Em
1336, um exército galego desceu até à cidade do Porto durante o conflito entre
Castela e Portugal. Embora os portuenses tenham conseguido defender a cidade,
reconheceu-se que as suas defesas eram muito frágeis. Essa lacuna comprovou-se,
mais tarde, durante o conflito que opôs D. Pedro a seu pai, na sequência da
morte de Dona Inês, que levou aquele a tentar invadir o Porto pela lealdade que
a cidade sempre devotou a D. Afonso IV. Esta ameaça reforçou a necessidade de
proteger a nova área da urbe, fazendo com que o rei D. Afonso IV canalizasse o
dinheiro necessário para se erguer uma nova fortificação que começou a ser
construída ainda no seu reinado e terminou no de D. Fernando, em 1370. A área
amuralhada passou, então, a ter cerca de 45 hectares; a cerca tinha nove metros
de altura e 2.600 metros de perímetro. O Muro, como lhe chama Rebello da Costa [1], envolvia
a urbe assim vista por este autor: “firma-se
sobre dois grandes e dilatados Montes, que são o da Sé e o de Vitória, ambos
imediatos ao rio Douro. Entre estes dois montes medeia uma dilatada planície que
se divide em três vales sobranceiros uns dos outros: o primeiro dilata-se desde
o convento de São Bento das Freiras até São Domingos; o segundo continua por
toda a Rua Nova de S. Nicolau; o terceiro abrange a Ribeira, Fonte Taurina e
toda a Reboleira até à Porta Nova. Pouca ou nenhuma terra se verá em esta
dilatada extensão que não seja povoada e coberta de edifícios. O prospeto da
cidade observado da parte meridional do Rio Douro é bem semelhante a um grande
anfiteatro”. A Muralha começou a ser derrubada no início do século XIX,
acompanhando a expansão da cidade.
António
D’Andrade Júnior [2] dividiu, no seu estudo
sobre águas potáveis, a cidade do Porto em duas áreas: a moderna e a antiga.
Esta correspondia ao Porto antigo, limitada pelos muros afonsinos, dos quais
apenas existiam, em 1895, segundo o autor, vestígios na Rua da Madeira, Convento
de S. Bento da Avé Maria e Calçada da Esperança. Nos nossos dias, os restos da
muralha afonsina, esquecidos por D’Andrade Júnior, estão nos Guindais e nas
Escadas do Caminho Novo. Mas a divisão que ele considerava, justificava-se
tendo em conta o objeto por ele estudado. As condições higiénicas em que viviam
aqueles que habitavam as ilhas e a área antiga diferiam notavelmente dos
felizardos que usufruíam de melhores ares e águas nas zonas afastadas e menos
carregadas de população.
Trecho da Muralha Fernandina nas Escadas do Caminho Novo |
A
encosta poente do morro da Sé pode ter sido tão rica em água como o é a escarpa
dos Guindais, levando a admitir, com elevado grau de certeza, que, no princípio
da formação da urbe, a água aí usada era captada a partir de poços ou de minas.
Algumas minas podiam abastecer chafarizes e fontes públicas, como são exemplo a
Fonte do Almazém, o Chafariz da Rua Nova, a Fonte Taurina. Mas uma questão se
colocava: que qualidade tinha a água que os vizinhos usavam? A resposta
encontra-se em documentos diversos, particularmente nas atas das sessões
camarárias, como a referência que fizemos anteriormente na qual se impunha a
proibição de sujar as fontes e chafarizes e de nelas lavar panos e tripas. A
falta de higiene não se manifestava apenas naquele mobiliário urbano; ela estendia-se
a toda a urbe, como muito bem o descreve Maria Lúcia Afonso [3]: “Os animais - cães, galinhas e porcos -
misturavam-se livremente com as pessoas que por elas deambulavam. Pelas janelas
das casas eram lançados os dejectos e águas sujas sem qualquer cerimónia,
contribuindo para que a imundície se acumulasse e o cheiro fosse nauseabundo.
Apenas nas datas solenes, principalmente nos dias das grandes procissões, é que
a Câmara mandava proceder à limpeza das ruas. Outras vezes eram os lavradores
que, com o intuito de arranjar estrume para os seus campos dos arrabaldes,
recolhiam por conta própria o lixo acumulado”. A inexistência de uma rede
de saneamento e de serviços regulares de limpeza e recolha de resíduos
destinavam todos os contaminantes para o rio da Vila ou para o subsolo e
lençóis freáticos. Daqui resultava, no século XVI, uma cidade “suja, com cheiro nauseabundo”, com ruas
“onde se acumulavam detritos,
esterqueiras, escorriam líquidos suspeitos e viscosos onde se juntavam os
dejectos dos bacios”, e onde “as
fontes, as minas e os chafarizes eram focos de água imprópria onde se acumulava
toda a espécie de imundícies. Daí a quantidade de epidemias e pestes que
obrigavam a cercar as ruas para isolar os marginais e os suspeitos de
portadores de peste” (Vasconcelos, 2001) [4].
É
interessante verificar, e procurar reconhecer, o que descreve, em 1788,
Agostinho Rebello da Costa: “atravessam
esta cidade esta cidade muitos ribeiros de água, que servem uns para lhe
levarem as imundícies, e tal é o chamado Rio da Vila, outros para neles se
lavar roupa e moverem com as suas correntes várias rodas de moinhos e azenhas;
há sobre eles algumas pontes de pedra, como a Ponte Nova, que está entre a Rua
das Flores e Banharia, cercada de casas e balcões, a das Patas, Cedofeita,
Massarelos e outras. É copiosíssimo o número das fontes, chafarizes e poços de
água nativa e pura, que servem de uso e regalo a todas as famílias. Os poços
excedem o número de 2000. Os chafarizes públicos são os seguintes, os da
Ribeira, S. Domingos, Taipas, Porta do Olival, Fábrica, Rua Cham, Santo
Ildefonso, Sé e o da Serra. Os particulares, são os do Terreiro de Santa Clara,
Monchique, Franciscanos, Domínicos, Bentos, Loios, Congregados, Carmelitas,
Agostinhos Descalços, Cruzios, Antoninhos de Vale Piedade, e Paços Episcopais.
