sexta-feira, 28 de outubro de 2016

parte V

  
Tito de Noronha [1] indica a existência, em 1885, de trinta e seis nascentes que abasteciam água à cidade do Porto. Destas nascentes, vinte e nove alimentavam apenas uma fonte, e das sete restantes apenas a de Arca d’Água merecia o nome de manancial. A quantidade de água fornecida aos habitantes da cidade era insuficiente, tendo acontecido, por exemplo, em 1884, “que a estiagem prolongada secou as nascentes mais pequenas e algumas fontes como a do Bolhão e a da Arca. No Hospital da Misericórdia chegaram a suspender-se banhos a alguns doentes”. Acrescentava Tito de Noronha: “Mesmo nas condições normais, fornecendo as nascentes uma média regular, a água não chega. Os canos de esgoto infetam a atmosfera com as suas exalações mefíticas, mas o Porto espera pelas chuvas para os desobstruir e lavar. O pó na rua é asfixiante, mas o município não tem água para as mandar regar. Depósitos para incêndios não há, e muito menos chafarizes nas praças”. Àquele número de fontes de abastecimento de água, juntavam-se inúmeros poços particulares, que, segundo Tito de Noronha, eram de má qualidade e impróprias como água para alimentação. Sabemos hoje que, então, a água das fontes e chafarizes públicos também não oferecia qualidade aceitável. Naquela data a microbiologia tinha nascido havia pouco e a análise bacteriológica ainda não estava estabelecida na sua plenitude. A análise química já era bastante bem experimentada, mas os critérios de classificação da água baseavam-se em questões relacionadas com a sua utilização doméstica. Em relação ao controlo químico das águas do Porto, Tito de Noronha revela que apenas foram feitos alguns ensaios pelo lente da Academia Politécnica do Porto, António Luiz Ferreira Girão, e os ensaios hidrotimétricos [2] realizados, em 1880, pelo lente da mesma Academia, António Joaquim Ferreira da Silva. Pelo menos, faltou-lhe referir Henry Gavand [3] que no seu estudo de 1864 comparou a qualidade da água usada então no Porto com a dos rios Leça, Douro e Sousa, potenciais fontes de abastecimento à cidade. Apesar da falta de controlo, sabia-se que as fontes, as minas e os chafarizes eram focos de água imprópria e eram responsáveis pelo eclodir de epidemias e pestes.

Até ao final da Idade Média, a falta de qualidade da água não era a única preocupação dos portuenses. Também o era a insuficiência das suas captações à medida que a sua população ia crescendo com a expansão do comércio e a fixação de artesãos. Damião de Peres, citado por Soares da Silva [4], 1999, admitiu que a população do Porto (freguesias da Sé, Vitória, S. Nicolau, Santo Ildefonso, Miragaia, Massarelos, Cedofeita) era, em 1384 e 1427, respetivamente, 4400 e 5670 habitantes. Soares de Barros, também referido por Soares da Silva, estimou, com base no número de besteiros atribuídos à cidade, que em 1417 existiriam 8500 habitantes. Em 1623, D. Rodrigo da Cunha (Cândido dos Santos, 2014 [5]), estimou em 16.086 habitantes a população do Porto, significando que em duzentos anos a população da cidade, pelo menos, duplicou. O aumento da população associado à má qualidade da água captada no espaço urbano obrigou a Câmara e outras entidades a buscar água nos mananciais que existiam à volta da cidade. Já referimos anteriormente o Manancial das Fontainhas, que terá sido, a par do Manancial de Malmeajudas, dos primeiros a enviar água para o núcleo urbano. Mas outros se seguiram, como os de Mijavelhas, Arca d’Água e Salgueiros. Comecemos pelo primeiro.

