quarta-feira, 17 de agosto de 2016

parte I

A água e a cidade do Porto


No princípio...


Não é necessário recuar muitos séculos para saber como as populações das cidades se abasteciam de água, pelo menos, até ao final do século XVIII. Basta visitar uma das muitas aldeias portuguesas que ainda não possui rede pública em que o abastecimento de água se faz por meio de poços, minas, ribeiros e bolhões, em muitos casos encaminhando-a a tanques ou arcas, fontes e chafarizes de uso público. Para servir as grandes cidades, há séculos que o homem desenvolve monumentais obras hidráulicas, com destaque para os aquedutos desenvolvidos pelos romanos que os introduziram na Península Ibérica, tão presentes e, por vezes, tão sacrificados no nosso país.


Devido à elevada pluviosidade e a geologia do seu subsolo, a cidade do Porto, nos primórdios da sua existência, não teve necessidade de recorrer a opulentas obras para o seu abastecimento. Os mananciais de Mijavelhas e o das Fontainhas eram mais do que suficientes para as necessidades da cidade. Este último era preferido porque estava próximo e a sua água era, então, considerada de excelente qualidade e, segundo Tito de Bourbon e Noronha, na sua dissertação inaugural apresentada à Escola Médico-Cirúrgica do Porto, em 1885, “a água predilecta de D. Miguel I”. Infelizmente, aquele autor reconheceu que a sua qualidade se degradou e “não corresponde à fama que a apregoa”. Tito de Noronha caracterizou quimicamente a água daquele manancial e os resultados que publicou mostram, pelo seu elevado teor de cloretos, que ela já sofria de forte contaminação. Como naquela época ainda não se faziam no Porto exames bacteriológico à água, aquele tipo de resultados não alarmavam ninguém. O manancial das Fontainhas abastecia a Fonte das Fontainhas e lavadouros anexos, o Convento de Santa Clara e a fonte do Colégio de S. Lourenço da Companhia de Jesus, vulgarmente conhecido como dos Grilos. Ainda se pode ver nas Escadas das Verdades um arco do aqueduto que abastecia a Mitra e as fontes que existiam em Pena Ventosa para servir o povo.

O arco do aqueduto das Escadas da Senhora das Verdades, que conduzia a água ao Colégio dos Grilos.

São conhecidas preocupações oficiais sobre a qualidade da água das fontes e chafarizes do Porto desde os finais do século XIV, não pela sua origem mas sim pelo que se fazia nas fontes e espaços envolventes. Os maus hábitos higiénicos dos tripeiros são ancestrais. Das atas das Sessões da Vereação do Município, oportunamente publicadas pelo Gabinete de História da Cidade da Câmara Municipal do Porto, destaca-se a de 9 de julho de 1932 (Vereaçoens – 1390 -1395, pág.s 145 – 146) donde se transcreve, após adaptação: “…os ditos Juiz vereadores homens bons acordaram que por quanto nos chafarizes e fontes da dita cidade se faziam grandes sujidades de muitos lixos que em elas se lançavam e dos panos que dentro em elas se lavavam por a qual razão se seguia grandes danos às gentes e bestas...” e ordenaram que “…qualquer que acharem nas ditas fontes e chafarizes lavar panos ou tripas ou outras algumas cousas que por cada vez que em elo achados forem paguem para o Concelho três libras assim nos chafarizes fontes como da redor deles duas braçadas”. Aquela preocupação continua oito anos depois, registando-se na ata de 29 de dezembro de 1401 a exigência de se aplicar as coimas previstas nos Regimentos da Cidade para os casos “das águas deitadas em as ruas como das fontes”. A este propósito, nas Notas e Comentários de A. de Magalhães Basto às atas das “Vereações – anos 1390 – 1395”, desde “1336 que era proibida no Porto “deitar água lixosa ou outro lixo na rua”; e quando, por mandado dos juízes, era “apregoado que não lancem água na rua, se algum aí lançar água limpa das janelas na rua, e cair por alguém, se levará o Alcaide cinco soldos daquele que a lançar, se lhe dele for querelado; se fizer certo o que deita a água que disse três vezes Água vai, antes que a deitasse, não pagará a coima ao Alcaide”. Este costume de lançar águas limpas (e sujas) manteve-se formalmente até ao século XIX, mas o hábito ainda não desapareceu totalmente.

No Museu da Casa do Infante encontram-se os vestígios, descobertos aquando o restauro do Arquivo Municipal do Porto, da Fonte (ou Chafariz?) do “Almazém” que servia, pelo menos em 1357, o antigo “Armazém Régio”, mais tarde conhecido por Alfândega Velha. Sofreu melhorias ao longo dos séculos, com destaque para a que se realizou em 1688, até que o local foi aterrado, em meados do século XVII, após extinção da Casa da Moeda. Alguns autores consideram que, das fontes conhecidas, a Fonte do Almazém é, provavelmente, a mais antiga da cidade.

Fonte do Almazém – resto do tanque, da canalização e das caleiras em granito


Fonte do Almazém – pormenor da sua bica em granito

Continua...





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