Muitos destes chafarizes, ainda que pertençam a conventos particulares, alguns
servem igualmente ao uso público. Alguns há que formam profundos lagos em que
nadam cardumes de peixes de cores e vistas diferentes. Todos os conventos de
religiosas estão da mesma sorte providos de água perene, que se reparte pelas
oficinas dos seus claustros. O número de fontes públicas passa de cem. Muitas
arrojam duas telhas de água, e algumas se assemelham à fonte que está próxima
da Igreja da Senhora da Hora, a qual ainda no árido outono, lança sete chorros,
cada um de telha de água claríssima e bem gostosa”.
A
leitura desta passagem do texto de Rebello da Costa, homem de Braga e vivendo no
Porto há 20 anos quando publicou aquela histórica obra, revela-nos o seu
caráter bondoso, reconhecidíssimo com a cidade que o acolheu. Para ele, na
cidade havia bastante abundância de água, existiam muitas fontes e chafarizes
de água puríssima, em que as fontes de Fradelos e das Fontainhas eram, de entre
as boas águas, as melhores. Rebello da Costa chegou ao ponto de classificar a
água de Paranhos como “pura, claríssima,
muito leve e desobstruente”. Tinha razão quando afirmava que a água,
naquele tempo, era abundante e que existiam bastantes chafarizes e fontes para
uso público. Aliás, é antiga a preocupação do Município do Porto em dotar a
cidade do mais importante meio de abastecimento público na época, e é notória a
constante procura de conservar as fontes e chafarizes em perfeito estado de
limpeza e higiene, embora a história nos mostre que foi uma árdua luta em vão.
Mas já não a tinha quando há muito se clamava contra a inquinação das águas dos
chafarizes e fontes.
Rebello
da Costa considerou limites da cidade da cidade que há muito tinham
ultrapassado a Muralha Fernandina. A identificação das fontes e chafarizes que
existiram ou ainda existem dentro de muros é muito interessante porque permitem
avaliar a intensa ocupação do solo da cidade, agravando as suas condições
sanitárias e aumentando os níveis de contaminação da água. Por isso, cedo
começou a luta para encontrar meios suficientes para satisfazer as necessidades
do povo em água, quer em quantidade, quer em qualidade, recorrendo, numa
primeira fase aos mananciais mais próximos, como os das Fontainhas, Mijavelhas
ou Campo Grande, e Virtudes, e mais tarde aos de Paranhos e Salgueiros, mais
afastados do centro histórico. Muitas das fontes e chafarizes eram
particulares, algumas esquecidas e não referidas na história, outras em
conventos e mosteiros, como as indicadas por Rebello da Costa. Outras eram
públicas, construídas pela Câmara ou por iniciativa popular. As Ordens
Religiosas tiveram notável importância no abastecimento de água à urbe,
particularmente no desenvolvimento técnico que foram criando na arte de a
conduzir. Alguns dos seus chafarizes são bem conhecidos e resistiram ao tempo,
tendo sido colocados em locais com alguma nobreza. Dos chafarizes e fontes
públicas muitos desapareceram esmagados pela pior face do progresso, alguns
ainda resistem tristemente, mas o vandalismo vai-os atacando, temendo-se que o
seu destino seja o pior: o seu desmantelamento.
O
local da construção do Convento dos Frades Franciscanos, na margem direita do
Rio da Vila, junto ao Douro, fez parte da contenda entre o Bispo D. Martinho
Rodrigues e o Rei D. Sancho II sobre os limites do couto episcopal. O litígio
continuou, mas o Convento cresceu e, na área hoje ocupada pelo Pátio das Nações
do Palácio da Bolsa [5], foi instalado um chafariz
que, segundo Rebello da Costa, 1788:112, “lança
perennes chorros d’agoa, pública e patente a todos os que quiserem
aproveitar-se della”. A água que abastecia o convento vinha do sítio do
Laranjal (Amorim & Osswald, 1982) [6], na
zona onde hoje se encontra a estação da Trindade, descia pelos terrenos
ocupados pela Avenida dos Aliados, entrava no burgo pelo postigo de Santo Eloi,
e seguia pela Rua das Flores e Largo de São Domingos até ao convento. A água
terá chegado ao convento depois de 1544, ano em que a Câmara concedeu um
subsídio para o seu encanamento, com a obrigação de ser cedida uma parte para o
Chafariz do Largo de S. Domingos. Esta pretensão da Câmara não chegou a ser
concretizada por falta de capacidade do “cano”. Em 1615, o Mosteiro de S.
Francisco cedeu um anel de água aos Padres Dominicanos, a troco da permissão de
passagem do encanamento através dos seus terrenos (Amorim & Osswald, 1982).
O chafariz aí se manteve até pouco depois de 1832, data em que um incêndio
ocorrido durante a ocupação do Convento pelo Batalhão de Caçadores das tropas
de D. Pedro V. Das ruínas nasceu o Palácio da Bolsa e o chafariz foi
transladado, em 1869, para o Jardim do Passeio Alegre [7], onde
adotou o nome de Chafariz do Passeio
Alegre. Foi classificado como Monumento Nacional pelo Decreto N.º DG. 136
de 16 de junho de 1910.
Chafariz do Passeio Alegre |
Foi o Rei D. Manuel I que deu ordens para se
construir o Convento das Freiras nos terrenos das Hortas do Bispo, numa área
que compreendia a Rua dos Carros, Calçada da Teresa (atual Rua da Madeira), Rua
do Faval (atual Rua do Loureiro), e Praça do Faval ou Terreiro de S. Bento, que
mais tarde deu origem à Praça Almeida Garrett. A construção do Mosteiro
iniciou-se em 1518 e concluído em 1528. Só em 1535 foi ocupado pelas freiras de
S. Bento de Avé Maria [8].
O Chafariz do Convento de S. Bento de Avé
Maria, construído, em 1518, no
centro do claustro do mosteiro, possuía bicas em três níveis que lançavam a
água para duas taças e um tanque inferior. Depois da demolição do Mosteiro, em
1894, para dar lugar, lamentavelmente, à Estação de São Bento, foi colocado na
entrada da rua da Madeira, donde passou para o Largo dos Loios e, mais tarde,
para o Museu Municipal. Encontramo-lo, hoje, nos Jardins da Águas do Porto. No
exterior do Mosteiro existiu a Fonte do
Largo de S. Bento das Freiras, construída ao mesmo tempo daquele, no
Terreiro de S. Bento no ângulo que aquele Largo fazia com a Rua do Loureiro [9].
