A água e a cidade do Porto
No princípio...
Não é necessário recuar muitos
séculos para saber como as populações das cidades se abasteciam de água, pelo
menos, até ao final do século XVIII. Basta visitar uma das muitas aldeias
portuguesas que ainda não possui rede pública em que o abastecimento de água se
faz por meio de poços, minas, ribeiros e bolhões, em muitos casos encaminhando-a
a tanques ou arcas, fontes e chafarizes de uso público. Para servir as grandes
cidades, há séculos que o homem desenvolve monumentais obras hidráulicas, com
destaque para os aquedutos desenvolvidos pelos romanos que os introduziram na
Península Ibérica, tão presentes e, por vezes, tão sacrificados no nosso país.
Devido à elevada pluviosidade e a
geologia do seu subsolo, a cidade do Porto, nos primórdios da sua existência, não
teve necessidade de recorrer a opulentas obras para o seu abastecimento. Os
mananciais de Mijavelhas e o das Fontainhas eram mais do que suficientes para
as necessidades da cidade. Este último era preferido porque estava próximo e a
sua água era, então, considerada de excelente qualidade e, segundo Tito de Bourbon
e Noronha, na sua dissertação inaugural apresentada à Escola Médico-Cirúrgica
do Porto, em 1885, “a água predilecta de
D. Miguel I”. Infelizmente, aquele autor reconheceu que a sua qualidade se
degradou e “não corresponde à fama que a
apregoa”. Tito de Noronha caracterizou quimicamente a água daquele
manancial e os resultados que publicou mostram, pelo seu elevado teor de
cloretos, que ela já sofria de forte contaminação. Como naquela época ainda não
se faziam no Porto exames bacteriológico à água, aquele tipo de resultados não
alarmavam ninguém. O manancial das Fontainhas abastecia a Fonte das Fontainhas
e lavadouros anexos, o Convento de
Santa Clara e a fonte do Colégio de S. Lourenço da Companhia de Jesus,
vulgarmente conhecido como dos Grilos. Ainda se pode ver nas Escadas das
Verdades um arco do aqueduto que abastecia a Mitra e as fontes que existiam em
Pena Ventosa para servir o povo.
O arco do aqueduto das Escadas da Senhora das Verdades, que conduzia a água ao Colégio dos Grilos. |
São
conhecidas preocupações oficiais sobre a qualidade da água das fontes e
chafarizes do Porto desde os finais do século XIV, não pela sua origem mas sim
pelo que se fazia nas fontes e espaços envolventes. Os maus hábitos higiénicos
dos tripeiros são ancestrais. Das atas das Sessões da Vereação do Município,
oportunamente publicadas pelo Gabinete de História da Cidade da Câmara
Municipal do Porto, destaca-se a de 9 de julho de 1932 (Vereaçoens – 1390
-1395, pág.s 145 – 146) donde se transcreve, após adaptação: “…os
ditos Juiz vereadores homens bons acordaram que por quanto nos chafarizes e
fontes da dita cidade se faziam grandes sujidades de muitos lixos que em elas
se lançavam e dos panos que dentro em elas se lavavam por a qual razão se
seguia grandes danos às gentes e bestas...” e ordenaram que “…qualquer que acharem nas ditas fontes e
chafarizes lavar panos ou tripas ou outras algumas cousas que por cada vez que
em elo achados forem paguem para o Concelho três libras assim nos chafarizes
fontes como da redor deles duas braçadas”. Aquela preocupação continua oito
anos depois, registando-se na ata de 29 de dezembro de 1401 a exigência de se
aplicar as coimas previstas nos Regimentos da Cidade para os casos “das águas deitadas em as ruas como das
fontes”. A este propósito, nas Notas e Comentários de A. de Magalhães Basto
às atas das “Vereações – anos 1390 – 1395”, desde “1336 que era proibida no
Porto “deitar água lixosa ou outro lixo
na rua”; e quando, por mandado dos juízes, era “apregoado que não lancem
água na rua, se algum aí lançar água limpa das janelas na rua, e cair por
alguém, se levará o Alcaide cinco soldos daquele que a lançar, se lhe dele for
querelado; se fizer certo o que deita a água que disse três vezes Água vai, antes que a deitasse, não
pagará a coima ao Alcaide”. Este costume de lançar águas limpas (e sujas) manteve-se
formalmente até ao século XIX, mas o hábito ainda não desapareceu totalmente.
No Museu da Casa do Infante
encontram-se os vestígios, descobertos aquando o restauro do Arquivo Municipal
do Porto, da Fonte (ou Chafariz?) do “Almazém” que servia, pelo menos em 1357,
o antigo “Armazém Régio”, mais tarde conhecido por Alfândega Velha. Sofreu
melhorias ao longo dos séculos, com destaque para a que se realizou em 1688,
até que o local foi aterrado, em meados do século XVII, após extinção da Casa
da Moeda. Alguns autores consideram que, das fontes conhecidas, a Fonte do
Almazém é, provavelmente, a mais antiga da cidade.
Fonte do Almazém – resto do tanque, da canalização e das caleiras em granito |
Fonte do Almazém – pormenor da sua bica em granito |
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