figura 12 - Fonte de Arca de Água (F) (Fonte: A. Fontes, 1908, pág. 64)

Figura 13 – Local onde esteve a Fonte de Arca d’Água e agora se encontra um lavadouro sem uso.

Figura 14 – Fonte de Burgães, situada na rua do mesmo nome (Fonte: A. Fontes, 1908, pág. 73).

·         No Matadouro Público de Paranhos foram instalados o Tanque - reservatório do Matadouro ou Tanque das Fressureiras, a Fonte Interior do Matadouro, colocada inicialmente no centro do pátio do matadouro, edificados, talvez, ao mesmo tempo que este estabelecimento, eventualmente, 1844 segundo a ata de 15 de Janeiro desse ano (Fontes, 1908). Este equipamento recebia a água diretamente do aqueduto. Para servir os habitantes da área foi construída a Fonte Exterior do Matadouro e Abegoaria, atualmente do Regado, com o seu tanque. Esta fonte, ainda existente, é monolítica e tem uma única bica.

Figura 15 – Fonte exterior do Matadouro, situada na Rua do Regado (Fonte: A. Fontes, pág. 65).

Figura 16 – Fonte do Regado, em Janeiro de 2018

Figura 17 – Fonte interior do Matadouro (Fonte: A. Fontes, pág. 66).


·         A Fonte da Rua da Bica Velha[12] foi construída em 1718, numa Travessa que ligava o Matadouro à Rua 9 de Julho. Era uma fonte de espaldar e com uma única bica. Dela restam os elementos decorativos que se podem ver no número 199 da Rua Freire de Andrade. Segundo Souza Reys, esta fonte estava sempre imunda porque servia para a lavagem dos miúdos dos bois abatidos no Matadouro Municipal que ficava próximo. Esta foi a razão para a sua transladação, em 1865,  para o lado sul da mesma rua. Como a mudança não resolveu o problema, ela foi desmantelada e reconstruída na Rua da Natária[13], em 1896, passando a chamar-se como Fonte da Natária porque estava nessa rua.

Figura 18 – Fonte da Natária (Fonte: A. Fontes, 1908, pág. 67)

·         A Fonte da Rua 9 de Julho, começou por se chamar do Cano ou do Carvalhido, mais tarde Falperra e finalmente da Rua 9 de Julho, foi instalada na parte nascente da citada rua de Falperra, antes de 1770 (Fontes, 1908). A fonte existia ainda em 1908.

Figura 19 – Fonte 9 de Julho, situada entra a rua deste nome (à esquerda) e a dos Arcos (à direita) (Fonte: A. Fontes, 1908, pág. 68).

A.      Fontes que usavam a mistura de água de Paranhos e Salgueiros mas que, depois de 1892, passaram a receber exclusivamente água do Aqueduto de Paranhos:

·         A Fonte da Rua da Boavista, situada no lado sul desta rua entre propriedades de particulares, terá sido construída entre 1816 e 1822. A fonte foi feita a pedido de Manuel Figueiroa Pinto, proprietário da Quinta de Santo Ovídio, que cedeu os terrenos para a abertura da Rua da Boavista e passagem do aqueduto de Paranhos e Salgueiros. Esta fonte tinha uma única bica que recebia a água de uma pia que se encontrava na traseira da frontaria. Adriano Fontes indignou-se pelo dístico inserido na fonte que informava ser a “Água Boa”, quando a sua contaminação no aqueduto que abastecia a fonte era evidente e como o demonstrou a análise bacteriológica.

Figura 20 – Fonte da Rua da Boavista (Fonte: A. Fonte, 1908, pág. 70).

·         A Fonte da Rua de Cedofeita, esteve localizado na rua que lhe deu o nome no prédio com o n.º 376, em frente da Rua da Torrinha, foi construída, em 1826, sob um arco de cantaria que tinha por cima uma casa particular ainda de pé. Ocupava uma área de terreno cedido por José Ribeiro Braga, proprietário de vastos terrenos naquela zona entre os quais a Quinta do Mirante, por troca de uma pena e meia de água (1968 litros por dia). Em 1893, foi reduzido o tamanho do tanque para que aqueles que ocorriam à fonte estivessem abrigados da chuva. Uma parte da taça e a base desta fonte,  encontram-se nos Jardins do SMAS.