Era abastecido pelo Manancial de Camões.
A construção da igreja e dos edifícios adjacentes
para onde foi transferido o Colégio de S. Lourenço da Companhia de Jesus,
fundado em 1561, teve início em 1574 e prolongou-se por alguns anos. Os
jesuítas transferiram-se do “colégio” primitivo para o novo em 1577. Após a
expulsão dos Jesuítas pelo Marquês de Pombal, em 1759, a Igreja e o Colégio da
Companhia de Jesus, são entregues por carta régia de D. José, de 1774, à
Universidade de Coimbra, que os vende, em 1780, aos Eremitas Descalços de Santo
Agostinho, conhecidos por frades grilos, onde instalam o seu Convento. Em 1833,
durante o Cerco do Porto, os frades abandonaram o convento e aí se instalou o
Batalhão Académico, que incluía nas suas fileiras Almeida Garrett. No ano
seguinte, D. Pedro V cede as instalações para o Seminário Diocesano do Porto.
Hoje, aquele património pertence à diocese onde mantém um museu. O colégio de
S. Lourenço era abastecido de água pelo Manancial das Fontainhas, cujo cano foi
construído em 1588/89, devendo então existir um chafariz que terá sido
reconstruído em 1785, passando a denominar-se como Chafariz dos Agostinhos Descalços. O chafariz mantém-se, nos nossos
dias, num pátio interior do Seminário Maior do Porto (Santos et al., 2015:184).
LOCALIZAÇÃO DAS FONTES E
CHAFARIZES INTRAMUROS DESAPARECIDOS
Legenda:
A
– Chafariz da Cividade; B – Fonte
dos Canos; C – Fonte da Ponte Nova; D – Chafariz da Praça de S. Roque ou do
Souto; E - Fonte da Biquinha; F – Fonte S. João Novo; G – Fonte do Largo de S. Bento das
Freiras; H – Fonte de S. Domingos; I – Chafariz do Largo de S. Domingos; J – Fonte da Porta dos carros; K – Fonte dos Ferreiros; L – Fonte de D. Teresa; M – Fonte do Touro; N – Fonte dos Banhos ou do Sargento dos
Banhos; O – Fonte Taurina, Aurina ou
Tourina; P – Fonte de Congostas; Q – Fonte da Misericórdia; R – Fonte do Mercado Ferreira Borges; S – Chafariz do Anjo S. Miguel; T – Chafariz de S. Sebastião; Y – Chafariz da Lada.
Muitos
dos chafarizes e fontes da urbe intramuros desapareceram. De alguns apenas se
encontram referências com limitada informação, como Rebello da Costa, 1788, que
indica os Chafarizes dos Cruzios, Bentos, Loios e Paços Episcopais,
todos para uso particular. Velasques, 2001, dá nota da existência do Chafariz da Ermida e Hospital do Espírito
Santo, que terá existido no séc. XV, do Chafariz
dos Beneditinos, também para uso particular, e do Chafariz das Escadas da Sé, que teria apenas uma bica, Velasques diz
que ela é referida em 1844, mas não indica por quem. Baltasar Guedes,
transcrito por Teixeira, 2011, descreve o Chafariz
da Sé, “cuja Arca é muito formosa;
está na Póvoa de Cima, e como não pertence a este Senado, recuso tratar dela.”....
“há uma formosa fonte da Rua dos
Mercadores, abaixo da boca da Rua Nova, que por algumas vezes tem este Senado
intentado levá-la à Ribeira, cousa mais necessária; está esta fonte em uma
Torre que foi dos Galegos, e fica para o rio da Vila, e suposto não será mais
que um anel de água, é certo que ao passar do Cano de água, se acharia mais
pelas fragas abaixo”. A Fonte do
Largo de S. Bento das Freiras, que ficava no ângulo que este Largo fazia
com a Rua do Loureiro. Esta fonte era alimentada pela água do Manancial de
Camões (Bahia Júnior, 1909). Horácio Marçal, 1968, [10] , refere
ainda a Fonte do Touro, junto à Porta
Nobre. De outros são conhecidos dados mais concretos como os que se apresentam
a seguir.
A Fonte
Taurina, uma das mais antigas do Porto e há muito desaparecida, teve
vários nomes: Aurina, D’Ourina ou Tourina. Ela terá existido na Rua Taurina, possivelmente no começo
daquela rua a partir da Praça da Ribeira [11]. A fonte era abastecida com água de uma nascente
própria. Documentalmente sabe-se que a fonte já existia em, pelo menos, em 1392
porque é referida na ata da sessão do município em 18 de julho daquele ano [12],
e mais tarde na sessão de 21 de junho de 1411 [13].
O
Chafariz
da Cividade, identificado por Horácio Marçal, já existia no século XV e
localizava-se na margem direita do Rio da Vila, no local onde, mais tarde, se
abriu a rua das Flores. Próximo, no Terreiro de S. Bento das Freiras (Praça Almeida
Garrett), havia a Fonte dos Canos do
qual pouco se sabe; provavelmente terão existido duas fontes com este nome, em
que a segunda terá aproveitado a água da mais antiga que, entretanto,
desapareceu [14]. A pouco menos de uma
centena de metros existiu a Fonte da
Ponte Nova que ficava debaixo do arco desta ponte. Segundo Horácio Marçal,
a água desta fonte era salobra e o povo acreditava que ela era “excelente para a moléstia dos olhos”.
Esta autor descreve também a Fonte da
Biquinha que ficava num dos muitos arcos (os Aloques da Biquinha)
existentes sob os terrenos existentes nas traseiras das casas das Rua das
Flores. Pelo menos na parte final da existência da fonte, a sua água
apresentava-se muito inquinada.
A Fonte dos
Canos, que se localizava no Terreiro ou Largo de S. Bento das Freiras,
na esquina da rua do Corpo da Guarda e a um nível inferior ao pavimento. Era um
“lugar imundo, indecente e sobremaneira
escuro, e por isso proprio para imoralidades e prejudicial aos serventes das
cazas” (Gomes Leite, 1838) [15]. Ela foi alterada em 1835, dando lugar à Fonte de S. Bento.