Furtado das Antas [6] descreve o talvegue [7] que recebia as águas pluviais e as águas das nascentes que brotavam das encostas do monte das Antas e do Alto do Bonfim, a oeste, e, a este, do Monte dos Congregados. Ele tem início na Rua de Costa Cabral, atravessa o Campo 24 de Agosto e termina às Fontainhas na extremidade da Rua Gomes Freire. Andrade Júnior [8] chamava a este talvegue o Vale de Bonfim que era atravessado, em 1895, por um ribeiro que recebia no Poço das Patas as águas provenientes de fábricas, passando depois próximo do cemitério e Seminário Velho (atual Colégio dos Salesianos). Este é o ribeiro de Mijavelhas ou Poço das Patas, ou Bonfim, ou das Lavadeiras. Aquele lugar era uma depressão inundável, por onde corria o dito ribeiro, que foi vencido, em 1700, por uma ponte com arcos de pedra e com quatro metros de largura que ligava as atuais Ruas do Duque da Terceira e do Bonfim, facilitando o trânsito entre o Porto e Valongo. Esta ponte e uma capela próxima foram soterradas, por volta de 1850, quando do nivelamento da zona do Campo Grande. Perto da Ponte existia uma levada que permitia criar coluna de água e regular o caudal de água que abastecia a Quinta de Reimão. A ribeira nascia, segundo Furtado de Antas, 1902, na rua Costa Cabral e seguia as faldas oeste do monte das Antas e do Alto do Bonfim. Passa a este do Monte dos Congregados no vale definido pelos montes dos Congregados, Antas e Bonfim, e pela zona do Campo 24 de Agosto, formando aí uma área alagadiça, os Campos do Cirne, que se estendia entre o cemitério Ocidental e a rua Barão de São Cosme. O curso de água seguia, então, o seu percurso entre o Monte do Seminário e as Fontainhas; hoje, depois de passar o Campo 24 de Agosto, segue pela rua Duque Saldanha desaguando, então, no rio Douro, por meio de exutor submerso, na avenida Gustavo Eiffel, entre as pontes de D. Maria e a do Infante. Esta linha de água totalmente entubada tem uma extensão de 6,56 km.

A bacia hidrográfica desta ribeira tem a superfície de 185 ha [9], que recebe, anualmente, cerca de dois milhões de metros cúbicos. Segundo Borges et al., 2011, o nível freático na bacia se encontra próximo da superfície, com variação sazonal entre 1 e 6 m. Aqueles autores inventariaram na área da bacia diversos poços de grande diâmetro e pouco profundos, um furo da CMP e uma mina – a do monte Tadeu. Atualmente, os poços de bombagem das estações do metropolitano da bacia captam as águas superficiais e subterrâneas que se infiltram nas estações e túneis, sendo, posteriormente, descarregadas na rede de águas pluviais, sendo registados os caudais das estações do Marquês, Campo 24 de Agosto e Combatentes. O caudal médio registado, a partir de novembro de 2010, oscilava entre 26 e 70 m3/dia.

Bacia hidrográfica da Ribeira de Mijavelhas.

Legenda: 1 – Praça Velasquez; 2 - Antigo Estádio do Lima; 3 – Rua da Constituição; 4 – Praça do Marquês de Pombal; 5 – Rua Latino Coelho; 6 – Rua da Alegria; 7 Avª Fernão Magalhães; 8 – Rua Santos Pousada; 9 – Campo 24 de Agosto; 10 – Rua Gomes Freire; 11 – Foz da Ribeira de Mijavelhas; 12 – Ponte de S. João; 13 – Colégio dos Salesianos do Porto; 14 – Cemitério do Prado do Repouso; 15 – Jardim dos SMAS

 Na campanha de amostragem realizada por aqueles autores foram recolhidas amostras de água para exames físico-químicos e microbiológicos em 17 pontos da bacia. A condutividade da água amostrada variou entre 210 e 768 µS/cm e o pH entre 5,2 e 7,8. Sob o ponto de vista microbiológico, a grande maioria apresentou elevadas concentrações de Enterococos, Clostridium perfrigens, Bactérias coliformes e Escherichia coli. As amostras recolhidas na ribeira foram as que apresentaram contaminação mais grave. Num programa de amostragem realizada, em Junho de 2011, foi detetada a presença de pequenas quantidades, em algumas amostras, de alguns compostos orgânicos como: 1,2-dicloroetileno, clorofórmio, tricloroeteno, dibromoclorometano e bromofórmio. No seu estudo, Paula Reis (2009), verificou que o ribeiro de Mijavelhas descarregava, em 2001, num ponto próximo da sua foz, em média, cerca de 3,5 ton/dia de carga orgânica (com valores diários que variaram entre 0,52 e 5,5 ton/dia). A sua água é, na foz, equivalente a uma água residual doméstica.