Figura 21 – A Fonte da Rua de Cedofeita no tempo em que o prédio que a incorporava albergava o Colégio Von Hafe (Fonte: Adriano Fontes, 1908, página 39)

Figura 22 – Parte da Fonte da Rua de Cedofeita existente nos Jardins dos SMAS.


·         O primeiro Chafariz do Campo Pequeno, localiza-se na Praça que teve aquele nome, então mais conhecido por Largo dos Ingleses, nos nossos dias Largo da Maternidade. A sua construção terá sido concluída entre 1826 e 1828. Tinha duas bicas encravadas numa pirâmide quadrangular e tanque. O atual Chafariz foi construído, em 1894, no local onde hoje se encontra.

Figura 23 – O Chafariz do Campo Pequeno, construído em 1894 (Fonte: Adriano Fontes, 1908, pág. 30).

Figura 24 – O Chafariz do Campo Pequeno, nos nossos dias.

·         A Fonte da Rua do Triunfo, encostada ao muro do quartel do Regimento de Infantaria 6, na então Rua dos Quartéis, hoje de D. Manuel II, resultou da transferência para aquele lugar, provavelmente em 1902, do Chafariz da Torre da Marca, que terá sido construída entre 1855 e 1863. A partir da Fonte da Rua do Triunfo eram abastecidas as cozinhas do quartel e os seus jardins regados com as vertentes da fonte.

Figura 25 – Fonte da Rua do Triunfo (Fonte: A. Fontes, 1908, pág. 70).

·         Até 1823, existiu no lugar conhecido como Feira do Pão, um Chafariz que foi substituído por outro mais nobre na nova Praça de Santa Teresa, atual Praça Guilherme Gomes Fernandes. A Fonte da Praça de Santa Teresa que tinha junto um grande tanque para armazenar as águas excedentes ao consumo. A fonte tinha três carrancas, duas das quais vieram da Fonte da Natividade que para ali foram transferidas em 1833 quando da demolição daquela fonte. As duas carrancas encontram-se atualmente nos jardins do Palácio de Cristal. A Fonte da Praça de Santa Teresa foi demolida em 1905 e, em lugar situado no ângulo sul daquela praça foi substituída pelo Marco Fontenário de Santa Teresa, que tinha duas funções: servir a população e dessedentar os animais. Este marco fontenário tinha um candeeiro que iluminava o local. Quando, em 1915, se deu a remodelação da praça o fontanário foi definitivamente removido para dar lugar ao monumento a Guilherme Gomes Fernandes.

Figura 26 – Aguadeiros enchendo os seus cântaros no Marco Fontenário da Praça de Santa Teresa (Fonte: A. Fontes, 1908, pág. 71).

·         O Chafariz da Fábrica do Tabaco, ou da Praça do Tabaco ou do Largo do Correio ou dos Ferros Velhos, foi construída a pedido feito, em 1718, por Diogo dos Santos Mesquita e Manoel de Souza Porto, que introduziam no aqueduto, perto da Arca de Paranhos, três anéis de água (90.528 litros de água por dia). O pedido indicava também a necessidade de construir a Fonte das Oliveiras. Esta fonte estava situada na “antiga Rua Rainha D. Amélia (hoje Rua Cândido dos Reis), no espraiado onde funcionou um mercado de Ferros-Velhos” (Marçal, 1968). Fonte, 1908, descreve a chegada da água ao chafariz através de um cano que na parte terminal era “formado de duetos de grés assentes a pequena distância da superfície do solo, conspurcado pela urina e até pelas fezes humanas”. Esta falta de cuidado resultava em forte contaminação bacteriológica da água, tornando-a imprópria para consumo. Em 1864 Gavand determinou a dureza total da água desta fonte, tendo obtido o valor de 5 graus franceses.

Figura 27 – Taça do Jardim da Praça de Carlos Alberto, igual às existentes nos Jardins da Cordoaria e de São Lázaro (Fonte: A. Fontes, 1908, pág. 100).

Figura 28 – Marco fontenário da Praça de Carlos Alberto, igual ao que foi colocado na Praça da Batalha (Fonte: A. Fontes, 1908, pág. 101).