A Fonte dos
Banhos ou do Sargento dos Banhos,
do Reguinho, ou do Comércio, estava situada na desaparecida Rua do
Reguinho, junto às Escadas do Forno Velho. O nome de Sargento dos Banhos teve
como origem uma figura de pedra, imitando um sargento, localizada num nicho
existente na parte superior do espaldar. A sua água provinha de mina própria
situada em um armazém próximo. A qualidade da água foi-se deteriorando ao longo
do tempo. A impureza da sua água levou ao seu encerramento em meados do século
XIX.
Antes
da abertura da Rua Mouzinho da Silveira, aquela área era servida pelo Chafariz
da Praça de S. Roque, de Santa
Ana, ou do Souto, situada perto
da também desaparecida capela de S. Roque, construído em data desconhecida, mas,
seguramente, anterior a 1594. Este chafariz era abastecido por água vinda da
Arca das Hortas, na casa n.º 66 da Rua das Hortas (Gomes Leite, 1838), seguindo
pela Rua dos Caldeireiros, onde se dividia uma pena de água para esta fonte e
três penas para o Hospital de S. Francisco; atravessava a Rua das Flores e
dirigia-se para a Praça de S. Roque (Gomes Leite, 1836). A. Fontes, 1908, afirma que na sua época ela era
abastecida com água do Campo do Meloal e, mais tarde, passou a ser abastecida,
até à sua demolição, em 1877, pelo aqueduto de Paranhos.
A Fonte de Congostas, localizava-se,
desde o período 1594 e 1604, no lado poente da rua das Congostas até à sua demolição
entre 1882 e 1883, sensivelmente no canto sudeste do jardim do Infante D.
Henrique. Diogo Teixeira, 2011 [16],
denomina esta fonte de “Chafariz da Rua
Nova”, e recorrendo a Horácio Marçal, diz que esta fonte substituiu outro
cuja água vinha de mina própria e que ostentava no espaldar as Armas Reais de
D. João II (1481-1495). Este adorno foi aproveitado para o novo chafariz. Diogo
Teixeira cita Baltasar Guedes do qual, em nota de rodapé, transcreve: ““No meio da Rua Nova, ao pé da Rua das
Congostas, está o formoso Chafariz com três Taças; de duas tenho dado noticia
atrás, da ultima darei mais adiante; de quão é necessária para este povo, neste
lugar; ele mesmo testifica. As vertentes vão à Casa da Moeda para o serviço dela,
e quando lá não são necessárias, tem um Cano que vai pela ladeira da Alfândega
abaixo sair a hum Postigo que está serrado de parede para o Rio [17].”
No Livro de Vereações do Município do Porto [18], o Chafariz da Rua
Nova é referido nas sessões de 5 de junho de
1405 e de 24 de Fevereiro de 1411. Das duas uma: ou a Fonte de Congostas e o
Chafariz da Rua Nova são a mesma coisa, cometendo Baltasar Guedes um pequeno
erro na sua localização, e a data da sua construção terá sido anterior a 1405, ou,
então, terá existido um chafariz na Rua Nova (rua posteriormente apelidada dos
Ingleses e hoje do Infante D. Henrique) que foi mais tarde (1594-1604)
transferido ou reconstruído para a Rua das Congostas. O Chafariz da Rua Nova
recebia água de mina própria, acontecendo o mesmo, nos primeiros tempos, na
Fonte de Congostas, passando este, pouco depois de 1838, a ser abastecido pela
água de Paranhos e Salgueiros, a partir da Arca do Anjo. A fonte de Congostas
foi desmantelada para que o seu lugar fosse ocupado pela rua Mouzinho da
Silveira, tendo sido substituída, em 1888, pelo Chafariz do Mercado Ferreira Borges.
A água da Fonte de Congostas, que era jorrada por
três golfinhos para três taças, tinha inicialmente origem, segundo Germano
Silva [19], do
campo do Meloal. Henrique Reis, citado por Diogo Teixeira, diz que “a fonte da rua das Congostas, que teve
antigamente água própria para a alimentar; porém, sendo de péssima qualidade
abandonou-se substituindo-se pela do mencionado manancial de Paranhos e
Salgueiros.” A água daqueles mananciais vinha da Arca do Anjo.
A
Fonte
da Porta dos Carros, existente em 1630, localizava-se junto ao Convento
de S. Bento da Avé Maria, no Centro do Largo entre a Igreja dos Congregados e a
Porta dos Carros da Muralha Fernandina. Esta fonte recebia a água de uma
nascente que havia na Calçada da Teresa e, segundo Leite Gomes, 1838, a sua
água “era mais saborosa e abundante que na
fonte, em consequência das ruínas do aqueduto”. A sua existência foi
efémera: terá desaparecido quando, em 1827, aconteceu o mesmo à porta da
muralha fernandina. A Fonte dos Carros,
foi localizada, em 1894, na desaparecida Rua dos Carros que entroncava no Largo
do Souto (Velasques, 2001).
A Fonte de D. Teresa ou, simplesmente, da Teresa, que estava situada na atual Rua da Madeira (Marçal,
1968), recebia a água que vinha de uma nascente localizada no cimo da Calçada
de D. Teresa que subia da Porta dos Carros para a Senhora da Batalha. Era água
ligeiramente salobra, sinal evidente da sua contaminação. As vertentes corriam
para um tanque encostado à Muralha Fernandina, junto da Porta dos Carros e em
frente da capela de Santo António (Igreja dos Congregados). Horácio Marçal
transcreve o Padre Manuel Pereira de Novais, que indica a existência da Fonte
de Dona Teresa e de uma outra fonte que apenas abastecia o Convento de S.
Domingos.
Construída
no pátio da Igreja da Santa Casa, a Fonte da Misericórdia era privada
mas permitia-se o uso público. A sua água vinha de uma nascente existente no
Quintal do lado de cima da Sacristia de que era dona a Irmandade da
Misericórdia (Leite Gomes, 1838). A Fonte
dos Ferreiros, segundo Velasques, terá existido na Travessa da Fonte dos
Ferreiros que veio a dar origem à Rua da Ponte Nova.