Aqui termina a Ribeira de Mijavelhas, passando num aqueduto por baixo 
da Avenida Paiva Couceiro e lançando-se no Rio Douro.

 
O Manancial de Mijavelhas, pertencente, no início da Idade Moderna, à Quinta de Reimão, assim era chamado porque se localizava no Campo conhecido como tal, tendo o seu chafariz sido referido na Crónica d’El Rei D. João I de Fernão Lopes quando aborda a Crise sucessória de 1383/1385. O topónimo de Mijavelhas teve origem, segundo a tradição, provavelmente infundada, por ser ali que as vendedeiras, quando vinham de Valongo e São Cosme às feiras de S. Lázaro, se “aliviavam”, fazendo as suas necessidades. Aquele campo, onde esteve a forca, ali instalada no final do século XIV e transferida, em 1714, para a Ribeira, também se designou por “Poço das Patas”, “porque naqueles terrenos alagadiços, andavam desses palmípedes, Campo Grande ou Campo Grande da Feira e Campo Grande da Feira do Gado, por causa de uma feira de gado que ali se fazia desde 1833 e que para ali havia sido transferida da Póvoa de Cima, junto à Praça da Rainha D. Amélia” [10].

Planta da zona entre a Capela de Santo André e a Rua do Senhor do Bonfim, mostrando a arca de água junto à Ponte das Patas, o traçado do aqueduto que daí parte para a cerca do Convento de Santo António, Campo de São Lázaro e fonte, e o novo traçado proposto, por Teodoro de Sousa Maldonado. Projeto aprovado pela Junta das Obras Públicas, em 1795-06-11. Arquivo Municipal do Porto, descarregado de https://goo.gl/eVDnQ6 em 15/10/2016.
Legenda: A - Capela de Santo André; B - Rua Direita de Santo Ildefonso; C - Campo de S. Lázaro; D - Rua do Reimão (Avenida de Rodrigues de Freitas); E - Ponte das Patas; F – Arca d’Água do Campo do Poço das Patas

Em 1839 este Campo passou a ser denominado de, apenas, Grande, e em 1860 adquiriu oficialmente a atual denominação de Campo 24 de Agosto em homenagem à Revolução Liberal do Porto de 1820. Gomes Leite atribuiu à fonte o nome de Mijavelhas ou do Campo Grande, enquanto à Arca a designou como da Ponte do Poço das Patas. Para além da fonte de chafurdo e da arca de água, ali se construíram, em 1593 (Ribeiro da Silva, 1985a [11]), cinco tanques onde as lavadeiras tratavam uma grande parte da roupa do burgo. Segundo Ferreira da Silva, pelo menos, nos “invernos mais tempestuosos não havia outro sítio onde a água fosse tão limpa e os enxugadouros tão extensos e descobertos”. A presença das lavadeiras naquele local feria a “sensibilidade” dos Vereadores porque, citando o mesmo autor, por ali “corria a estrada pública e as lavadeiras, quase sempre descompostas por necessidade do ofício, estavam naturalmente expostas aos olhares gulosos de quantos passavam”.

Vista da Arca de Mijavelhas recuperada e instalada na estação do metropolitano do Campo 24 de Agosto.

 
A Câmara, porque se achava com direito à água que “estava metida na Arca com Armas Reais [12] em cima na mesma Arca por entenderem os Oficiais dela ser pertença da dita cidade” (Gomes Leite, 1836), decidiu, em 1620, conduzir essa água do Manancial de Mijavelhas para um chafariz que iria ser construído na Rua Chã, tendo recebido oposição de Frei Pedro Vaz Soares Cirne, tutor dos filhos menores e herdeiros do terreno. O projeto da Câmara, iniciado em 1622, apenas se concretizou em 1635, depois de a Câmara ter comprado a água daquele manancial em 1633. Mesmo assim, o Bispo da Diocese e a Companhia de Jesus, alegando prejuízo para as suas quintas, procuraram, sem êxito, embargar a obra (Ferreira da Silva, 1985b).