C.      Fontes exclusivamente fornecidas com água do manancial de Salgueiros:
·         Fonte da Rua das Oliveiras - esta fonte, apenas com uma bica, substituiu outra, muito antiga, que ficou soterrada quando se nivelou a rua, foi construída após acordo com a Câmara assinado em agosto de 1718. Em 1810, a Câmara comprou uma faixa de terreno para alargamento da rua das Oliveiras e para deslocar, para nascente, aquela fonte. Em 1842, a Câmara decidiu acrescentar-lhe mais duas bicas, embora apenas funcionassem as duas laterais. Admite-se, ainda que na mesma data lhe tenham sido acrescentados a concha e o peixe. Devido à confusão que ela gerava entre os que passavam e aqueles que queriam abastecer-se de água, em dezembro de 1866 foi removida daquele sítio e mudada, em 1879-1881, para a bifurcação das ruas dos Mártires da Liberdade e do General Silveira, no atual Largo Alberto Pimentel. Em 1908, esta fonte apresentava o triângulo negro junto da bica do lado direito, sinal da falta de qualidade da água (Fontes, 1908). Adriano Fontes sublinhava a falta de critérios com que a Câmara classificava a qualidade da água das fontes, dando como exemplo a falta daquele dístico no Fontanário da Praça Carlos Alberto, que também recebia água de Salgueiros[14] mas com maior risco de contaminação da água em parte do percurso final em canal aberto, enquanto que o da Fonte das Oliveiras se fazia em tubo de ferro.

Figura 29 – A Fonte das Oliveiras, em Janeiro de 2018

·         Adriano Fontes descreve um cano de chumbo que, saindo da caleira de água de Salgueiros na entrada da Rua das Oliveiras, se dirigia, acompanhando um tubo de esgoto, para a Praça Carlos Alberto. Aqui chegando, dividia-se em dois ramos, um alimentando a Taça do Jardim da Praça de Carlos Alberto que se encontrava em frente à Farmácia Lemos, e o outro servia o Bebedouro ou Marco Fontanário da Praça Carlos Alberto, oferecido pela Sociedade Protetora dos Animais[15], colocado em frente à Travessa Sá de Noronha. Este marco fontanário, como alguns outros instalados na cidade, era construído, em ferro fundido, na Fundição do Bom Sucesso. Tinha duas taças: uma, superior, para os cavalos beberem, a outra, inferior, para os cães e gatos. No topo do marco existia um lampião para iluminação. Por baixo do lampião pendia uma placa onde se lia: “Não nos cansemos de fazer o bem. O homem é o rei dos animais mas não deve ser o seu tirano – SOCIEDADE PROTECTORA DOS ANIMAES – FUNDADA NO PORTO EM 1878 – Doado à sociedade por JULIO D’ANDRADE”. Atualmente encontra-se nos jardins do SMAS, na rua Barão de Nova Sintra.



Figura 30 - Marco fontenário da Praça Carlos Alberto (Cliché Alvão)

D.      Fontes que recebiam, a partir de 1839, mistura da água dos Mananciais de Paranhos e Salgueiros
·         Chafariz do Mercado do Anjo - terá sido herdado do Convento de S. José e Santa Teresa das Carmelitas Descalças que abandonaram o convento em 1832. Durante a construção do Mercado do Anjo, inaugurado em 1839, o chafariz foi transferido para o seu centro onde também existia um coletor que permitia repartir a água por outros pontos. O chafariz destacava-se pela grade que tinha sobre a parede do tanque que assim evitava que a sua água fosse usada para lavagens. A este Chafariz estava associada a fonte que se encontrava junto à Escadaria do Mercado, quando se descia deste para a Rua de S. Filipe. Germano Silva chama-lhe Fonte dos Clérigos, assinalando que era junto dela “que funcionavam as barracas das toucinheiras e o setor das flores”. Estas duas fontes, bem como todas as outras que se encontravam no seguimento do aqueduto de Paranhos e Salgueiros, eram abastecidas a partir da Arca do Anjo que se encontrava no limite ocidental do mercado, de costas para o edifício da Academia Politécnica, hoje Reitoria da Universidade do Porto.

Figura 31 – A Arca do Mercado do Anjo em 1908 (Fonte: Adriano Fontes, 1908, pág. 24)

Figura 32 – Chafariz do Mercado do Anjo (Fonte: A. Fontes, 1908, pág. 102)

·         A Taça do Jardim da Cordoaria era idêntica à da Praça de Carlos Alberto. Era abastecida diretamente por meio de um tubo de chumbo que partia da Arca do Anjo. Segundo A. Fontes, a água era contaminada bacteriologicamente no seu percurso devido à existência de pequenas rupturas no encanamento.