O Chafariz do Largo de São Domingos
foi construído no século XIV, pois no Livro das Vereaçoens – anos de
1401-1449 [20], pág. 186, exarou-se, na
ata da sessão de 12 de setembro de 1403 da Câmara Municipal do Porto, que fosse
reparado “este chafariz no centro do Largo do mesmo nome”. Tinha uma coluna central com duas taças,
de quatro bicas cada, que lançavam a água para um tanque com formas curvilíneas.
Foi desmantelado em 1845 quando a Câmara procedeu a um arranjo urbanístico do
largo para lhe atribuir maior fluência viária, tendo sido substituído pela Fonte de São Domingos. Recebeu água do
Laranjal e, mais tarde, dos mananciais de Paranhos e Salgueiros. Em 1853,
aquele chafariz foi reconstruído na Praça da Trindade, onde se encontra
atualmente. A Fonte de São Domingos,
uma das mais caras da cidade, foi construída, em 1846/50, incrustada no edifício onde, em 1829, abrira a Papelaria Araújo & Sobrinho, hoje transformada em hotel e restaurante. Horácio Marçal, 1968, descreve a fonte como tendo duas bicas com a forma de golfinhos cobertos por uma concha de Santiago, e com um medalhão em granito com as armas da cidade, medalhão esse que se encontra nos jardins das Águas do Porto. A fonte começou, em 1848, a lançar água com origem nos mananciais de Paranhos e Salgueiros. A fonte foi desmantelada em 1922 para expansão e abertura de uma montra da papelaria. De acordo com a caracterização feita por Ferreira da Silva, em 1887, apresentada por Fontes, 1908, a água desta fonte apresentava elevada concentração de cloretos e de matéria orgânica e uma quantidade apreciável de nitratos, resultando esses valores da má qualidade da água de Salgueiros. Em 1905, Manoel Pinto, chefe do Laboratório Nobre da Escola Médico-Cirúrgica, demonstrou que a qualidade da água daquela fonte se tinha deteriorado, sendo bastante mais salina do que o era em 1887, e a concentração de nitratos atingia o valor de 430 mg/L NO3, 8,6 vezes mais do que o limite atual para a água destinada a consumo humano. Bacteriologicamente, a água também se apresentava bastante inquinada.
A fonte de São Domingos em 1908. Fonte: Adriano Fontes, 1908 |
O Medalhão da Fonte de S. Domingos, no seu estado atual, no jardim das Águas do Porto |
A
Fonte
do Mercado Ferreira Borges, também conhecida como do Mercado do Azeite, posto em funcionamento em 1888 e localizada
na atual Praça Infante D. Henrique. Era uma lindíssima fonte com duas figuras
de mulher em “tamanho natural sobraçando
dois canjirões tombados, por onde a água jorrava para um tanque” (Marçal,
1968). O elemento decorativo daquela fonte encontra-se no Palácio de Cristal, tendo-se
construído uma subestação elétrica no local que ela ocupava. A água que brotava
dos seus canjirões tinha origem nos mananciais de Paranhos e Salgueiros,
chegando à fonte num cano de chumbo (Fontes, 1908). Adriano Fontes lamentava o
desrespeito que a Câmara teve com aquela fonte “construindo latrinas publicas com entrada pelo alpendre que a cobre, o
que legitima até certo ponto, dadas as péssimas condições de asseio das
latrinas, que alguns indivíduos descarreguem
o intestino no solo do alpendre”. A caracterização química da água
feita, em 1905, por Manoel Pinto, mostrava que ela era equivalente à de todas
as fontes servidas pela Arca do Anjo, ou seja, de muito má qualidade e
imprópria para consumo humano. A caracterização microbiológica feita no mesmo
laboratório reforçava a má classificação que a água tinha.
A Fonte que esteve no Mercado Ferreira Borges e agora se encontra nos Jardins do Palácio de Cristal |
A Fonte que esteve no Mercado Ferreira Borges e agora se encontra nos Jardins do Palácio de Cristal |
A
Fonte
de S. João Novo localizava-se na Rua de S. João Novo encostada ao muro
da cerca do antigo mosteiro dos frades Gracianos (Silva, 2000) [21]. Em
1660, foi paga a água que vinha da nascente existente na Quinta das Virtudes
(Manancial da Virtudes) que a abastecia, bem como a Fonte das Virtudes. O
terreno por onde passava o seu aqueduto foi pago em 1617. Em 1824, foi feito um
projeto para a sua reforma, o que aconteceu porque Bahia Júnior, 1909, descreve
a fonte como tendo “duas bicas colocadas
uma em frente da outra e que se lançam em um grande tanque metido dentro do
alinhamento das casas”, conforme se vê em Silva, 2000:31. Das vertentes da
fonte era desviado meio anel de água para o mosteiro. Acrescenta Bahia Júnior
que, junto à fonte, “lá se encontra o
quasi inseparável companheiro, — o mictório”. Sobre a qualidade da água
desta fonte, que era a mesma da fonte das Virtudes que se abordará adiante,
Bahia Júnior, 1909, cita Souza Reis, que escreveu: "Todavia esta água da Fonte das Virtudes não é boa para os usos
domésticos, pois em 3 de junho de 1859, Manoel Nepomoceno, Preparador do
Laboratório Chimico da Academia Polytechnica, procedendo a um exame da mesma
água, achou-lhe saes pertencentes aos sulfatos e cloretos, e ás espécies de cal
e magnésia — julgados sulfato de magnesia e chloreto de cálcio, — e por isso
capitula a dita água até certo ponto potável por ser pequena a quantidade de
saes, mas considera-a má, para os usos da vida”. Era assim que, naquela
data, se classificava a água, recordando-se que a microbiologia ainda era
assunto desconhecido à data.
A Quinta das Virtudes nos nossos dias |
LOCALIZAÇÃO DAS FONTES E
CHAFARIZES INTRAMUROS EXISTENTES ATUALMENTE
Legenda:
1
– Fonte da Rua Mouzinho da Silveira; 2
– Fontenário da Rua do Souto; 3 –
Chafariz do Anjo de S. Miguel; 4 –
Chafariz de S. Sebastião ou da Rua Escura; 5
– Chafariz da Rua Cham ou Chã; 6 –
Fonte de S. João ou da Praça da Ribeira; 7
– Fonte do Cubo; 8 – Chafariz da Rua
das Taipas; 9 – Fonte da Cadeia ou
do Olival.