Escritura de emprazamento de um campo situado junto à água de Mijavelhas que a Câmara do Porto fez a Pedro Anes de Santa Cruz, Documento/Processo, 1455/11/29 – 1455/11/29, A Câmara do Porto empraza, por três vidas, a Pedro Anes de Santa Cruz, escrivão da Alfândega, e a Branca Pires, sua mulher, um campo junto à água de Mijavelhas, pela renda anual de 2 libras da moeda antiga na primeira vida e 4 na segunda e terceira (São Miguel de Setembro). Fonte: Arquivo Municipal do Porto, descarregado de https://goo.gl/k7jPZD em 12/10/2016.

Gomes Leite, 1836, descreve o percurso do encanamento que passava por baixo da Ponte, seguia pela Rua da Murta (que também teve o nome do Mede Vinagre e, atualmente, o de Morgado de Mateus) para o Campo de S. Lázaro. Aqui tinha uma derivação que fornecia um anel de água ao Colégio das Órfãs de S. Lázaro, hoje Colégio de Nossa Senhora da Esperança. Por baixo do jardim, saía do aqueduto uma linha que fornecia um anel de água à Fonte de S. Lázaro, cujas vertentes seguiam também para o Recolhimento das Órfãs. O aqueduto continuava pela Rua de Entreparedes, onde fornecia duas penas de água à casa de Custódio Teixeira Pinto Basto, meia pena à casa de Manuel Guedes e uma pena às Entrevadas de S. Ildefonso ou do Hospital do Espírito Santo. Desta rua seguia até ao Chafariz da Batalha, servindo-o com a água necessária, e fornecendo à Casa Pia meio anel de água, do qual saía uma pena para o Recolhimento de Nossa Senhora das Dores e S. José. Ao atravessar a Praça da Batalha, e a meio dela, uma derivação dava duas penas de água à casa de Florido Roiz Pereira Ferraz. Do outro lado da Praça, no ângulo da Capela da Batalha, saía uma linha de três anéis de água que alimentava o Hospital da Caridade e várias casas próximas. O aqueduto seguia por detrás da dita capela onde se retirava meia pena de água para o Hospital de Nossa Senhora do Amparo dos Entravados e um anel ao Paço do Fidalgo do Corpo da Guarda. Seguindo pela Travessa do Hospital dos Entrevados passava à Rua de Cimo de Vila onde, numa pia, se repartia a água para a Fonte da Rua Cham, uma pena para o Paço da Marquesa, e, seguindo pelo referido Paço, Ruas Cham e da Senhora do Ferro, para o Chafariz de S. Sebastião, aonde terminava o aqueduto. A água era transportada em tubos de ferro até à fonte da Batalha e depois em tubos de chumbo para as fontes de S. Sebastião e da Rua Chã.

Armas Reais da Arca de Mijavelhas colocadas na Estação de Metropolitano do Campo 24 de Agosto.

As Armas Reais existentes na parede que fechava a arcaria pelo lado 
poente da Arca, segundo fotografia de J. Bahia Júnior, 1909.