Figura 33 – Taça do Jardim da Cordoaria (Fonte: A. Fontes, 1908, pág. 103)

·         Fonte da Praça do Peixe e Torneira das Sardinheiras (ver capítulo VII) eram também abastecidas diretamente da Arca do Anjo em tubo de chumbo colocado ao longo do Jardim da Cordoaria até à calçada que dava acesso ao Hospício dos Expostos e ao Mercado do Peixe. Durante o seu trajeto a água sofria contaminações em diversos pontos do referido tubo.
·         A Fonte de S. Domingos, que adquiriu o nome do Largo onde estava instalada, protegida, bem como o seu tanque, por uma abobada de cantaria. Este reservatório servia para socorro dos incêndios que então ocorriam. Esta Fonte substituiu o Chafariz que existiu no centro daquele Largo;
·         A Fonte do Olival ou da Cadeia, estava encostada ao edifício da Cadeia da Relação, “de boa pedraria e gosto no lavor”. Também recebia diretamente a água da Arca do Anjo, sendo conduzida em tubo de chumbo. A qualidade bacteriológica da água era igualmente afetada pelas contaminações que ocorriam devido a rupturas do tubo.
·         Partindo da Arca do Anjo, um tubo de chumbo alimentava a Fonte das Taipas, a Fonte de Miragaia (ver capítulo 7) e a Fonte da Rua do Comércio do Porto (ver capítulo 7).
·         Um último tubo de chumbo saía da Arca do Anjo e seguia pela Rua dos Clérigos até ao Largo dos Lóios, dirigindo-se, então, para a Rua dos Caldeireiros até uma pia donde partiam dois canos que se dirigiam à Rua das Flores: um deles seguia pela Rua do Souto para abastecer a bica do lado direito da Fonte da Rua Mousinho da Silveira (ver capítulo 4); o outro, de chumbo, seguia em direção ao Chafariz de S. Domingos. De uma pia localizada nas traseiras desta fonte saía um tubo que se dirigia para outra pequena pia enterrada no pavimento da Rua Nova de S. Domingos donde saíam dois canos: um para a Fonte de Congostas (ver capítulo IV) mais tarde substituída pela Fonte do Mercado Ferreira Borges (ver capítulo IV); o outro atravessava a rua Mousinho da Silveira e, seguindo pela rua de S. João alimentava a Fonte do Largo da Ribeira (ver capítulo IV).

Balthazar Guedes, 1669, escreveu que a água de Paranhos era “belíssima e peitoral”[16] . O Padre Rebelo da Costa classificou-a, em 1789, como “pura, claríssima, muito leve, e desobstruente”. Em 1884, Bourbon e Noronha considerava-a como “límpida, transparente, de gosto agradável, leve e sem cheiro”. Três anos mais tarde, Ferreira da Silva também a considerava merecedora dos epítetos que foram dirigidos à água de Paranhos. Nos resultados das análises químicas que ele e a sua equipa realizaram a amostras de água do manancial e de quatro fontes que a recebiam, verifica-se que ela era pouco dura (dureza total média: 6,2 graus franceses) e pouco mineralizada (média de sólidos dissolvidos totais: 197 mg/L). No que diz respeito ao manancial de Salgueiros, a sua água era bastante mais dura (dureza total média: 17,1 graus franceses) e apresentava maior concentração média de sais dissolvidos totais, 419 mg/L, suficientes para conferir sabor à água. A água das fontes servidas pela mistura da água dos dois mananciais apresentava a dureza total média de 9,9 graus franceses e a média dos sólidos dissolvidos totais atingia o valor de 299 mg/L. Estes valores permitem estimar que a água abastecida a partir da reunião dos dois aquedutos correspondia à mistura de cerca de 65% da de Paranhos e 35% de Salgueiros.