O Chafariz
do Anjo São Miguel foi construída no Largo da Sé unido à fachada Norte
da Catedral, em 1737, segundo o risco de Nicolau Nazoni. Atualmente encontra-se
na Calçada de Vandoma, quem sobe, do lado direito. Admite-se que terá
substituído outro que existia na Porta de Nossa Senhora de Vandoma (Santos et
al., 2015:160). É constituído por uma taça circular tendo por
trás um espaldar côncavo, e no centro um pequeno frontão com um baixo relevo
representando S. Miguel com a espada matando o demónio. Deste frontão parte uma
coluna que sustenta uma outra imagem de S. Miguel. Na segunda metade do século XIX foi mudado para a Calçada de Pitões. Foi
alimentada com água do Manancial do Campo Grande; contudo, foi aquela água
substituída pela da “companhia” e, em 1909, a fonte estava “definitivamente
fechada ao público” [22].
O Chafariz do Anjo S. Miguel está considerado como imóvel de Interesse
Público, por Decreto de 19 de Novembro de 1926.
Chafariz do Anjo São Miguel |
Pormenor do Chafariz do Anjo São Miguel |
Pormenor do Chafariz do Anjo São Miguel |
O Chafariz de São Sebastião, atualmente designado por Rua Escura e, no passado, como dos Pelicanos, esteve localizado, até 1940, na Rua de São Sebastião,
antiga Rua da Sapataria, muito perto da Rua Escura e ao lado da Capela do
Senhor dos Passos. Mudou, naquela data, para o Largo Dr. Pedro Vitorino, a
poucos metros da Sé. Estava muito próxima dos antigos Paços do
Concelho ou Casa dos Vinte e Quatro, fronteira ao Cárcere dos Clérigos [23]. Terá sido construído, provavelmente, em
1626-27. Foi abastecida pelo manancial de Mijavelhas ou Campo Grande. As
análises microbiológicas realizadas no Laboratório de Microbiologia do Porto,
entre 1902 e 1907, e compiladas por Bahia Júnior, 1909, mostram que a água estava
contaminada bacteriologicamente, sendo considerada como má. O chafariz é
composto por um tanque e um pano de fundo “coberto
de floreadas ornamentações abertas em pedra” [24] em
que sobressai um pelicano ladeado por duas figuras femininas. O conjunto é
encimado pelas armas reais portuguesas. A água depois de cair numa taça, a meio
da fonte, sustentada por duas figuras humanas, divide-se para as duas bicas que
a lançam no tanque que apresenta duas concavidades nas suas faces laterais. Esta
fonte foi classificada, por Decreto de 22 de Março de 1938, como imóvel de
interesse público.
A Fonte de S. Sebastião em 1909 (Bahia Júnior, 1909) |
A Fonte de S. Sebastião nos nossos dias |
Pormenor da Fonte de S. Sebastião nos nossos dias
|
A
Fonte
da Rua Mouzinho da Silveira, apelidada por Bahia Júnior [25],
1909, como Fonte d’Água, ao contrário
de Adriano Fontes que lhe atribuía o nome pela qual hoje a conhecemos, foi
construída durante a abertura da Rua de Mouzinho da Silveira. A água das duas
bicas cai num grande tanque, e o conjunto é envolvido por um alpendre abobadado
em pedra, sobre o qual se encontra uma grande varanda acessível pela Rua dos
Pelames. Em 1924-25 foi ocultada para construção de dois estabelecimentos
comerciais, e substituída por um fontenário
à entrada da Rua do Souto igual ao
que se encontra no Largo Artur Arcos, conhecido como de Hulsenbos, indicado por
A. Fontes como da Rua Nova da Alfândega. Porém, em 1966, foi reconstruída tal
como estava e aberta ao público.
Fontenário da Rua do Souto |
O
Fontenário da Rua do Souto, com duas
pias, a da frente para dessedentar os animais, e a outra para servir o Homem.
Repare-se na vegetação que se desenvolve na parede e nas escorrências de água
do subsolo. São dois sinais da forte contaminação dessa água, que não é a da
fonte.
Em
1909, as bicas da Fonte Mouzinho da Silveira eram abastecidas a partir de
diferentes origens: a do lado direito de quem olha para a fonte, era abastecida
com água dos mananciais de Paranhos e Salgueiros; a do lado esquerdo, com água
da Arca das Hortas, canalizada desde a rua do Almada em tubagem de grés, chumbo
e a parte final em ferro galvanizado. Bahia Júnior visitou aquela arca, situada
nas traseiras do prédio n.º 61 da rua do Almada (em 1737, n.º 36 da Rua das
Hortas, segundo A. Fontes, 1908), tendo encontrado um gato em decomposição
flutuando na água. Para verificar o efeito daquele achado na qualidade da água,
foram recolhidas amostras de água das aberturas (nascentes) que abasteciam a
arca, no início da mina condutora e na bica do lado nascente da fonte.
Verificou que a água das duas nascentes era bacteriologicamente muito pura,
enquanto as outras amostras apresentavam péssima qualidade. Adriano Fontes,
1908, apresenta os resultados da análise química realizada por Manoel Pinto, em
1905, a uma amostra de água recolhida na 1ª bica da Fonte de Mouzinho da
Silveira (água de Paranhos/Salgueiros), na qual se reconhece que a água era
relativamente dura (159 mg/L CaCO3), continha pequena quantidade de
substâncias oxidáveis, tinha quase o dobro dos sais dissolvidos que tem a água
hoje servida à cidade do Porto, era rica em cloretos, sulfatos e nitratos. Os
resultados mostravam que a água estava fortemente contaminada e, à luz dos
nossos padrões, seria considerada imprópria para consumo humano. Microbiologicamente
a água apresentou-se como má. Resumindo, as duas bicas forneciam água imprópria
para consumo.