A abertura de poços na zona do Campo de Mijavelhas para alimentar de água as fábricas de fiação que por ali foram surgindo, secaram o manancial. Anos depois, uma cheia repentina levou a aterrar a Fonte de Mijavelhas e os tanques vizinhos [13] e, assim, acabou a sua utilidade. Desta forma, a arca soterrada passou a ser equivalente a um poço, que havia, então ganho o nome de Poço das Patas. Entretanto, a arca passou a receber água de outras origens, como:
·     De uma mina existente na Póvoa de Baixo, sítio correspondente à zona onde a Rua Santos Pousada confina com o Campo 24 de Agosto, a água seguia em um encanamento que a levava até à Arca. Esta mina dava pouca água, cerca de seis anéis. Por Provisão de 1786 (Gomes Leite, 1836), da água recebida da mina, parte seria depois fornecida a duas casas da Rua Chã ligadas aos proprietários da mina.
·      Mina pertencente a José de Mello Peixoto Coelho e a Bento Luís Correa de Mello (Mina de Melos), localizada na Rua de Montebelo (Botelho et al., 2005/6). J. Bahia Júnior designa esta origem de água como Manancial de Montebelo, cedida à Câmara em 1838. Desta mina, a água era canalizada para uma arca situada num prédio da esquina de Fernão de Magalhães com a Rua das Eirinhas. Esta arca ostentava as armas episcopais de Frei José Maria da Fonseca Évora e a data de 1749. De um dos ramos desta mina saía um cano de chumbo que levava a água pela antiga Rua Ferreira Cardoso, atual Rua Duque de Saldanha, e alimentava a Fonte Exterior do Repouso, a Fonte do Roseiral (junto ao crematório) e os dois tanques semicirculares existentes na entrada norte do Cemitério do Prado do Repouso. Antes da abertura do túnel do Metropolitano, metade da água consumida neste cemitério tinha origem naquele manancial. Aquela estrutura reduziu substancialmente esse abastecimento, recorrendo-se agora a água “da companhia”, incluindo o abastecimento à Fonte do Roseiral. Daquele cano condutor saía uma derivação que seguia pela Rua do Heroísmo em direção à Rua Garrett, hoje Rua Padre António Vieira, onde alimentava a Fonte da Rua Garrett.
·        Mina da Quinta do Prado, onde atualmente se localiza o cemitério do Prado do Repouso. Tito de Noronha, 1885, chama-lhe Nascente do Prado, que alimentava a Fonte do Marquês de Pombal, a mina passava por baixo do cemitério, a três metros de profundidade. J. Bahia Júnior denomina-a de Manancial do Cemitério do Repouso. Esta mina alimentava apenas a Fonte do Marquês de Pombal, situada defronte do Portão do Cemitério ao fim da Rua de S. Vítor. Tito de Noronha classificou a água daquela mina como sendo límpida, de gosto agradável e de boa qualidade, apesar do “tétrico da sua origem”.
·       Mina pertencente ao Visconde de Castelões, localizada na Estrada do Bonfim, ou na entrada da atual Rua do Bonfim. Gomes Leite, 1836, assinalou o fato de ela se encontrar seca. J. Bahia Júnior chama-lhe, impropriamente, Manancial do Campo Grande, referindo ainda que durante a visita que fez que a mina deitava alguma água e que dela vinha um “horrível cheiro”.

Porta de entrada norte do Manancial de Montebelo, com encimado pelas armas episcopais. 
Esta entrada localizava-se no extremo da Rua das Eirinhas, junto à Avenida 
Fernão de Magalhães. Fotografia de J. Bahia Júnior, 1909.

Foto da Fonte do Roseiral antes abastecida com água do Manancial de Montebelo e depois da abertura da linha do metropolitano do Porto passou a ser abastecida com água da rede pública.

O Manancial do Campo Grande alimentava diversas fontes e chafarizes, começando pelo “Chafariz de Mijavelhas” e os lavadouros públicos que aí existiam. Continuando, eram abastecidas as seguintes fontes: a da rua das Fontainhas, Chafariz da Praça da Batalha,  Chafariz do Anjo (S. Miguel), fonte da Alameda (Cemitério do Prado), Chafariz da Rua Chã e a fonte do Largo de S. Sebastião.

A entrada da Mina da Praça do Repouso, segundo J. Bahia Júnior, 1909.

Em 1850, face à constante necessidade de se repararem as estruturas do manancial do Campo Grande devido às torrentes que as danificavam (Borges et al.., 2011), foi todo o resto soterrado para dar origem ao atual Campo 24 de agosto. Sobre a qualidade da água deste manancial, Tito de Noronha, 1885, afirma que a água deste manancial não era límpida e tinha gosto regular. Ribeiro da Silva, 1985 [15], refere que “os médicos de 1622 atribuíam a origem de apoplexias, mortes súbitas e outros danos padecidos por pessoas e animais ao consumo da água de Mijavelhas, cuja poluição resultaria do demolhar do linho produzido pelos lavradores locais”. Da análise química levada a cabo por Tito de Noronha em 1885, apenas se destaca o fato de ser uma água bastante rica em cloretos e com dureza média. Os parâmetros ensaiados não acrescentam elementos que permitam atribuir qualquer perigosidade aquela água. Sob o ponto de vista bacteriológico, J. Bahia Júnior transcreve os resultados obtidos, entre 1894 e 1907, no laboratório da Repartição Municipal de Saúde e Higiene e no Laboratório de Bacteriologia do Porto. Deles, conclui aquele autor que a água da Arca e das fontes que servia era muito má, ou seja, imprópria para consumo humano de acordo com as perspectivas atuais.