Os registos de análises realizadas à água do Porto até ao final do século XIX apenas se referem à caracterização organolética e à análise química, porque estas artes eram as únicas que naquele tempo suportavam o controlo da qualidade da água destinada a consumo humano. A análise microbiológica apenas deu tímidos passos na última década desse século e teve que enfrentar uma dura luta com a química que tinha quase um século de avanço. Recorde-se que foi Louis Pasteur que reprovou, em 1861, a teoria da geração espontânea da vida e que associou a presença de germes ao desenvolvimento de muitas doenças. Poucos anos depois, Robert Koch descreveu o mecanismo da transmissão e difusão da cólera e da febre tifóide através da contaminação com fezes humanas da água utilizada como bebida. Em 1872, Fernand Cohn desenvolveu um meio para “cultivar” bactérias que foi aproveitado por Koch para publicar, em 1881, um artigo em que descrevia o método para exame bacteriológico em placas de gelatina. No ano seguinte, o ágar-ágar substituiu a gelatina, e, em 1887, Richard Julius Petri inventou o disco que tomou o apelido do cientista, Petri. Nascia assim a microbiologia que permitiu compreender a forma como a água e os alimentos servem de veículos para a transmissão de doenças e identificar as bactérias que as causavam. No “Manuel Pratique d’Analyse Bactériologique des Eaux”, publicado por Miquel, em 1891, foram definidas as bases do controlo microbiológico da água, contribuindo decisivamente para uma melhor gestão da água e para o aparecimento de novos processos de tratamento de água, em que a desinfeção terá sido o mais importante para a melhoria da saúde pública. Aliás, hoje não restam dúvidas sobre a supremacia da análise microbiológica face à química na proteção da saúde pública.

Figura 34 – Estufa usada pelo Dr. Miquel

O controlo da qualidade da água da cidade do Porto teve começou com iniciativas pessoais, entre as quais o efetuado por Henry Gavand a diversas fontes e rios, ou por laboratórios ligados à Academia, entre os quais se destacava o dirigido por Ferreira da Silva, lente da Academia Politécnica a partir de 1877. Sobre a presidência de José Augusto Correia de Barros, a Câmara Municipal do Porto aprovou, em 1881, o Plano de Melhoramentos da Cidade de cuja aplicação se esperava que o Porto viesse a ocupar “um lugar muito importante entre as primeiras praças comerciais do continente europeu[17]. Entre as muitas preocupações das autoridades municipais assumiam lugar importante o abastecimento de água, a qualidade dos alimentos e a instalação de uma eficiente rede de esgotos. Surgiu, então, a necessidade de criar um Laboratório vocacionado para a análise físico-química, para cuja direção foi convidado, em 1882, o Prof. Joaquim António Ferreira da Silva, professor de Química da Academia Politécnica do Porto, que já colaborara com a Câmara no estudo da qualidade da água para abastecimento ao Porto, do qual foi publicado, em 1881, sob a forma de relatório com o título “As águas do rio Sousa e os mananciais das fontes do Porto”. Após a nomeação formal, em 1883, de Ferreira da Silva com seu diretor, o laboratório começou a funcionar em 1884. Em 1888, foi-lhe acrescentado o Posto Fotométrico que tinha por missão principal o controlo da qualidade do gás usado na iluminação de algumas ruas do Porto. Apesar do prestígio científico que o laboratório municipal ganhou e dos louvores que recebeu da Câmara Municipal em 1887, 1902, 1904 e 1907, neste ano, o vereador José Correia Pacheco considerou que o laboratório se tinha desviado dos seus objetivos e que a sua existência passara a ser uma despesa desnecessária porque outros laboratórios apareceram ocupando o seu espaço. Como consequência, o Laboratório foi extinto em sessão da Câmara de 25 de abril de 1907, decisão confirmada em 2 de maio seguinte. Apesar dos protestos de diversas entidades e organizações científicas e de uma sentença do Tribunal Administrativo anulando a deliberação camarária, a Câmara manteve o encerramento e, em 1916, transferiu o laboratório e todos os seus pertences para a Faculdade de Ciências. Foi então, depois de muita luta jurídica, que Ferreira da Silva abandonou o quadro do Laboratório Municipal, deixando as instalações onde se mantinha desde 1911.