A Fonte da rua do Mouzinho da Silveira na actualidade |
A
Fonte
de S. João ou da Praça da Ribeira,
que se encontra no lado norte desta praça, encostada ao prédio que existe entre
a Rua de S. João e a rua dos Mercadores, substituiu o chafariz seiscentista que
se encontrava no meio da praça, e foi construída entre 1784 e 1786, durante as
obras de remodelação da praça. Tem no frontal o escudo das armas portuguesas e
sob este um nicho, onde devia estar, provavelmente, uma referência ao santos
padroeiro da cidade, S. Pantaleão, apenas foi preenchido com a imagem de S.
João, esculpida por João Cutileiro, em 2000. Entretanto, foi restaurada em
1940. De início, era alimentada pelo manancial de Malmeajudas e, ultimamente,
pelo de Paranhos e Salgueiros.
A Fonte de S. João na Praça da Ribeira |
A
Fonte
do Cubo, instalada em 1983, foi projetada pelo escultor José Rodrigues
a partir do tanque do primitivo Chafariz da Praça da Ribeira, descoberto quando
do último arranjo e pavimentação da Praça da Ribeira. O cubo de 600 kg, em
bronze, está assente por um dos seus vértices num pilar colocado no centro do
tanque. Os jatos de água dissimulam o pilar dando a entender que são eles que
suportam o cubo. As faces superiores têm algumas pombas esculpidas. A fonte tem
recirculação de água por meio de bomba para a produção dos jatos.
A Fonte do Cubo, na Praça da Ribeira |
O Chafariz da Rua das Taipas foi
construída a cargo dos moradores da rua ou largo das Taipas, em 1772, tendo
substituído o Chafariz do Postigo das
Virtudes que fora construído em 1707 (Teixeira, 2011). Está situada num
nicho entre dois prédios, com uma bica, no centro de um medalhão oval, que
verte a sua água para um tanque. Tem, nas suas costas, uns tanque que distribuem
as vertentes do chafariz por diversos moradores. O Chafariz do Postigo das Virtudes era mais sumptuoso, e a sua água
caía de quatro bicas numa taça, da qual caía através de duas bicas em duas
taças. Tanto a atual fonte como o substituído chafariz recebiam a água do
manancial de Paranhos, e, a partir de 1838, do de Salgueiros, vinda da Arca no
Anjo [26]
através de tubagem em chumbo entrecortada por caixas de distribuição (pias) mal
protegidas, facilitando a conspurcação da água (Fontes, 1908). De acordo com as
análises químicas efetuadas por Ferreira da Silva entre março e setembro de
1887, e reproduzidas por Adriano Fontes, a água que alimentada a Fonte das
Taipas era quimicamente muito semelhante à da Arca do Anjo e de todas as fontes
e chafarizes servidos a partir dela. Embora o teor de sais dissolvidos dessa
água fosse ligeiramente superior ao da água atualmente distribuída pelas Águas
do Porto, ela apresentava mais matéria orgânica, mais cloretos e mais nitratos,
sinais da sua inquinação. Esta inquinação não era, em 1908, muito segura. Os
resultados analíticos obtidos, em 1905, no Laboratório Nobre da Escola Médico
Cirúrgica do Porto, citados pelo mesmo autor, mostraram ou um notável
agravamento da inquinação da água ou uma notável redução do caudal da água de
Paranhos. O aumento da concentração de nitratos sugere claramente que a causa
prende-se com inquinação da água no seu trajeto a partir da Arca do Anjo,
sobretudo nas pias mal protegidas. Adriano Fontes apresenta os resultados dos
exames bacteriológicos realizados, entre 1809 e 1907, por Ricardo Jorge, Souza
Júnior e Manoel Pinto, à água de fontes abastecidas com água daquela arca, não
inclui a das Taipas, que mostram sinais preocupantes, embora o autor tenha
admitido não ser possível, com os dados disponíveis, tirar conclusões. Nos
exames realizados, em 1907/8 por Souza Júnior e pelo próprio Adriano Fontes, os
resultados são inequívocos: a água desta fonte e de todas as outras servidas a
partir daquela arca deve ser considerada
de má qualidade e imprópria para consumo.
A Arca do Anjo que esteve junto ao Mercado do Anjo, onde hoje é a Praça dos Clérigos |
Pormenor da Arca do Anjo |
O Chafariz do Olival, que existiu no centro da Praça do Olival, foi construído por ordem do Rei D. Filipe II, em
1606, inicialmente na então Rua da Lage, parte superior da Rua dos Caldeireiros.
Tinha quatro bicas e era considerado como uma obra de grande valor
artístico (Marçal, 1968). Era o mais
elevado da cidade e, pelas suas bicas, saía água do Manancial de Paranhos.
Deste chafariz a água era distribuída para os presos da extinta Cadeia da
Relação, para o hospício dos religiosos de Santo António de Vale de Piedade, na
Cordoaria Nova, para os religiosos do Mosteiro de São Bento, e para o Hospital
Geral. Durante a construção da nova Cadeia da Relação, entre 1765 e 1796, foi
instalada na Praça do Olival a Fonte da
Porta do Olival, também conhecida como Fonte da Cadeia, após desmantelamento daquele
chafariz, cujas pedras foram usadas no tanque da Praça de Santa Teresa.
Atualmente está na fachada norte daquela cadeia, em frente da Torre dos
Clérigos, tendo adquirido definitivamente o nome de Fonte da Cadeia, embora tenha sido também apelidada de Fonte de
Neptuno. Foi restaurada em 1940. É uma humilde fonte, com dois golfinhos onde
se inserem as bicas. No centro está esculpido o medalhão com a imagem de
Neptuno. O Chafariz do Olival era alimentado com água do Manancial de Paranhos.
A Fonte da Cadeia recebeu, nos primeiros quarenta e quatro anos, água daquele
manancial. Após 1838, recebeu a mistura da água dos mananciais de Paranhos e
Salgueiros, cuja qualidade é idêntica à das Fontes do Mercado Ferreira Borges e
da Rua das Taipas.