Foto do tanque do Prado do Repouso

O Manancial do Bispo e das Freiras ou da Póvoa de Cima, provém da reunião de dois mananciais, um que pertenceu, a partir de 1525, às religiosas Franciscanas de Santa Clara, situado no Campo do Espinheira, no lugar da Póvoa de Cima, próximo da Rua Costa Cabral, e o outro pertencente à Mitra Portuense e também localizado na Póvoa de Cima, a ocidente do primeiro, na Quinta do Lima. Esta mina, segundo J. Bahia Júnior, só no inverno e com chuva abundante debitava água. Nos primeiros tempos da sua exploração a água do Manancial do Bispo seguia pelo campo que depois foi cortado pela rua 15 de Setembro, agora chamada da Constituição, atravessava a rua da Alegria e, dirigindo-se para nascente, reunia-se no campo do Espinheira com a água proveniente da arca situada neste campo que pertencia às Religiosas de Santa Clara. A partir daquele campo seguiam em encanamento único que passava pelas faldas do Monte dos Congregados, também conhecido pelo nome de Monte do Tadeu [16], atravessava a propriedade dos Padres de S. Filipe e o Campo de Malmerendas [17], descia da antiga travessa do mesmo nome para a rua do Caramujo, hoje integrada na Rua Alegria. Daqui o encanamento dirigia-se à Rua Direita ou, mais tarde, 23 de Julho e hoje de Santo Ildefonso, atravessava a Viela do Campinho e, chegando á rua de Entreparedes, corria a par do aqueduto público vindo do Campo Grande até á fonte da Batalha. A partir deste ponto o encanamento seguia até ao Mosteiro de Santa Clara sito junto da atual avenida Saraiva do Carvalho, e finalizava na Fonte do Largo da Sé, atual Chafariz do Anjo, e no Paço Episcopal. Por falta de manutenção, o encanamento perdia muita água pelo que pouca chegava ao Mosteiro e quase nenhuma ao Paço Episcopal. Face a esta situação, o Bispo e as Religiosas ofereceram, em 1885, as minas e respetivos terrenos à Câmara, a troco da água que necessitavam, oito penas à Mitra, vinte e quatro ao Mosteiro e uma para uso na Sacristia do Cabido, ficando a conservação do encanamento a cargo da Câmara.

A Entrada do Manancial do Bispo. Fotografia de J. Bahia Júnior, 1909.

Em 1909, acompanhando a descrição de J. Bahia Júnior, os trajetos tinham sido alterados e a água dos dois mananciais apenas se reunia na pia da Fonte da Rua Firmeza. A tubagem que transportava a água do Bispo atravessava a Rua da Constituição em direção à Rua da Alegria, cruzando-a para nascente, e seguindo pela Rua do Príncipe Real, hoje Latino Coelho, alimentava o Chafariz do Largo da Póvoa ou de S. Crispim. Daqui descia a Rua de S. Jerónimo, atual Santos Pousada, até à Rua Firmeza, por onde seguia até à Fonte. A canalização do Manancial das Freiras seguia pela Rua de Anselmo Braamcamp até à Rua do Moreira, virava então para poente até ao n.º 412 da Rua Duquesa de Bragança, hoje chamada de D. João IV, onde existia uma arca que fornecia alguns moradores. Desta seguia por aquela Rua até à arca da Fonte da Rua Firmeza. Na arca desta fonte a água era dividida, seguindo um cano pela Rua Firmeza, Rua da Alegria e Fernandes Tomás para abastecer a Fonte da Praça do Bolhão, e o outro descia pela Rua Firmeza e subia alguns metros na Rua de Santa Catarina dirigindo-se para a Fonte do Canavarro onde servia a bica sul. Uma terceira saída daquela arca dirigia-se para a arca do Manancial da Cavaca ou da Duquesa de Bragança, donde partia o encanamento para abastecer a Fonte da Rua de Santo Ildefonso colocada no antigo Largo das Almas.