Foi Ferreira da Silva que, em 1895, estabeleceu as quatro componentes da análise de águas: o exame físico e organolético, o exame químico, o exame microscópico e o exame bacteriológico[18]. Como este último exame saía da esfera de competências do Laboratório Municipal do Porto, em 1892, na sequência do relatório intitulado “O Saneamento do Porto” apresentado em 1888, a Câmara Municipal do Porto convidou Ricardo Jorge para assumir a direção dos Serviços Municipais de Higiene da Cidade do Porto e o Laboratório Municipal de Bacteriologia. Foi este laboratório que deu os primeiros passos no controlo bacteriológico da água bebida pelos portuenses. Entre junho e  setembro de 1899, grassou no Porto a peste bubónica diagnosticada por Ricardo Jorge que a responsabilidade de controlar aquela epidemia quando aplicou as primeiras medidas profiláticas para erradicar aquela peste. As medidas adotadas, o isolamento dos enfermos e a desinfeção das suas casas, tiveram dois efeitos contrários: Ricardo Jorge foi consagrado nos meios médicos como epidemiologista de renome, e despertaram a ira popular, instigada por grupos políticos e outros interesses. A injustiça e a violência levaram Ricardo Jorge a abandonar o Porto, tendo-se deslocado para Lisboa onde, em outubro de 1899, foi nomeado Inspetor-geral da Saúde, cargo mais tarde chamado de Diretor-geral da Saúde.

Em 1901, António Joaquim de Souza Júnior, que também participou na campanha de erradicação da peste bubónica, foi nomeado chefe do Laboratório Municipal de Bacteriologia. Poucos anos depois, gizou um plano para o estudo das águas de abastecimento público aplicando os métodos preconizados pela escola anglo-americana. Para o efeito, dividiu a matéria em quatro grupos: mananciais de Paranhos e Salgueiros e respetivas fontes; outros mananciais e fontes dependentes deles e as que tem fonte primitiva; poços e águas da companhia. Infelizmente, apenas os dois primeiros grupos do plano se concretizaram através de duas obras fabulosas de Adriano Fontes e J. Bahia Júnior que se traduziram em duas importantes Dissertações Inaugurais apresentadas à Escola Médico Cirúrgica do Porto, respetivamente, em 1908 e 1909. Esses estudos tinham como objetivo principal comparar o exame laboratorial com o topográfico, isto é, verificar como as infiltrações ocorridas ao longo das linhas de condução da água contribuíam para deteriorar a sua qualidade, especialmente a bacteriológica. Foi por isso que Adriano Fontes fez uma minuciosa inspeção aos aquedutos de Paranhos e Salgueiros, identificando os pontos e causas da conspurcação da água e quais os fatores que contribuíam para a sua melhoria.

No referido estudo, Adriano Fontes apresenta os resultados das análises bacteriológicas na seguinte forma: a) número de bactérias, que correspondem atualmente à contagem de microrganismos cultiváveis em placa, que nos dá uma indicação sobre a probabilidade de a água conter microrganismos patogénicos; b) título colibacilar, o volume de amostra de água, em mL, em que se pode encontrar um colibacilo; c) título termófilo, que corresponde à maior ou menor resistência dos germens à ação da temperatura da água. Para classificar a qualidade da água examinada Adriano Fontes aceitou o critério definido por autores americanos que “qualificaram diversamente as águas em puras, razoavelmente puras, suspeitas, provavelmente inquinadas e inquinadas, conforme continham o coli em 100cc, 10cc, 1cc, 0cc,1 ou 0cc,01”[19].

De uma forma geral a água das minas do Manancial de Paranhos, em 1908, era relativamente pura embora ela fosse comprometida durante os períodos de chuva devido a infiltrações. Ao longo do aqueduto essa pureza mantinha-se no percurso de 600 m porque as infiltrações eram pouco significativas dado que os terrenos por onde o aqueduto passava eram quase incultos e pouco ocupados com habitações. Em tempo seco, a água chegava ao matadouro novo com a qualidade aceitável para consumo humano, continuando assim até ao Monte Novo, a 600 m do matadouro. A partir deste lugar até à Fonte da Rua da Boavista, a qualidade da água ia-se deteriorando devido a diversas contaminações por infiltração ou por receber água contaminada de outras minas que reforçavam o aquedutos. No fundo, esta alteração na qualidade da água era um sinal da aproximação à cidade onde a atividade humana era pouco respeitadora do meio ambiente. Adriano Fontes demonstra-o com inúmeros exemplos. Na parte final do trajeto até à Arca de Noronha, a água não sofre poluição sensível porque ela segue em cano de ferro e porque algumas pias de sedimentação podem exercer efeitos positivos. Do conjunto de fontes abastecidas pelo manancial de Paranhos, as das Fressureiras, dos Burgães, dos Ferros Velhos e da Boavista são as que apresentavam água de péssima qualidade qualidade.