Velasques, 2011, refere o Chafariz da Rua Chã,
datado de 1636, com quarto bicas abastecida pela água do manancial do Campo
Grande, e recorre à informação deixada pelo beneditino Novais que a caracteriza
como antiga e perfeitíssima. No ano de 1778, foi consertado o chafariz [27],
mas, em 1784, mudou de sítio como consequência do endireitamento da Rua do
Loureiro. A verdade é que ele foi apeado em 1853 e substituído pela Fonte
da Rua Cham, no antigo Largo
do Paço da Marquesa, onde hoje se encontram as ruas Chã, de Cimo de Vila e do
Cativo. Esta apenas tem duas bicas [28],
uma reservada ao publico e a outra aos aguadeiros. As suas vertentes seguiam
para o Convento das Freiras de S. Bento, enquanto este existiu. Este Fonte teve
a seu lado, até há poucos anos, um mictório público. Como o anterior chafariz,
a fonte recebia a água do manancial do Campo Grande ou Mijavelhas.
A Fonte da Rua Cham |
[1] Rebello da Costa, Agostinho, 1788, Descripçaõ topografica, e histórica da
cidade do Porto, Oficina de António Alvarez Ribeiro, Porto.
[2] D’Andrade Júnior, A.1895. Breves
apontamentos sobre águas de poços do Porto. Dissertação Inaugural apresentada à
Escola Médico-Cirúrgica do Porto.
[3] Afonso, M., 2002, O Porto segundo o Livro de Vereações de 1559, Dissertação de
Mestrado do Curso Integrado de Estudos Pós- Graduados em História Medieval e
Renascimento da Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
[4] Vasconcelos, E.,
2001, Vereações na Câmara do Porto no
anos de 1548. Dissertação de Mestrado em História Medieval apresentada à
Universidade do Porto.
[5] Santos, A., Pacheco, L., Girão, M. e
Clare, R., 2015, As nossas memórias – As
fontes do Porto, Volume I, Edições Afrontamento e Clube Unesco da Cidade do
Porto, Porto.
[6] Amorim I., Osswald, M. H., 1982, A água do convento de S. Francisco do Porto:
organização, conflitos e decisões régias. Separata do Boletim do Arquivo
Distrital do Porto, Volume I, Porto
[7] Velasques, 2001, Germano Silva, 2000,
Santos et al., 2015.
[8] Tavares de Pinho, I., 2000, O Mosteiro de São Bento de Avé Maria do
Porto, 1518/1899 – Uma arquitetura no século XVIII, Volume I, Dissertação
de Mestrado em História de Arte em Portugal apresentada à Faculdade de Letras
da Universidade do Porto.
[9] Velasques, G. P., 2001, Memórias
d’Água – fontes, fontanários e chafarizes, Contemporânea Editora, Lda., Matosinhos
[10] Marçal, H.,1968, O abastecimento de água à cidade do Porto e Matosinhos, Câmara
Municipal do Porto.
[11] Origem da
Fonte Taurina e a idade da Fonte da Colher http://goo.gl/e6lDDk
publicado em
5/11/2006”
[12] “Vereaçoens – anos de 1390 - 1395”.
Documentos e Memórias para a História do Porto – Gabinete de História da Cidade. Câmara
Municipal do Porto. 1980. Pág. 156
[13] “Vereaçoens – anos de 1401-1449”.
Documentos e Memórias para a História do Porto – XL Gabinete de História da
Cidade. Câmara Municipal do Porto. 1980
[14] Pereira, D. E. P.
2011. O abastecimento de água na Cidade
do Porto nos séculos XVII e XVIII. Dissertação de Mestrado em História da
Arte Portuguesa. Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
[15] Gomes Leite, J. E., 1836, Discripçaõ
histórica das arcas, fontes e aquedutos da cidade do Porto, Manuscrito do
Arquivo Municipal do Porto, descarregado de goo.gl/YRxqeA
em 13/9/16.
[16] Teixeira, D. E. P., 2011, O
abastecimento de água na cidade do Porto nos séculos XVII e XVII. Aquedutos,
Fontes e chafarizes. Dissertação de Mestrado em História de Arte Portuguesa
apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
[17] Atualizámos a ortografia do texto
transcrito.
[18] “Vereaçoens – anos de 1401-1449”.
Documentos e Memórias para a História do Porto – XL Gabinete de História da
Cidade. Câmara Municipal do Porto. 1980. Pág. 285, 407 e 408.
[19] Germano Silva, Jornal de Notícias de
15/5/2016, também publicado no seu blog Cadernos da Libânia.
[20]
“Vereaçoens – anos de 1401-1449”. Documentos e
Memórias para a História do Porto – XL, Gabinete de História da Cidade. Câmara
Municipal do Porto. 1980
[21] Silva, G., 2000, Fontes e chafarizes do Porto, Serviços Municipalizados
de Águas e Saneamento, Porto
[22] Bahia Júnior, 1909.
[25] Bahia Junior, J. 1909. Contribuição para a hygiene do Porto.
Analyse sanitária do seu abastecimento em água potável. II – Mananciais do
Campo Grande, Bispo e Freiras, Cavaca, Camões, Virtudes, Fontainhas, Praça do
Marquez de Pombal e Burgal; fontes suas derivadas e fontes de nascente
privativa. Dissertação Inaugural apresentada à Escola Medico - Cirúrgica do
Porto.
[26] Esta Arca foi construída no extinto
Mercado do Anjo, aberto ao público em 1838 no local onde hoje se encontra a
Praça dos Clérigos. Recebia a água dos mananciais de Paranhos e Salgueiros,
distribuindo-a pelas freguesias de Vitória, Miragaia, S. Nicolau e Sé. Foi
demolida em 1949 e reconstruída nos jardins da Águas do Porto, EEM.
[27] Ferreira Alves,
Joaquim Jaime B. 1988. O Porto na época dos Almadas – Arquitetura, obras
públicas. (Volumes I e II) Dissertação de doutoramento em História de Arte
apresentada à Faculdade de Letras do Porto. (período 1757-1804)
[28]
Em 21 de Dezembro de 1821, foi determinado que fontes públicas com duas bicas,
uma delas fosse destinada aos aguadeiros, para o que se afixariam dizeres
indicativos. Era, por consequência, nas fontes ou chafarizes que se juntavam os
aguadeiros (galegos), os quais, em típicos canecos sobre o comprido e mediante
uma mensalidade convencionada, levavam a água, às suas clientes. Para
transporte da água usavam os galegos um retalho de couro preso ao ombro
esquerdo, sobre o qual assentava o caneco, para evitar, assim, o encharcamento
da roupa.
Sem comentários:
Enviar um comentário