Aspeto do interior do Manancial do Bispo, vendo-se, ao canto da abóbada, 
uma pedra com as insígnias da Mitra. Fotografia de J. Bahia Júnior, 1909.

A água do Manancial do Bispo apresentou-se no estudo de J. Bahia Júnior como bacteriologicamente sofrível. Contudo, a mistura da água dos Mananciais do Bispo e das Freiras apresentava-se, na Fonte da Rua Firmeza, como bacteriologicamente .

A entrada do Manancial das Freiras. No frontispício pode-se ler: “Câmara Municipal do Porto, 1857”. Fotografia de J. Bahia Júnior, 1909.







[1] Noronha, Tito de Bourbon e, 1885, As águas do Porto, Dissertação Inaugural apresentada à Escola Médico Cirúrgica do Porto
[2] Atualmente, este parâmetro é designado por dureza total.
[3] Eugene Henri Gavand. 1864. Estudo sobre o abastecimento d’água da Cidade do Porto. Typographia Commercial. Porto.
[4] Filomeno Amaro Soares da Silva, 1999, O Porto em Cortes (1331 – 1406), Dissertação de Mestrado em História Medieval da Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
[5] Cândido dos Santos,  2014, A população do Porto de 1700 a 1820 – Contribuição para o estudo da demografia urbana. Descarregado da internet em 3/8/16 de goo.gl/pPhXXw.
[6] António Cândido Furtado de Antas, 1902, Insalubridade do Porto, Dissertação Inaugural apresentada à Escola Médico-Cirúrgica do Porto
[7] Talvegue – fundo de um vale ou linha que une os pontos mais baixos do leito de um rio.
[8] António D’Andrade Júnior. 1895. Breves apontamentos sobre águas de poços do Porto. Dissertação Inaugural apresentada à Escola Médico-Cirúrgica do Porto.
[9] Borges, Luísa, Pinto, P., Pereira, A. P., Santos, R., 2011. Étude pluridisciplinaire de la stratégie pilote du bassin versant de Ribeira do Poço das Patas. Projeto Water and Territories. Câmara Municipal do Porto, Laboratório Nacional de Energia e Geologia, Águas do Porto
[10] Germano Silva, 2013, O mede vinagre, Cadernos da Libania, https://goo.gl/00DNxF
[11] Ribeiro da Silva, Francisco, 1985a, O Porto e o seu termo (1580-1690) – Os homens, as instituições e o poder, I Volume, Dissertação de Doutoramento em História Moderna e Contemporânea apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
[12] Este escudo real no chafariz atribuía relevante importância a este local (Botelho, I., Silva, S., Allen, T., (2005/06), A Pedra de Armas da Arca d’ Água de Mijavelhas. Sua Contextualização Histórica: Dados e Problemas, Sistema de Metro Ligeiro da Área Metropolitana do Porto, Linha C, T04.05
Porto, Campo 24 de Agosto).
[13] Tito de Noronha, 1885.
[14] Santos, M. J., Uma descoberta do Campo 24 de Agosto, Sistema de Metro Ligeiro da Área Metropolitana do Porto, Linha C, T04.05, documento descarregado de https://goo.gl/CsH3OF em 23/10/2016.
[15] Ribeiro da Silva, Francisco, 1985b, O Porto e o seu termo (1580-1690) – Os homens, as instituições e o poder, II Volume, Dissertação de Doutoramento em História Moderna e Contemporânea apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
[16] A atual rua do Monte do Tadeu está associada ao Monte dos Congregados onde se encontra o reservatório de água da rede de abastecimento à cidade. Na rua do Monte Tadeu existe o miradouro mais alto do Porto que oferece maravilhosas vistas em dias sem neblina.
[17] A atual rua Dr. Alves da Veiga foi rua de Malmerendas, tendo, a alteração ocorrido depois de 1933. A estação de correios que ali estava chamava-se de Malmerendas, tendo encerrado em Junho de 2011.

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