O exame microbiológico da água com origem nas diferentes minas que constituíam o Manancial de Salgueiro revelava o seu carácter suspeito devido, sobretudo, à má qualidade da água da mina da rua da Rainha (Antero de Quental), sujeita a “numerosas enxurradas terrosas”. A qualidade da água de Salgueiros mantinha-se praticamente inalterável ao longo do seu percurso em canal aberto até à Fonte das Oliveiras, embora ela se deteriorasse  um pouco abaixo da rua dos Bragas em períodos de chuva. Daqui até à Arca de Noronha, a água não sofria modificações, melhorando, desde aquela arca até à do Anjo onde as águas de Paranhos e a de Salgueiros se misturavam. Todas as fontes servidas por esta arca, exceptuando-se a da Fonte Mousinho da Silveira apresentavam água de suspeita provavelmente inquinada, segundo o critério atrás reproduzido. De qualquer modo, a melhor e mais preferida água da consumida no Porto até à chegada da “água da companhia” (1886) foi a dos mananciais de Paranhos e Salgueiros, sendo a do primeiro melhor do que a do segundo.




[1] Bourbon e Noronha, 1885, Fontes, 1908. É feita menção às fontes associadas a este manancial na carta de doação do Couto do Porto ao Bispo D. Hugo pela Rainha D. Teresa.
[2] Adriano Fontes. 1908. Analyse Sanitária do seu abastecimento de água potável – I – Estudo dos mananciaes de Paranhos e Salgueiros, Tese Inaugural apresentada à Escola Médica do Porto.
[3] Horácio Marçal, 1967, O Manancial de Paranhos e as fontes por ele abastecidas, O Tripeiro, VI Série, Ano VII, n.º 9: 297-300
[4] Diogo Emanuel Pacheco Pereira, 2011, O abastecimento de água na Cidade do Porto nos séculos XVII e XVIII. Dissertação de Mestrado em História da Arte Portuguesa. Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
[5] Costa, A., R., 1789,
[6] Souza Reys,
[7] Para Adriano Fontes, “em sessão do Senado de 27 de Novembro de 1770 foi apresentado pelo Procurador da Cidade o padrão da manilha que era «uma medida de bronze com um palmo craveiro de circunferência, tendo dezasseis anéis e o anel oito penas». Depois conseguimos também saber que cada pena corresponde a um rendimento diário de 1272 litros”.
[8] Livro A
[9] Inicialmente esta fonte e os lavadores encontravam-se no lado oriental da estrada de Braga, para reduzir os riscos de contaminação da água aquele conjunto foi mudado para o lado ocidental, aonde aí se encontram atualmente.
[10] Chaminé, H. I., Afonso, Robalo, P.M., Rodrigues, P., Cortez C., Monteiro Santos, F.A., Plancha, J.P., Fonseca, P.E., Gomes, A., Devy-Vareta, N.F., Marques, J.M., Lopes, G. Fontes, M.E., Pires A. &  Rocha, F.. 2010. Urban speleology applied to groundwater and geo-engineering studies: underground topographic surveying of the ancient Arca D’Água galleries catchworks (Porto, NW Portugal). International Journal of Speleology. 39 (1): 1-14.
[11] Fontes, 1908, pág. 23.
[12] Fontes, 1908
[13] Atual Rua Freire de Andrade.
[14] O tubo que levava a água até à Fonte das Oliveiras tem início numa pia situada no aqueduto de Salgueiros, antes de este se reunir com o de Paranhos. O tubo segue, então, pelo aqueduto comum.
[15] A conservação destes fontenários estava a cargo da Sociedade Protetora de Animais. A água era fornecida pala Câmara Municipal.
[16] Balthazar Guedes, 1669
[17] Prólogo do Plano, citado por Alves, Jorge Fernandes e Alves, Rita C., 2012, Ferreira da Silva e o Laboratório Químico Municipal do Porto (1884-1917). In Estudos do Século XX, n.º 1: p 13-30.        
[18] Leonardo, António J. F., Martins, Décio R. e Fiolhais, Carlos, 2011, O Instituto de Coimbra e a análise de águas minerais na segunda metade do sécul XIX, Quim. Nova, Vol. 34, No. 6: p 1094-1105.
[19] - cc corresponde a centímetro cúbico, cm3, o mesmo que mililitro, mL.

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